Edição nº 609

Nesta Edição

1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 03 de outubro de 2014 a 12 de outubro de 2014 – ANO 2014 – Nº 609

Formação de treinador de basquete é tema de estudo

Tese mostra que universidade tem papel de coadjuvante na preparação de técnicos

Numa partida de basquete, não somente os jogadores são as peças-chaves do jogo. De maneira às vezes silenciosa, porém ativa, também atuam os treinadores. Se de um lado eles são festejados, de outro são responsabilizados pelos maus resultados do time. Entre as exigências que lhes são impetradas, está a passagem, obrigatória, pelos bancos universitários. Mas hoje eles fazem mais: buscam especialização e formação continuada. Mesmo assim, isso não tem sido suficiente, na opinião deles. É preciso mais.

Segundo pesquisa de doutorado recente defendida na Faculdade de Educação Física (FEF), o desenvolvimento profissional dos treinadores, sobretudo os das categorias de base, envolve processos que ocorrem na prática, no terreno profissional. Foi o que apontou o estudo de Heitor de Andrade Rodrigues. “A universidade exerce apenas um papel coadjuvante na constituição dos saberes e das identidades.”

Os treinadores, realça, ainda estão demasiadamente enraizados nas suas experiências profissionais com a modalidade. O contexto da aprendizagem informal é sugerido como fonte primária para atingir os conhecimentos que sustentam a prática dos treinadores, seja pela imersão na cultura esportiva e/ou pela prática reflexiva.

Essa constatação acena para a necessidade de revisar e transformar o modelo de formação que tem sustentado os currículos dos cursos de Educação Física no Brasil, bem como a grande maioria dos cursos de treinadores oferecidos pelas entidades esportivas, já que boa parte deles reproduz o modelo universitário de formação.

Esse modelo está estruturado com base na lógica disciplinar, voltada à produção e transmissão de conhecimentos científicos, os quais devem ser apropriados pelos alunos para serem aplicados aos problemas colocados pela prática.

Heitor conta que duas questões principais nortearam a sua investigação: quais os desafios e as tensões enfrentados pelos treinadores de basquetebol das categorias de formação, e quais os saberes mobilizados ao longo do processo de constituição identitária. A pesquisa foi desenvolvida entre 2011 e 2013 no Estado de São Paulo, em cidades com tradição na formação de jovens atletas de basquetebol, entre elas Franca, Limeira, Rio Claro, Americana, Campinas, São Paulo e Osasco.

Foram entrevistados 13 treinadores com reconhecida competência na formação de jovens atletas, em diferentes fases da carreira profissional, com base no critério de anos de experiência na profissão. Oito eram treinadores de equipes masculinas e cinco de equipes femininas.

 

Formação

De acordo com o doutorando, a porta de entrada de todos aqueles que desejam ser treinadores passa invariavelmente pelo ingresso no curso de Educação Física. Mas via de regra esse curso oferece apenas uma formação generalista, voltada a diversas áreas de atuação.

A despeito de o curso universitário ser uma condição necessária para a atuação profissional dos treinadores, Heitor percebeu que o curso contribui de maneira superficial para a formação desse grupo de trabalhadores. Fato é que boa parte da formação dos treinadores se dá mesmo fora do ensino superior. “Foi exatamente nesse ponto que a pesquisa ganhou sentido, já que procuramos identificar na história de vida dos avaliados os episódios significativos que contribuíram para suas identidades e saberes”, relata. 

O doutorando explica que a realidade da atuação dos treinadores brasileiros nas categorias de base é coerente com a realidade do esporte brasileiro nesse nível de formação, ou seja, a grande maioria trabalha em condições precárias. São poucos os incentivos e oportunidades de educação continuada para esse profissional. “Além disso, falta uma política nacional de esporte que valorize essa profissão”, acredita.

No entanto, não dá para dizer que os cursos de Educação Física têm sido incapazes de preparar os alunos para assumirem a função de treinador, esclarece ele. “Parece mais apropriado reconhecer que o curso tem um papel limitado, contudo certamente fornece um conjunto de saberes relevantes à atuação profissional.”

Conforme os resultados da tese, os treinadores constituem suas identidades e saberes nas experiências pessoal e profissional, as quais têm início na socialização pré-profissional, perpassam a socialização profissional no curso de Educação Física e adentram a socialização profissional durante a carreira. Trata-se de um processo de longo prazo, fruto de investimento pessoal e interações com os diversos sujeitos e instituições que cruzaram a vida de cada treinador. 

Os treinadores demonstraram, desde cedo, o desejo de fazer parte do basquetebol, o que ocorreu inicialmente como praticantes e espectadores da modalidade. Nesse período, a figura dos primeiros professores foi fundamental para o encantamento pelo esporte.

