Edição nº 639

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 28 de setembro de 2015 a 04 de outubro de 2015 – ANO 2015 – Nº 639

A rotina de enfermeiros numa
unidade de transplante de medula

Estudo da Fenf avalia carga de trabalho de profissionais

Juliana Bastoni da Silva (à direita), autora da tese, e a professora Maria Helena de Melo Lima, que participou da pesquisa: acompanhamento de 62 pacientesNos pacientes submetidos ao transplante de medula óssea, atualmente denominado transplante de células tronco-hematopoiédicas (TCTH), os eventos adversos representam ocorrência relevante e inerente ao tratamento. Esses eventos interferem no status clínico desses pacientes e, possivelmente, na demanda de assistência de enfermagem. Com o objetivo de avaliar a relação existente entre a ocorrência de eventos adversos nesses pacientes e a carga de trabalho de enfermagem, a doutoranda em enfermagem, Juliana Bastoni da Silva, desenvolveu, durante 16 meses, pesquisa junto a 62 pacientes submetidos a este procedimento na unidade de Transplante de Medula Óssea do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp, baseando-se na análise de seus prontuários. Contratada como enfermeira, ela ministra aulas em disciplinas da graduação da Faculdade de Enfermagem (Fenf) da Unicamp e supervisiona aulas práticas de alunos. Vídeo

Do trabalho resultou a tese “Eventos adversos e carga de trabalho de enfermagem em pacientes submetidos ao transplante de células-tronco hematopoiéticas: estudo de coorte”. Os pacientes do estudo foram acompanhados desde a sua internação até a alta ou eventual óbito. A tese, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem na Saúde do Adulto, da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP), foi orientada pela professora Sílvia Regina Secoli. O estudo fez parte de um projeto mais amplo, denominado Universal, financiado pelo CNPq, realizado em parceria entre os cursos de Enfermagem da USP/SP e Unicamp, em que contou com a participação da professora Maria Helena de Melo Lima.

A motivação da pesquisadora decorreu do fato de ela ter trabalhado no início de sua carreira profissional com pacientes onco-hematológicos, quando começou a interessar-se pelos eventos adversos que os acometem. No estudo ela se valeu do conceito apresentado pelo Instituto Americano do Câncer e, universalmente aceito, que considera eventos adversos quaisquer sintomas, sinais ou doenças desfavoráveis, como exames laboratoriais alterados, temporalmente associados a um tratamento ou procedimento médico. 

As causas desses eventos adversos nem sempre são passíveis de identificação. Mesmo porque, no caso de transplantes de medula óssea, em que os pacientes tomam diversos medicamentos diariamente (polifarmácia), podem ocorrer danos decorrentes das interações entre eles. A propósito do alcance do estudo ela diz: “Os profissionais de enfermagem percebem que esses pacientes, ao longo das fases do transplante de medula óssea, apresentam mudanças no estado clínico e isso interfere significativamente no cuidado de enfermagem”.

A pesquisa baseou-se nos dois tipos de transplantes de medula óssea: o autólogo, em que o paciente recebe enxerto dele mesmo, e o alogênico, quando o enxerto provém de um doador compatível. De um modo geral, em princípio, se esperaria que no paciente submetido ao transplante autólogo a evolução do quadro clínico fosse mais tranquila em relação aos que se submeteram ao transplante alogênico. Apesar de existir um documento do Ministério da Saúde que considera o paciente de TCTH autólogo como semi-intensivo e o alogênico como intensivo, na prática, isso nem sempre se verifica, como foi constatado na pesquisa. Em determinadas situações, os pacientes submetidos ao transplante autólogo enfrentam situações de extrema gravidade e o quadro de pessoal de enfermagem disponível pode não ser suficiente. Além disso, há carências de estudos de enfermeiros nesta especialidade, seja no cenário nacional ou internacional, fato que justificou a realização deste estudo.

Em face desse quadro, a autora adotou como objetivo geral do trabalho a avaliação da relação entre ocorrências de eventos adversos e a carga de trabalho de enfermagem demandada por pacientes de TCTH. Constituíram, ainda, seus objetivos específicos a identificação dos eventos adversos nos dois tipos de transplante; a descrição do número e da gravidade desses eventos nesses pacientes nas várias fases do tratamento – condicionamento, infusão e pós-transplante; a caracterização da carga do trabalho de enfermagem demandada por esses pacientes por meio do emprego do Nursing Activities Score (NAS). Ela considera que o estudo seja o primeiro a ser publicado acerca da carga de trabalho de enfermagem, que utiliza esse instrumento, em unidade de TCTH e que, além disso, se apresenta sob uma perspectiva ainda não estudada, o que configura seu ineditismo.

A pesquisa permitiu chegar ao número de horas de trabalho demandadas pelos pacientes de TCTH autólogo e alogênico e, a partir de dados reais, possibilita que gestores de enfermagem possam estimar com mais segurança o número de pessoal adequado para atendimento de pacientes das unidades de TCTH, deixando de tomar decisões como base um documento que nem sempre atende a essa realidade.

