Edição nº 635

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 31 de agosto de 2015 a 06 de setembro de 2015 – ANO 2015 – Nº 635

Químico avalia retenção de fragrâncias de xampus

Testes demonstram que odor permanece por mais tempo
em cabelos que não foram quimicamente modificados

Em dos componentes que não pode faltar à formulação de um xampu são as fragrâncias, misturas de substâncias que conferem odor a um produto cosmético. Elas podem ser encontradas incorporadas em produtos encontrados em uma ampla variedade nas prateleiras das farmácias e nas gôndolas dos supermercados. Para todos os tipos de consumidor, existem diferentes cheiros: aqueles que lembram a infância – os chicletes e as balas infantis –, e aqueles que remetem às frutas, flores, madeira, plantas, os almiscarados, os cítricos e outros. O desempenho de fragrâncias em cosméticos é estudado mundialmente e, cada vez mais, é tema de pesquisas em cabelo.

Especialistas intrigados em saber quanto tempo levava para que as substâncias das fragrâncias permanecessem no cabelo, após uma lavagem, conduziram uma pesquisa no Instituto de Química (IQ). A despeito do resultado não representar um número fechado, ele esteve intrinsecamente ligado ao tipo de cabelo avaliado. Para o hábito do brasileiro que lava o cabelo todo dia, o ideal é que a fragrância permaneça por pelo menos 24 horas, para que o cabelo fique com aspecto limpo, olfativamente falando, até a próxima lavagem.

A pesquisa mostrou por exemplo que os cabelos virgens (não modificados quimicamente) retêm mais a fragrância com o passar do tempo. O autor do estudo, André Medice, fez essa constatação em sua dissertação de mestrado, orientada pela docente Anita Jocelyne Marsaioli. 

Ele explica que, com sua modificação estrutural e química, o cabelo até que é capaz de incorporar em seu interior uma maior quantidade de substâncias: de fragrância ou mesmo de água. Isso acontece porque a sua estrutura interna fica mais porosa com a degradação trazida pela reação de descoloração, criando buracos onde ficam aprisionadas essas substâncias. 

Quanto maior o grau de descoloração, maior a quantidade de fragrâncias incorporadas no cabelo durante a lavagem com xampu. Ocorre que, pelo fato da estrutura capilar se tornar porosa, a permanência dessas substâncias se mostra mais efêmera no cabelo descolorido do que no virgem, porque saem da estrutura capilar com maior facilidade devido justamente a esses buracos, pelos quais esvaem. 

Com a degradação da estrutura capilar, diminui-se a barreira física que retém as substâncias que se difundiram para o interior dos fios de cabelo com a lavagem. 

O pesquisador esclarece mais: quando se avalia a interação de uma substância que está deixando o cabelo e indo para a atmosfera, também é preciso levar em conta a água que está se perdendo na secagem do cabelo. 

Quando ele é lavado, fica bastante úmido. Então a fragrância é perdida ao longo do tempo e não está só deixando de interagir com o cabelo, mas também está interagindo com a água que está evaporando do cabelo e indo para a atmosfera. 

Ele aponta que isso significa que, quanto maior a interação dessa substância com a água que está evaporando, menor é a permanência na estrutura capilar. Isso porque essa substância é carreada para a atmosfera. Perdem-se as substâncias das fragrâncias que tiverem maior interação com a água. As que tiverem menor interação, ficam retidas.

Na literatura, está bem-estabelecido que o cabelo descolorido é uma fibra esburacada e que grande parte do material proteico é perdido com o processo de descoloração. “Contudo, ainda não se sabia sobre o desempenho das substâncias de fragrâncias com essa modificação”, destaca André.

EXPERIMENTOS

O químico realizou formulações de xampu, incluindo substâncias de fragrâncias bastante conhecidas e de interesse da indústria de fragrâncias. Foi deste modo que ele avaliou o perfil de liberação dessas substâncias após as mechas serem lavadas e permanecerem secando em condições de umidade e de temperatura controladas. 

Além de constatar que, quanto mais descolorido, mais o cabelo incorpora substâncias de fragrância, o pesquisador também observou que a retenção da substância é menor com o passar do tempo em cabelos descoloridos. A explicação é atribuída à danificação da estrutura capilar.  

O mestrando usou em seus experimentos matérias primas de fragrâncias como o linalol e o acetato de benzila – substâncias que estão em fragrâncias e de grande importância econômica, largamente presentes nas formulações de cosméticos. Ele monitorou a liberação dessas substâncias entre si e com mais outras três, buscando comparar a retenção delas em cabelo descolorido em relação ao virgem.

André avaliou a interação das substâncias em cabelos até seis horas após a secagem. Algumas, como o 2-metil-butanoato de etila e o mintonat, salienta ele, se perderam durante as primeiras horas. 

Os cabelos estudados eram cabelos padrões, comercializados por empresas especializadas, as quais fazem uma mistura de cabelos provenientes de até oito pessoas, para que se elimine a subjetividade genética da fibra, porém contendo as mesmas características de cor, etnia e curvatura. Essas empresas garantem inclusive que esse tipo de cabelo não tenha sofrido tratamento químico como descoloração, alisamento ou permanente.

O mestrando afirma que a fragrância é uma mistura de matérias primas que, além de produzir um cheiro agradável, tem como função permanecer mais na fibra do cabelo ou na pele. Quanto maior a sua permanência, mais duradouro será o perfume nos cabelos. 