O passo seguinte foi o investimento na vida de atleta, mediado pelos primeiros treinadores. “É um período marcado por experiências e lembranças positivas para a maioria dos treinadores”, conta. A aprendizagem ocorreu por imersão na cultura esportiva (aqui denominada de educação artesanal) ou processo formativo do aprendiz pelo mestre, revelando-lhe os segredos do ofício. 

Os treinadores contam que se apropriaram dos conhecimentos e valores da cultura do basquetebol no convívio com os antigos professores e treinadores, observando, ajudando ou trocando ideias. “Foi nessa fase que constituíram suas identidades e saberes de ofício, sustentando as crenças e as práticas sobre o treinamento.”

 

Política

Sobre a política de formação, Heitor pontua que têm sido observadas algumas iniciativas pioneiras no país como a Escola Nacional de Treinadores de Basquetebol, apoiada pela Confederação Brasileira de Basketball, e a Academia Brasileira de Treinadores, criada pelo Comitê Olímpico Brasileiro, que merecem ser aperfeiçoadas e democratizadas, já que atingem uma classe seleta de treinadores.

Na opinião do pesquisador, deveria haver um maior investimento nas categorias de base. Essa ideia já é consensual no contexto acadêmico, pois a formação de atletas é algo que acontece muito em longo prazo, sendo as categorias iniciais imprescindíveis ao êxito das categorias de maior projeção no esporte. “Daí a importância de valorizar e investir na formação do maior responsável por conduzir esse processo – o treinador”, sugere.

O doutorando conta que hoje em dia é fácil de identificar um número significativo de pesquisas sobre os atletas do basquetebol, mas pouquíssimas sobre os treinadores, isso ao lançar um olhar mais atento à produção científica no campo do treinamento esportivo.

Se considerados os treinadores das categorias de base, ou seja, aqueles responsáveis pela formação de jovens esportistas, o descompasso é ainda maior, visto que as pesquisas encontradas se situam mais no contexto internacional, descreve.

“Este estudo consiste em dar visibilidade à profissão de treinador, destacar os limites do curso de Educação Física na formação de treinadores e perceber a importância do terreno profissional no processo de formação e desenvolvimento dos treinadores”, pontua.

Merece também destaque a possibilidade de identificar treinadores com reconhecida competência e experiência no basquetebol que possam assumir os papéis de tutores e mentores de alunos e jovens treinadores, trabalhando em parceria com a universidade ou com as entidades esportivas.

Ao escolher os treinadores como objeto desse estudo, não se trata de negar o protagonismo dos atletas no contexto esportivo, porém de destacar a necessidade de conhecer quem são os treinadores, quais são os conhecimentos necessários à sua atuação profissional, quais as demandas de sua prática e como é possível qualificar o seu trabalho.


Retomada

O basquetebol surgiu em 1891, nos Estados Unidos. Seu criador foi James Naismith, professor de Educação Física da Associação Cristã de Moços de Springfield, Estado de Massachusetts. Os Estados Unidos têm realizado um grande esforço para tornar esse esporte um produto global do capitalismo. E, não por acaso, existem jogadores de diferentes nacionalidades jogando a Liga Norte-Americana de Basquete (NBA).

Recentemente, houve a final da NBA, principal liga de basquetebol profissional, e pela primeira vez na história um jogador brasileiro, Tiago Splitter, sagrou-se campeão, embora o Brasil já tenha uma tradição no basquetebol. “No masculino, somos bicampeões mundiais (1959 e 1963) e, no feminino, campeões (1994), sem contar outras conquistas em Jogos Olímpicos, como o vice-campeonato feminino em 1996 e a vitória masculina nos Jogos Pan-Americanos de Indianápolis, em 1987, quando fomos campeões diante da equipe dos Estados Unidos, um feito histórico”, dimensiona Heitor.

Apesar dessa tradição, nos últimos 20 anos essa atividade perdeu o posto de segundo esporte na preferência dos brasileiros para o voleibol [o futebol é o primeiro]. “Mas existe um grande empenho para resgatar o prestígio do esporte no contexto nacional”, sublinha ele. Exemplo disso é o êxito das últimas edições da Liga Nacional de Basquetebol Masculino – o NBB (Novo Basquete Brasil). 

Heitor comenta que essas iniciativas, no entanto, não devem ficar restritas ao universo do basquetebol profissional masculino e merecem ser estendidas aos profissionais que atuam (treinadores, atletas, árbitros, gestores e demais membros da comissão técnica) no basquetebol feminino, sobretudo aqueles que dedicam a vida às categorias de base. “No fundo, há necessidade de valorização e profissionalização daqueles que se responsabilizam pela formação de jovens atletas, semelhante ao que tem sido feito no NBB”.

 

Publicação

Tese: “Formação e desenvolvimento profissional do treinador: um estudo sobre os treinadores de basquetebol, suas identidades e saberes”
Autor: Heitor de Andrade Rodrigues
Orientador: Roberto Rodrigues Paes
Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)