Edição nº 608

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 26 de setembro de 2014 a 05 de outubro de 2014 – ANO 2014 – Nº 608

Tese atesta viabilidade industrial da mangaba

Estudo da FEA demonstra que fruta tem alto rendimento em polpa

Em 2012, as exportações brasileiras de frutas frescas totalizaram US$ 619 milhões, representando um volume de 693 mil toneladas. Um dos destinos? O mercado de sucos prontos que, apesar de estar em constante ascensão no Brasil, ainda traz limitação de sabores nos supermercados. A alimentação saudável e a inserção da mulher no mercado de trabalho são apontados como os principais fatores que justificam este crescimento. Na União Europeia, o mercado de sucos de frutas e néctares registra retração desde 2009, devido à precariedade da situação econômica na zona do euro, com a inflação e o desemprego.

A mangaba (Hancornia speciosa Gomes) é um fruto do Cerrado brasileiro com características sensoriais excelentes, mas ainda o seu consumo é pouco difundido no país. A comercialização aos poucos está se despontando, porém com base na informalidade – em geral à margem das rodovias brasileiras e em feiras livres. Mas vem uma reação: os extrativistas do Cerrado começam a se organizar em cooperativas, pois lá quase toda a produção (segundo o IBGE, 722 mil toneladas em 2010) ainda provém do extrativismo.  

Um estudo de doutorado da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) revelou que essa fruta tem características muito atrativas para o setor agroindustrial. Primeiro porque apresentou alto rendimento em polpa (77%) e segundo pela boa estabilidade física, principalmente quando o assunto é o néctar.

A bebida não tem separação de fases, o que é comum nos néctares de outras frutas, que até informam o consumidor na embalagem com o termo “agite antes de beber”. “É uma boa opção para aumentar o período em que a fruta permanece adequada para consumo”, constatou a engenheira de alimentos Danielle Godinho de Araújo Perfeito, autora da tese, orientada pelo docente da FEA Flávio Luís Schmidt.

Segundo a pesquisadora, quando o fruto está perto do seu máximo desenvolvimento, desprende-se da árvore e completa o amadurecimento no chão (frutos “de caída”), entre 12 e 24 horas. São os frutos mais valorizados. “Mas é preciso muita experiência para saber a hora exata da colheita.”

Por ser tão perecível, a mangaba é destinada, em geral, à indústria, normalmente sendo usada, além de no preparo de sucos, também de sorvetes, doces e bebidas. Quando madura, precisa ser consumida rapidamente, uma vez que isso pode ser um empecilho a sua comercialização. Por isso, a maior parte da colheita é feita no pé, e o fruto pode ser consumido em dois a quatro dias.

 

Peculiaridades

A pesquisadora investigou a mangaba (palavra de origem indígena que significa “coisa boa de comer”, também conhecida como mangabiba, mangaíba, fruta-de-doente) –, originária de regiões de vegetação aberta como o Cerrado e a Caatinga, muito apreciada pelo seu aroma e sabor, associado ao elevado valor nutritivo.       

Tem cor amarelada, formato arredondado e chega a medir 6 cm. A mangabeira é uma planta arbórea de porte médio que atinge de cinco a dez metros de altura.

O Cerrado abrange uma área de 204 milhões de hectares, distribuídos especialmente nos Estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Bahia, Piauí, Maranhão e Distrito Federal. Lá ocorre uma florada pequena em junho e outra grande em novembro, mas apenas uma safra de frutos por ano, no período de outubro a dezembro. 

A doutoranda conta que começou a desenhar a sua pesquisa ao observar que a mangaba era muito comum na sua região – em Goiânia – e que eram escassos os estudos de tecnologias adequadas ao processamento das espécies nativas na região. 

Em sua opinião, conhecer as propriedades químicas e tecnológicas da mangaba ajuda a fornecer uma ferramenta para a criação de novos produtos, favorecendo o desenvolvimento sustentável, “visto que compreende não somente a conservação do meio ambiente, mas também a melhoria dos aspectos sociais e econômicos da população local”.

Estudos sobre as características físicas e químicas dos frutos da mangabeira do Cerrado, além do processamento, são alternativas para garantir a disponibilidade do fruto na entressafra e difundir o consumo.

“Os frutos da mangabeira possuem grande potencial de mercado, uma vez que a sua oferta não consegue atender a demanda encontrada”, garantiu. Sua polpa pode ser consumida in natura e ainda ser empregada para industrialização de doces, geleias, compotas, vinho, vinagre, entre outros produtos.

