Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 11 de maio de 2015 a 17 de maio de 2015 – ANO 2015 – Nº 624Paleocristianismo e mitologia grega
Em Em nome da (in)diferença, Jacyntho Lins Brandão propõe um estudo meticuloso e aprofundado dos modos como os polemistas cristãos dos primeiros séculos de nossa era reagiam à tradição mitológica grega e como administravam as relações complexas e as diversas possibilidades de (in)diferenciação que aproximavam e afastavam as polaridades cristão/judeu, cristão/grego, cristão/romano e cristão/pagão. Tais pares não constituíam alteridades nítidas e estanques, mas relacionavam conceitos fluidos entre os quais havia também trocas e assimilações. O assunto de que trata o livro é fundamental para qualquer um que pretenda investigar os fundamentos filosóficos, teológicos e ideológicos do paleocristianismo (fundamental, pois o cristianismo, herdeiro do judaísmo, surge e floresce em um ambiente intensamente helenizado, em que a religião grega e os mitos gregos ainda estão vivos) e para aqueles interessados nas complexas relações entre helenismo, judaísmo e cristianismo primitivo. O autor nos apresenta um trabalho finíssimo, de altíssimo valor intelectual e acadêmico, realizado com máxima competência. Seu texto concilia uma erudição impressionante e uma admirável clareza expositiva: sem renunciar jamais ao rigor da análise e ao sólido suporte bibliográfico, Lins Brandão foi capaz de apresentar com transparência, numa redação elegante e acessível, um tema que, à primeira vista, pode parecer rebarbativo. O livro tem enorme interesse para o especialista, mas é igualmente acessível ao leitor não especializado.
O percurso expositivo da obra se divide em seis capítulos e uma conclusão: “Onomasiologias”, “Topologias”, “Cronologias, “Mitologias 1 (Confluções)”, “Mitologias 2 (Homologias)” e Historiografias” e, finalmente, “Economias”, a conclusão destinada a amarrar os fios soltos e dar sentido a todo o percurso. O primeiro capítulo trata da administração dos nomes “cristão”, “judeu” e “grego” nos três primeiros séculos de nossa era e dos sentidos que adquiriam em sua relação triangular. O segundo investiga a afirmação dos apologistas de que os cristãos constituiriam uma “terceira raça”, ao lado de judeus e gregos, o que vai implicar uma reordenação das polaridades de categorias então vigentes no mundo romano (gregos/bárbaros; gregos/romanos; romanos/bárbaros; judeus/romanos; judeus/goim) – reordenação que culminará na oposição cristãos/pagãos. O terceiro capítulo trata das genealogias, que estabelecem uma linha que liga os cristãos aos judeus (e aqui se dá especial atenção para os problemas envolvidos na fixação da genealogia de Jesus Cristo), e das sucessões, que, no plano da doutrina, estabelecem uma linha que liga o cristianismo grego à tradição filosófica grega. O quarto capítulo analisa a explicação que propõe Justino para a presença do mal no mundo e o modo como nela confluem várias tradições. O quinto analisa o modo como os apologistas tratam das semelhanças que há entre os mitos gregos e os relatos cristãos. O sexto mostra como o debate do cristianismo com a mitologia grega obedece a um programa urgente de apropriação, pelos cristãos, do passado grego.
Em nome da (in)diferença contribui de forma notável para o avanço do conhecimento numa área que, entre nós, é pouquíssimo estudada (a literatura cristã dos séculos I a III), apresentando e discutindo os modos como os autores cristãos reagiam à tradição religiosa grega, descrevendo e esmiuçando as divergências e as convergências, os pontos de conflito e os de diálogo que ao longo dos primeiros séculos de nossa era marcaram as complexas relações entre o politeísmo pagão e o monoteísmo judaico-cristão, entre a tradição grega e a teologia cristã que então se constituía.
Título: Em nome da (in)diferença – O mito grego e os apologistas cristãos do segundo século Autor: Jacyntho Lins Brandão Editora da Unicamp Páginas: 480 Área de interesse: História, mitologia grega Preço: R$ 84,00
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Flávio Ribeiro de Oliveira é professor de língua e literatura gregas no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp.