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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 27 de novembro de 2014 a 31 de dezembro de 2014 – ANO 2014 – Nº 616Uma defesa não marxista de Marx
A obra de Cohen, agora publicada pela Editora Unicamp, apareceu em primeira edição em 1978, e em segunda edição ampliada em 2000. A obra é tida como fundadora de uma corrente – mais propriamente de um grupo de autores – que veio a denominar-se “marxismo analítico”, cujos líderes foram Cohen, John Roemer e Jon Elster. O objetivo do autor, explícito no título, é apresentar uma defesa da teoria da história de Marx, especificamente da tese marxista de que o desenvolvimento das forças produtivas determina o curso histórico da sociedade humana, mas uma defesa baseada em uma profunda e ampla – pode-se dizer radical – reformulação do materialismo histórico, tal como formulado por Marx.
Assim, antes de falar do livro, é indispensável mencionar as características gerais do projeto a ele subjacente, o “marxismo analítico”, pois o livro, embora em defesa de uma importante parte da teoria de Marx, constitui um contundente desafio ao marxismo. Essa é a razão pela qual a polêmica em torno do livro girou tanto ou mais em torno da legitimidade do uso do termo “marxismo”, no marxismo analítico, do que em torno do seu objeto. Eis como Cohen define o marxismo analítico: “ser analítico é ser o oposto à forma de pensamento tradicionalmente pensada como parte integrante do marxismo: (...) é o oposto do assim denominado pensamento dialético; (...) é o oposto do que se pode chamar de pensamento ‘holístico’”. Cohen investe, assim, diretamente contra dois pilares do materialismo histórico: a dialética e a concepção holística da realidade. O oposto do pensamento holístico é o individualismo metodológico, base filosófica e metodológica das ciências sociais burguesas, adotado pelo marxismo analítico.
Cohen define como meramente “técnicas” as correntes teóricas não marxistas constitutivas, segundo ele, do marxismo analítico: 1) as “técnicas de análise lógica e linguística” da filosofia analítica, a corrente filosófica dominante do establishment acadêmico anglófono, no século XX, origem do nome do “marxismo analítico”; 2) as “técnicas de análise econômica” da economia neoclássica, desenvolvimento do que Marx denominou “economia vulgar”, também amplamente dominante em todo o mundo capitalista; 3) a “teoria da decisão”, a “teoria dos jogos” e, mais geralmente, a “teoria da escolha racional”. “(...) que se desenvolveram a partir e ao longo da economia neoclássica” (21); 4) a análise funcionalista, que, embora o próprio Cohen não a acrescente a esta lista, comparece em todo o livro com grande destaque. Considerando o audacioso propósito de realizar uma análise marxista com a inclusão de correntes tão opostas ao marxismo, causa surpresa que Cohen não tenha procurado demonstrar a compatibilidade dessas correntes com os princípios fundamentais do materialismo histórico.
Os capítulos que se referem diretamente ao tema central são os capítulos II e III, nos quais o autor procura definir e identificar detalhadamente as forças produtivas e as relações de produção. Esta constitui uma contribuição efetiva ao debate marxista, geralmente limitado aos conceitos mais gerais sobre o tema, dispensando os necessários detalhamento e precisão conceitual. No capítulo VI o objetivo é demonstrar textualmente a defesa de Marx da tese da primazia das forças produtivas e expor a natureza dessa primazia. Mas parte da defesa baseia-se em princípios não marxistas, como a “natureza humana” permanente, o comportamento racional e a escassez (pp. 190-200). O capítulo VII é uma análise principalmente linguística da tese da primazia e da sua aplicação à explicação da sucessão de modos de produção, em parte divergente da apresentada por Marx. Nesses dois capítulos, “o materialismo histórico foi apresentado mais especificamente (...) enquanto uma teoria funcionalista da história e da sociedade” (p. 295).
A luta de classes comparece modestamente, mas Cohen aborda o problema da presença simultânea e não resolvida, na literatura marxista, de duas causas da revolução social, por um lado a contradição Forças Produtivas (FP) x Relações de Produção (RP), e por outro a luta de classes, o “motor da história”, segundo o Manifesto, cujo vínculo ou não é identificado, ou, se o é, não é explicado. Cohen não dá o merecido destaque ao problema, mas fornece, embora ambiguamente, elementos da sua solução. Por um lado, considera que “o poder explicativo da luta de classes é (...) limitado”, por não ser “a explicação fundamental da mudança social”, que é a contradição FP x RP (p. 188). Por outro lado, afirma não suprimir “a luta de classes do centro da história” (p. 339) por ser “um dos principais meios através dos quais as forças produtivas se impõem sobre as relações de produção” (p. 339; itálicos nossos), sem esclarecer quais poderiam ser os outros meios.
O último capítulo, acrescentado à edição de 2000, fornece uma nota provocativa à conclusão da obra. Resumidamente, Cohen argumenta que o colapso da União Soviética pode ser considerado um “triunfo” da teoria da história de Marx, pois este afirmara que “uma formação social jamais perece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela contém” (pp. 447-448). Como isso não havia ocorrido na Rússia antes da revolução, o fracasso do socialismo lá intentado confirmaria essa tese de Marx.
Claus M. Germer é professor aposentado do Departamento de Economia da UFPR.
SERVIÇO
Título: A teoria da história de Karl Marx – Uma defesa
Autor: Gerald A. Cohen
Tradução: Angela Lazagna
Páginas: 504 páginas
Editora da Unicamp
Áreas de interesse: Ciências sociais e História
Preço: R$ 96,00