O setor frutícola do Brasil, comentou a doutoranda, é um dos poucos com área disponível e diversidade de frutas para atender ao crescimento da demanda externa por frutas e derivados.

 

Processo

Após lavagem, a mangaba segue direto para despolpamento. Como os frutos maduros apresentam casca muito fina e a polpa mole, o processo de despolpa é feito pela maceração do fruto e o seu peneiramento. Ao néctar, além do conteúdo necessário do fruto, são adicionados água e açúcares para sua formulação, bem como ácidos e vitaminas.  

A tese de Danielle envolveu a caracterização física e química da mangaba in natura e a avaliação de diferentes processos de extração da polpa. Ela também buscou caracterizar a polpa, elaborar um néctar de mangaba e testar sua estabilidade física.

A pesquisadora quantificou compostos fenólicos e determinou atividade antioxidante in vitro dos frutos, polpa e néctar de mangaba. Outra tarefa que lhe coube foi avaliar sensorialmente bebidas à base de mangaba em diferentes potenciais mercados consumidores e analisar a viabilidade econômica de uma unidade processadora de néctares de frutos nativos do Cerrado.

O estudo das características dos frutos em três diferentes estágios de maturação (verde, semimaduro e maduro) revelou que as mangabas do Cerrado apresentaram uma ligeira mudança de coloração no estágio maduro, o que possibilitou a verificação da maturidade com maior exatidão pelos parâmetros de textura e teor de sólidos solúveis.  

Danielle propôs uma maneira diferente de incorporação da polpa de mangaba em bebidas (na forma de esferas em suspensão). Essas bebidas, com “bolinhas” de polpa de mangaba espalhadas pelo líquido, tiveram boa aceitação  e, dentre os consumidores, 63% opinaram positivamente quanto à intenção de compra, algo significativo.

 

Viabilidade

Na tese, a doutoranda fez um estudo de uma Unidade Produtora de Néctar de Frutos do Cerrado e, pela análise de fluxo de caixa, essa unidade sinalizou viabilidade econômica com taxa interna de retorno (TIR) de 39,54% para um projeto sem financiamento e de 83,02% para um projeto com financiamento. 

Nos dois estudos, os valores da TIR foram superiores às taxas de juros vigentes para implantação de projetos agroindustriais, o que torna o projeto bastante convidativo. 

Na avaliação do tempo decorrido entre o investimento inicial e o momento no qual o lucro líquido acumulado se iguala ao valor desse investimento (o payback), o projeto com financiamento foi mais vantajoso com payback de dois anos e quatro meses. 

O estudo provou que a instalação da Unidade Produtora de Néctar é promissora e que pode fortalecer a economia local, gerar empregos diretos e indiretos, e aumentar a arrecadação e a sustentabilidade ambiental. 

A pesquisa da doutoranda foi realizada entre 2010 e 2012, empregando frutos da safra de 2010 oriundos do Cerrado goiano, em sua maioria doados pela Estação Experimental da Universidade Estadual de Goiás, na Unidade Universitária de Ipameri.

 

SE é o maior Produtor

Nas décadas de 1980 e 1990, vários Estados apareciam na lista do IBGE como produtores de mangaba, como Pernambuco, Piauí, Pará, Mato Grosso, Ceará, Goiás, Mato Grosso do Sul, Maranhão e Rio de Janeiro, porém não houve mais registros nos anos seguintes. Atribui-se esse fenômeno ao pouco uso da fruta na maioria desses Estados e ao desaparecimento de áreas naturais de ocorrência onde se praticava o extrativismo.

Em Sergipe, maior produtor de mangaba do país, a coleta da mangaba é realizada tradicionalmente por mulheres, que se revezam entre essa atividade e a pesca do siri, ostra, sururu. A fruta, em muitos casos, significa a sobrevivência de centenas de famílias. Hoje, o projeto Catadoras de Mangaba, viabilizado pela Petrobras, está percorrendo longos caminhos, por entre areias escaldantes, e atravessando mais cercas para ganhar acesso às mangabeiras e aos seus frutos.

 

Publicação

Tese: “Processamento da polpa de mangaba (Hancornia speciosa Gomes)”
Autora: Danielle Godinho de Araújo Perfeito
Orientador: Flávio Luís Schmidt
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)