Edição nº 608

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 26 de setembro de 2014 a 05 de outubro de 2014 – ANO 2014 – Nº 608

Zoneamento ecológico-econômico faz cair taxa de desmatamento no AC

Regras de conservação e uso sustentável ajudam a preservar cobertura florestal

O Estado do Acre possui praticamente a metade de seu território (45,66% da superfície de 164.000 km²) destinada a unidades de conservação de proteção integral (9,52%), unidades de uso sustentável (21,58%) e terras indígenas (14,55%) – isso equivale a quatro vezes mais do que a média nacional de áreas protegidas e ao dobro da média da região Norte. Tese de doutorado apresentada no Instituto de Geociências (IG) atribui esta configuração peculiar do Estado acriano à aplicação de um conjunto de instrumentos de ordenamento territorial organizado segundo regras de conservação e uso sustentável; e que tem permitido a expansão de atividades econômicas e de infraestrutura, mantendo a cobertura florestal.

“Dinâmica espacial do desmatamento no Estado do Acre entre 1999 e 2010: o papel do zoneamento ecológico-econômico” é o título da tese do geógrafo Marco Aurélio Rodrigues, orientada pelo professor Marcos César Ferreira. “A escolha do Acre para esta pesquisa vem de um período em que lá morei (de 1998 a 2003), trabalhando em programas de conservação socioambiental, junto a populações ribeirinhas, agricultores familiares, extrativistas e indígenas. Esta experiência já tinha dado origem ao meu mestrado, sob a orientação do professor Daniel Hogan”, afirma o pesquisador, que é professor substituto na UFMG e tem participado de projetos socioambientais e de educação na Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica.

Marco Aurélio Rodrigues explica que o zoneamento ecológico-econômico (ZEE), cujos resultados ele buscou em seu estudo sobre o Acre, é uma política pública espacial que na visão de alguns serve de instrumento para o ordenamento territorial e o desenvolvimento regional; mas que na opinião de outros é a própria política de ordenamento territorial. “Ter 45% do seu território já com destinação legal para unidades de conservação e terras indígenas é um diferencial na gestão econômica e ambiental deste Estado em relação ao restante da Amazônia brasileira.”

Na opinião do geógrafo, os resultados no Acre demonstram que o ZEE deve ser utilizado como instrumento político-jurídico e não somente como ferramenta técnica da administração pública, seja federal, estadual ou municipal. “É assim que o ZEE Acre vem sendo utilizado na sua dinâmica de implementação: tendo força de lei, ou seja, com a sua aplicação respaldada juridicamente, ao passo que no campo político tornou-se instrumento para a participação social, bem como para discussões e negociações do governo estadual junto à sociedade civil organizada.”

O autor pautou sua tese nas hipóteses de que o zoneamento ecológico-econômico e o estabelecimento e expansão de áreas naturais protegidas contribuíram para a diminuição das taxas de desmatamento no Acre no período de 1999 a 2010; que embora a ênfase no ZEE esteja no aspecto político, ele é um importante instrumento público para a gestão territorial e ambiental; que a pavimentação das rodovias BR-364 e BR-317 propiciou a formação de eixos de integração e corredores rodoviários com Peru e Bolívia, mas que nesses eixos se concentra a maior parcela de desmatamento do Estado.

Os principais resultados apresentados por Rodrigues foram a elaboração de um material cartográfico (por temas) contendo a análise espacial do desmatamento, a avaliação das mudanças socioeconômicas e uma análise do papel do ZEE no período da pesquisa. “Até 1998, o Acre foi governado por uma coalizão de partidos de direita. Em 1999, partidos de esquerda coligados na chamada ‘Frente Popular’ venceram as eleições e vêm administrando o Estado desde então. Naquele mesmo ano se iniciou a elaboração do ZEE e começaram as mudanças nas formas de gestão, com maior valorização das questões voltadas à floresta, implantação de programas socioambientais e as melhorias nas condições socioeconômicas do Acre. Criou-se assim uma gestão pública continuada, que chega a quinze anos em 2014.”

O pesquisador recorda que em 1999 o Estado saiu da condição de inadimplência e iniciou um ciclo de captação de recursos e empréstimos para projetos e programas estruturais, inclusive para o ZEE. “O zoneamento passou a ser um instrumento estratégico de planejamento regional e gestão territorial, envolvendo estudos sobre meio ambiente, recursos naturais e relações entre a sociedade e a natureza. Os estudos servem como subsídio para negociações democráticas entre os órgãos governamentais, o setor privado e a sociedade civil sobre um conjunto de políticas públicas voltadas para a busca de um desenvolvimento menos impactante.”

