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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 11 de maio de 2015 a 17 de maio de 2015 – ANO 2015 – Nº 624Estudo aponta alto consumo de gordura saturada em Campinas
Questionário revela que ingestão supera limites recomendadosNo Brasil, assim como em outros países, o cenário de desnutrição foi sendo substituído pela alta prevalência do excesso de peso e obesidade. Esta tendência está atrelada, principalmente, às mudanças no estilo de vida e ao consumo de dietas alimentares desequilibradas, ricas em gorduras saturadas e pobres em carboidratos complexos, fibras, vegetais e pescados.
Estudos apontam que com a urbanização e a expansão das áreas metropolitanas no país, que determinaram mudanças de hábitos de vida e maior frequência de refeições feitas fora do domicílio, houve decréscimo no consumo de alimentos que tradicionalmente compunham a base da alimentação do brasileiro como arroz e feijão e aumento de 400% no consumo de produtos industrializados como refrigerantes e biscoitos, além do aumento do consumo de carnes e embutidos. Essas mudanças no padrão alimentar levaram à ingestão excessiva de açúcares livres e de gordura total e saturada e, em consequência, ao consumo energético além do necessário. Além disso, aumentou paralela e substancialmente a ocorrência de doenças crônicas como as cardiovasculares, o diabetes, a hipertensão arterial, dentre outras.
Neste contexto revelam-se essenciais pesquisas que viabilizam o monitoramento da situação alimentar e nutricional da população, capazes de embasar a implementação de políticas públicas direcionadas para a promoção de uma alimentação saudável. A relação existente entre dieta e saúde é investigada no campo da epidemiologia nutricional com a intenção de traçar o perfil de consumo de alimentos e sua associação com a condição de saúde do indivíduo.
Este é o escopo da dissertação de mestrado da nutricionista Lhais de Paula Barbosa, desenvolvida junto ao Departamento de Saúde Coletiva, da FCM da Unicamp, orientada pela professora Marilisa Berti de Azevedo Barros, que analisa o perfil de consumo de gordura na dieta da população adulta residente no município de Campinas, segundo sexo e níveis de escolaridade.
O trabalho utilizou dados do Inquérito de Saúde do Município de Campinas (ISACamp) de 2008/2009, que foi o segundo de uma série de inquéritos periódicos do município. O primeiro foi realizado em 2002/2003 em parceria com outras universidades públicas do Estado, e a versão atual (2014/2015) encontra-se em andamento (leia texto nesta página). O ISACamp é um estudo realizado em base domiciliar e populacional e avança na análise das condições de saúde da população compreendendo múltiplas dimensões: prevalência de morbidades, problemas de saúde, práticas preventivas, comportamentos relacionados à saúde, uso de serviços de saúde, qualidade de vida, uso de medicamentos, prática de atividade física, dentre outros.
A partir de uma amostra representativa da população residente na área urbana do município de Campinas-SP, cerca de três mil pessoas foram entrevistadas no ISACamp 2008/2009, sendo equitativamente distribuídas entre adolescentes (10-19 anos), adultos (20-59 anos) e idosos (mais de 60 anos). A pesquisadora centrou-se em 949 adultos, dividindo-os em três subgrupos de escolaridade: de 0 a 7 anos de estudo, de 8 a 12 e de mais de 12 anos de estudo, distinguindo ainda em cada um deles as diferenças de sexo.
O estudo analisou a distribuição percentual de carboidratos, proteínas e lipídios na energia da dieta entre os grupos de escolaridade e apenas para os lipídios foram verificadas diferenças significativas. Com isso, surgiu a necessidade de investigar, com maior profundidade, que tipos de gorduras eram os mais consumidos. A partir daí foi possível identificar algumas diferenças nas características da dieta dessas populações com relação ao consumo de gorduras.
A PESQUISA
Os dados do ISACamp 2008/09 foram coletados a partir de um questionário organizado em 14 blocos temáticos, com maioria de questões fechadas com alternativas pré-definidas e um dos blocos abordava justamente o Hábito Alimentar. Para a coleta de dados sobre a alimentação, Lhais utilizou o chamado Recordatório 24 horas que foi aplicado por equipe treinada e supervisionada. O R24h é um instrumento que leva os entrevistados a relatarem o consumo alimentar das 24 horas que precederam a entrevista, ou seja, do dia anterior. Entre as vantagens do R24h está a possibilidade de ser aplicado em indivíduos de diferentes estratos socioculturais, sofrendo pouca influência do nível de escolaridade, e de tratar-se de um instrumento que utiliza um período curto para aplicação e tem baixo custo. As informações coletadas no R24h foram analisadas por meio de um software de nutrição que permite que sejam feitas análises específicas para cada macro ou micronutriente.
O consumo de gordura total, tanto em termos absolutos como em contribuição relativa para a energia total, revelou-se elevado na população de Campinas, estando próximo ao limite superior dos níveis recomendados e entre os homens foi maior nos segmentos de maior escolaridade.
Em relação à gordura saturada, tanto em termos absolutos quanto percentuais da energia total da dieta, o consumo superou a recomendação OMS/FAO que é de até 10% do valor energético total da dieta (VET), nas categorias de maior nível de escolaridade, tanto em homens quanto em mulheres. Em média os homens consumiram 10,4% e as mulheres 10,7% do VET para gorduras saturadas. Além disso, foi verificado um gradiente crescente do consumo com o aumento da escolaridade, tanto em termos absolutos quanto em participação relativa no VET. Sabe-se que as gorduras saturadas estão presentes basicamente em alimentos de origem animal como carnes, leites, ovos e nos alimentos industrializados, caso dos nuggets, steaks e hambúrgueres.
Em todos os subgrupos de escolaridade, e em ambos os sexos, o consumo de gordura trans apresentou-se muito superior à recomendação da OMS/FAO, ultrapassando 1% da participação relativa no total de energia da dieta. O consumo médio de gorduras trans foi de 1,9% do VET tanto para homens, quanto para mulheres. Sabe-se que o consumo deste tipo de gordura produz efeito metabólico sobre a hipercolesterolemia e aumenta os níveis de colesterol total e de LDL-c, além de reduzir as concentrações de lipoproteína de alta densidade (HDL-c). Outros prejuízos metabólicos são provocados pela capacidade desta gordura de competir com as gorduras poliinsaturadas e de bloquear ou inibir a síntese de ácidos graxos essenciais de cadeia longa.
Estudo realizado com os dados do Inquérito de Saúde do município de São Paulo – ISA Capital –verificou os alimentos fonte de ácidos graxos trans mais consumidos pelos adultos entrevistados. Foram eles: margarina, carnes, pizzas, pães doces, biscoito sem recheio, biscoito salgado, bolo branco, leite integral, manteiga e batata frita. Estudo irlandês que avaliou a dieta de adultos também identificou a margarina como principal alimento fonte de ácidos graxos trans mais consumido.
Com base na literatura, a autora sugere algumas hipóteses para explicar as associações existentes entre o elevado consumo de gordura e o nível de escolaridade. A população mais escolarizada, que é também a de maior renda, tem maior acesso aos alimentos industrializados – que, de um modo geral, contêm concentrações excessivas de gordura, e às carnes vermelhas, que devido ao preço, são consumidas em menor quantidade pelas populações de menor renda. Além do que, nas cidades, face aos imperativos da vida moderna, alimentos do tipo fast food, refeições prontas como lasanha industrializada, pizzas e macarrão instantâneo, que possibilitam refeições rápidas, passaram a fazer parte do cotidiano de muitas pessoas.