Ele garante que a maior duração da fragrância está diretamente relacionada com a integridade da fibra capilar, pois serão liberadas para o ambiente mais lentamente. “Ficou claro que o cheiro vai durar mais no cabelo virgem”, reforça.

André Medice, autor da pesquisa, e amostras de cabelos usadas nos experimentos: em busca de formulações cosméticas mais eficazesFUNÇÃO 

As fragrâncias são o atrativo da formulação de um cosmético. O xampu, no caso, além de deixar o cabelo cheiroso e com aspecto de limpeza, também é usado para conferir odor agradável ao banho. É o que os especialistas classificam de blooming.

“Há fragrâncias que são para diferentes tipos de produtos e elas se distinguem em um xampu e em um condicionador”, revela André. Essa avaliação foi efetuada por ele de maneira técnica no estudo. “Não fiz essa avaliação pelo caráter dela, se era agradável ou não, mas sim pela sua estrutura química, suas propriedades físico-químicas e pela sua utilização na indústria de cosméticos.” 

As fragrâncias são escolhidas conforme o seu público-alvo. Logo, há um direcionamento da composição de matérias primas mais apreciadas pelo segmento das crianças, dos homens e das mulheres.  

O autor relata que o xampu é basicamente formado por surfactantes, que são os agentes detergentes que retiram a sujeira do couro cabeludo – gordura sobretudo; alguns conservantes; o cloreto de sódio (que confere maior viscosidade ao produto final); a água, que é o componente mais abundante (em 60% do produto); e a fragrância, que visa gerar o impacto sensorial desejado. 

André acrescenta que a quantidade de fragrância a ser aplicada deve estar em conformidade com o tipo de produto veiculado: se for um xampu ou um leave-on (condicionador que não necessita de enxague). Ressalva que todas as substâncias que aparecem no xampu, ainda que atrativas, possuem um potencial tóxico e devem cumprir a legislação para não causar danos ao ser humano.

APLICAÇÕES

O pesquisador sublinha que notou de maneira analítica e científica o que em geral se faz na indústria subjetivamente, mediante um painel de analistas. Nele, pessoas treinadas têm a missão de averiguar a intensidade do cheiro que permanece no cabelo após a lavagem. “Agora, esses dados técnicos e objetivos podem ser confrontados com os subjetivos.”

O estudo de mestrado de André começou sob a orientação da professora Inés Joekes no grupo de pesquisa “Físico-química aplicada”. Com o falecimento da docente, em 2013, ele buscou o grupo de pesquisa de Anita Marsaioli, professora do Departamento de Química Orgânica. 

“Primeiramente nosso objetivo era entender melhor o que é o cabelo, como base dos estudos. Quando iniciei o mestrado, a professora Inés exigia de nós, seus orientados, que fôssemos primorosos na parte científica e que só déssemos razão para um resultado cientificamente correto”, relembra o químico.

Por outro lado, ele também considerou de fundamental a orientação da professora Anita. “Tivemos um novo olhar para a pesquisa, dentro do mesmo tema, em fisico-química, graças à criatividade da professora e ao seu conhecimento em química orgânica”, pontua. 

Ele acredita que, com a colaboração da docente, conseguiu incorporar algumas técnicas de caracterização do cabelo, como a Ressonância Magnética Nuclear (RMN – técnica espectroscópica), e de caracterização de substâncias de fragrâncias com relação à sua polaridade. “Sem a visão dela, eu não teria acesso e nem interesse por essas técnicas. Vejo que as duas orientadoras atuaram complementarmente na minha formação acadêmica e no projeto de pesquisa.”

O conhecimento gerado no trabalho, conclui o mestrando, certamente ajudará a indústria a identificar as substâncias que melhor irão interagir com determinado tipo de cabelo. “Poderemos desenvolver formulações cosméticas mais eficazes que gerem um odor que perdure por mais tempo após as lavagens”, relata. “Esse conhecimento teria aplicações tanto na indústria de fragrâncias como na indústria de cosméticos.”

O trabalho de André foi financiado pela Symrise Aromas e Fragrâncias Ltda., empresa que foi prospectada por ele para desenvolver sua pesquisa. Esse estudo continuará na Symrise, e se espera que o conhecimento obtido leve a novas formulações de fragrâncias, visando, cada qual, um cabelo. “Esperamos que os cabelos de fato fiquem cheirosos por mais tempo”, realça.

Para a professora Anita Marsaioli, a pesquisa com retenção de fragrância em cabelo é comercialmente relevante porque gerou um maior conhecimento da interação de substâncias voláteis com o cabelo em seu estado virgem e descolorido com peróxido de hidrogênio. O estudo, afirma a docente, mostrou que a diferença na permanência de fragrâncias nos cabelos está ligada à modificação química e morfológica da estrutura capilar com a descoloração.

“Tal conhecimento poderá ser útil para desenvolver formulações de modo aos cabelos ficarem cheirosos por mais tempo, melhorando o desempenho de produtos cosméticos como xampus e condicionadores. Além disso, este trabalho trouxe informações importantes sobre a fibra capilar com a caracterização do cabelo descolorido quimicamente, utilizando para isso técnicas de sorção/dessorção de umidade e RMN”, salienta a docente.

 

Publicação

Dissertação: “Retenção de fragrâncias em cabelos caucasianos virgens e descoloridos”

Autor: André Luiz Affonso Medice Silva

Orientadora: Anita Jocelyne Marsaioli

Unidade: Instituto de Química (IQ)