 

Hipóteses confirmadas

Marco Aurélio Rodrigues confirmou uma diminuição do desmatamento no Acre em comparação com a década anterior à do estudo, mas também registrou uma dinâmica preocupante. “Há uma dinâmica de aumento e diminuição do desmatamento: entre 2001 e 2004, registraram-se as maiores taxas de desmatamento, e de 2007 a 2010, as menores taxas. É possível correlacionar o desmatamento no Acre e na Amazônia a fatores externos como os programas de desenvolvimento nacional (Avança Brasil e Programa de Aceleração do Crescimento), que têm financiado a pavimentação de rodovias, construção de hidrelétricas e expansão das fronteiras agrícolas e da pecuária.”

O geógrafo afirma que o ordenamento territorial se deu de forma mais rápida e consolidada nas áreas destinadas à criação de unidades de conservação e terras indígenas. “Entre 1999 e 2010, a área total das unidades de conservação aumentou em 112,7% e hoje ocupa 31,1% do território do Estado, enquanto as terras indígenas representam 14,5% – até 2010, o Acre tinha 45,66% de sua superfície destinada a áreas protegidas. Os resultados diretos do ZEE do Acre foram a elaboração e implantação da lei estadual de recursos hídricos, da lei estadual de florestas, a aprovação do programa de empréstimo junto ao BID e investimentos de programas do BNDES, BIRD, Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Integração Nacional e Ministério da Educação, entre outros.

Rodrigues adverte, por outro lado, que a confirmação de que as maiores taxas de desmatamento no Estado estão nos eixos de integração da BR-364 e da BR-317 (87%) é um problema crucial a ser monitorado. “Se foi observado um avanço no aspecto socioeconômico (produto interno bruto, índice de desenvolvimento humano, geração de trabalho e renda), persiste um contingente grande de pessoas vivendo na pobreza e extrema pobreza, bem como as diferenças significativas entre as regiões do Estado, sobretudo entre a área rural e urbana.”

De acordo com o pesquisador, o uso e a ocupação desordenados e modelos desenvolvimentistas predatórios configuraram-se como principais vetores para o desmatamento das áreas adjacentes às estradas e BRs. “Nesses dois eixos rodoviários foram se instalando os 22 municípios do estado, sendo que os mais próximos da capital Rio Branco tiveram os maiores índices de desmatamento, variando de 31,59% em Acrelândia a 9,31% em Xapuri. Os municípios com as menores taxas de desmatamento são, em sua maioria, onde a forma de transporte e de conexões é o rio: as taxas variam de 6,6% em Rodrigues Alves a 0,94% em Santa Rosa do Purus.”


Unidades fundiárias

O autor da pesquisa aponta os assentamentos de reforma agrária como a unidade fundiária com maior percentual de desmatamento e as terras indígenas como a unidade com o menor índice (0,5%). Seguindo o padrão de ocupação do território acriano, os assentamentos geram 28,54% do desmatamento no Estado, seguidos por áreas particulares (7,12%), áreas arrecadadas (6,83%), áreas discriminadas (6,18%), áreas sem estudo discriminatório (2,73%), unidades de conservação (1,57%) e terras indígenas (0,49%). “O desmatamento nos assentamentos tem relação direta com os modelos e formas de assentamentos implantados, a falta de assistência técnica e extensão rural eficientes, falta de acesso a crédito, dificuldade de acesso a tecnologias produtivas e falta de logística de escoamento da produção.”

Em suas considerações finais, o geógrafo coloca aspectos do ordenamento do território do Acre que devem ser revistos, a exemplo dos projetos de assentamento, devido a fortes sinais de expansão da pecuária extensiva, vistos também em pequenas propriedades rurais. “A criação de animais, principalmente de gado bovino, é o maior indutor do desmatamento nessas áreas. A forma mais eficiente de conter o processo é oferecer ao assentado e ao pequeno proprietário assistência técnica, insumos e tecnologias mais modernas para a produção pecuária. Vale ressaltar, também, os fatores culturais difíceis de ser mudados, relacionados à dinâmica de corte, queima e rotação de áreas para a agricultura de subsistência.”

Marco Aurélio Rodrigues reitera a importância de se monitorar a dinâmica de desmatamento nos eixos das rodovias, diante da migração de pessoas e também da instalação de uma rede de comércio em suas margens. “A taxa de desmatamento no Acre caiu de 441 km²/ano em 1999 para 167 km2 em 2009, subindo para 259 km²/ano em 2010. Mas a pavimentação da BR- 364 e da BR-317 (Interoceânica), conectando o Acre com os portos do Pacífico, pode promover a abertura de novas frentes de desmatamento, especialmente em função do aumento da atividade pecuária para exportação e da ação de madeireiros peruanos agindo de forma ilegal na região de fronteira com o Peru.”

 

Publicação

Tese: “Dinâmica espacial do desmatamento no Estado do Acre entre 1999 e 2010: o papel do zoneamento ecológico-econômico”
Autor: Marco Aurélio Rodrigues
Orientador: Marcos César Ferreira
Unidade: Instituto de Geociências (IG)