Diante da constatação do progressivo aumento da oferta de alimentos industrializados que sugerem praticidade, seduzem, geram prazer e são ricos em açúcares, gorduras e sal, a autora afirma: “Conseguimos constatar que, embora a população de menor nível socioeconômico seja, em geral, mais afetada por doenças crônicas e mortes prematuras, no caso do consumo de gordura o que ocorre é o oposto, contrariando a tendência de que tudo que é ruim atinge principalmente os pobres”.
CONSIDERAÇÕES
Lhais lembra que as gorduras constituem um nutriente essencial para o organismo, pois contribuem ativamente como precursores na síntese de hormônios, fazem parte da estrutura das membranas celulares, compõem a bile, participam da resposta autoimune e do transporte de vitaminas lipossolúveis e garantem o aporte energético da dieta. O problema é o consumo excessivo delas, especialmente as saturadas e trans que, quando associadas a outros fatores como fumo, bebidas alcoólicas e falta de exercícios físicos, constituem terreno propício para o desenvolvimento de doenças crônicas. Além disso, com o crescimento das cidades, as pessoas passam a participar de uma rotina corrida, que exige refeições mais rápidas e práticas que criam as condições para o desenvolvimento dos maus hábitos alimentares.
A propósito a pesquisadora afirma: “Ao propormos algumas estratégias para o fortalecimento da promoção da alimentação saudável e de políticas correlatas, o nosso objetivo é orientar a população sobre a importância da adoção de uma alimentação saudável, minimizando o consumo de alimentos industrializados. Por isso, é fundamental que os resultados das pesquisas cheguem à população”. Além do que, os dados e as informações decorrentes dela são importantes no embasamento de políticas públicas por parte de municípios, estados e da Federação.
Entre as estratégias que já vêm sendo realizadas neste sentido, está a atualização do Guia Alimentar para a População Brasileira, que ressalta a importância de voltar a consumir alimentos in natura, a cozinhar em casa, a de evitar o consumo de alimentos ultra processados e a de repensar a qualidade da alimentação dos brasileiros.
Lhais lembra que, com o objetivo de enfrentar o problema das doenças crônicas no país, o Ministério da Saúde estabeleceu metas a serem atingidas entre os anos de 2011 e 2022. Dentre elas está a de conter o aumento da prevalência de obesidade entre os adultos, ou seja, dada a complexidade do problema, nem houve a proposta de redução desta prevalência.
Inquérito tem terceira edição Lhais faz questão de destacar o trabalho que está sendo desenvolvido na terceira edição, a mais atual, do ISACamp 2014/2015, cuja divulgação considera importante para que os entrevistadores sejam recebidos no campo. Coordenado pela médica Marilisa Berti de Azevedo Barros, o ISACamp é um inquérito domiciliar de saúde, de base populacional, que investiga as diferentes dimensões da saúde que podem ser acompanhadas e avaliadas no monitoramento dos padrões de bem-estar e saúde da população. Ele objetiva divulgar e ressaltar a possibilidade e relevância da incorporação de novos indicadores para a vigilância da situação de saúde da população e de segmentos demográficos e sociais do município de Campinas. Como um módulo acoplado ao ISACamp, o projeto ISACamp-Nutri 2014/2015 realizará uma segunda visita aos entrevistados e abordará questões sobre o consumo alimentar, o estado nutricional, os hábitos alimentares e a percepção corporal de adolescentes, adultos e idosos, com o objetivo de monitorar a tendência e as desigualdades sociais prevalentes no padrão alimentar desses segmentos etários da população. Um segundo módulo, que constitui outro desdobramento do ISACamp, é o ISACamp-Sono 2015, que tem como objetivo analisar de forma mais aprofundada os aspectos relacionados à duração, qualidade e distúrbios do sono, particularmente a apneia do sono, a sonolência e o cochilo diurnos. |
Dissertação: “Avaliação do consumo de gorduras na dieta de adultos: estudo de base populacional no município de Campinas-SP”
Autora: Lhais de Paula Barbosa
Orientadora: Marilisa Berti de Azevedo Barros
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)