ABORDAGEM

A unidade de TCTH do HC da Unicamp, campo de estudo, dispõe de nove leitos, 10 enfermeiros, 19 técnicos de enfermagem, além de um enfermeiro diretor e um supervisor. Dos 62 pacientes, com média de 52 anos, acompanhados por meio da análise diária de dados dos prontuários, 24 deles tinham sido submetidos ao transplante autológo e 38 ao alogênico, sendo 53% do sexo masculino e 55% apresentavam pelo menos uma comorbidade, ou seja, outra doença além daquela que o levou ao transplante. O caráter prospectivo do estudo permitiu contato mais próximo da pesquisadora com as equipes de enfermagem e médica, o que possibilitou a obtenção de dados acurados.

A carga de trabalho de enfermagem, variável dependente, foi mensurada através do Nursing Activities Score (NAS), instrumento traduzido, validado e bastante utilizado em outras especialidades para medir carga de trabalho, mas ainda não empregado no atendimento aos pacientes de TCTH. Quando a pontuação determinada por esse instrumento ultrapassa 100%, a indicação é de que o paciente demandou mais de um profissional de enfermagem em 24 horas. Neste estudo, os dados indicaram que os pacientes submetidos ao TCTH autólogo e alogênico geraram NAS de 67,3% (16,1 horas) e 72,4% (17,4 horas), respectivamente.

Segundo portaria, de 2004, do Conselho Federal de Enfermagem, um paciente de assistência semi-intensiva demanda no mínimo 9,4 horas/dia, enquanto um paciente de assistência intensiva requisita 17,9 horas/dia, o que indica que pacientes de TCTH demandam horas de assistência de enfermagem próximas às de Unidade de Terapia Intensiva. Deste modo, pode-se concluir que pacientes de TCTH autólogo e alogênico exigem um número expressivo de horas na assistência de enfermagem.

Dentre as variáveis independentes destacam-se: a ocorrência e gravidade de eventos adversos, classificadas de acordo com o Common Terminology Criteria for Adverse Events (CTCAE) e o índice de gravidade (SAPS II). A utilização deste índice de gravidade mostrou que os pacientes autólogos e alogênicos atingiram aproximadamente 41 e 36 pontos, respectivamente, valores bastante similares aos apresentados por pacientes de UTI, o que evidencia a gravidade dos pacientes de transplante. A aplicação diária do NAS, associada a um índice de gravidade, forneceu dados que podem auxiliar na adequação do número de profissionais nas unidades de transplante. Além do que, o uso índice de gravidade (SAPS II) e de um escore de risco pré-TCTH contribuíram para a análise mais ampla da carga de trabalho requerida pelos pacientes autólogos e alogênicos.

A pesquisadora aponta ainda que a totalidade dos pacientes submetidos ao TCTH, independentemente do grupo, apresentou eventos adversos relativos às categorias (CTCAE) investigações laboratoriais (como função hepática e renal), nutrição e metabolismo, trato gastrointestinal (diarreia, náusea e vômito), sistema sanguíneo/linfático e vascular, os quais variaram quanto ao número e gravidade, durante o período de internação.

A análise estatística demostrou que pacientes que morreram durante a internação e aqueles que apresentaram eventos adversos de maior gravidade, relativos às investigações laboratoriais e às alterações vasculares, demandaram maior carga de trabalho de enfermagem.

Esses eventos, inerentes ao TCTH, nos pacientes gravemente enfermos e instáveis, demandam ação conjunta da equipe multiprofissional tanto no ajuste das doses dos medicamentos, como no monitoramento das alterações laboratoriais e de outros sinais e sintomas apresentados pelos pacientes. O paciente de TCTH pode apresentar alterações no exame físico, nos sinais vitais, como frequência respiratória, cardíaca, pressão arterial e são os enfermeiros e técnicos de enfermagem que os monitoram 24 horas por dia, à beira do leito.

ALCANCE

Para a autora, o trabalho mostra que o paciente de TCTH, em diversas situações, pode demandar assistência intensiva. Ademais, ele pode contribuir para a avaliação das reais demandas no atendimento e, consequentemente, para o melhor dimensionamento da equipe de enfermagem, uma vez que os instrumentos utilizados na pesquisa permitem também identificar os eventos adversos mais graves e mais recorrentes em cada uma das fases do TCTH, além da demanda diária de horas de assistência de enfermagem.

Ela enfatiza ainda que como não existem praticamente trabalhos científicos sobre o tema, na área de enfermagem, a pesquisa abre caminho para outros estudos a partir de uma série de elementos nela considerados.

Embora na unidade de TCTH do HC/Unicamp exista uma equipe de enfermagem quantitativa e qualitativamente adequada, essa situação, em geral, não corresponde à realidade do Brasil. Juliana enfatiza, entretanto: “Mas para garantia de uma assistência segura em TCTH é necessário que a relação pessoal de enfermagem/paciente considerada adequada seja preservada, ou seja, não seja alterada com deslocamentos de funcionários para outras unidades de internação que, por vezes e, por diversas razões, podem apresentar falta de recursos humanos”.

 

Publicação

Tese: “Eventos adversos e carga de trabalho de enfermagem em pacientes submetidos ao transplante de células-tronco hematopoiéticas: estudo de coorte”

Autora: Juliana Bastoni da Silva

Orientadora: Sílvia Regina Secoli (USP)

Pesquisadora participante: Maria Helena de Melo Lima

Unidade: Faculdade de Enfermagem (Fenf)

Financiamento: CNPq