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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 16 de novembro de 2015 a 29 de novembro de 2015 – ANO 2015 – Nº 644Estudos atestam potencial bioativo de frutas nativas
Uma linha de pesquisa desenvolvida na Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da Unicamp, em parceria com a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), busca identificar o potencial bioativo de frutas nativas brasileiras. Para tanto, o estudo analisou tanto a atividade antioxidante quanto a composição fenólica de cinco espécies frutíferas nativas. São elas: G. brasiliensis, E. leitonii, E. involucrata, E. brasiliensis e E. myrcianthes, popularmente conhecidas, respectivamente, como bacupari- mirim, araçá-piranga, cereja do Rio Grande, grumixama e ubajaí.
Os resultados já demonstraram grande potencial antioxidante das frutas nativas, o que evidencia um possível efeito positivo em sistemas biológicos. Nos ensaios realizados na FOP é possível afirmar, por exemplo, que os frutos grumixama, ubajaí e bacupari-mirim possuem também importante atividade anti-inflamatória.
Segundo o professor Pedro Luiz Rosalen, da Área de Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica da FOP, o diferencial da pesquisa está, justamente, em analisar a polpa, a semente, a casca e a folha de frutas muito conhecidas e até disponíveis para comercialização, mas nunca exploradas cientificamente. “Algumas, infelizmente, estão em processo de extinção”, lamenta o pesquisador, que contou no estudo com a parceria do professor Severino Matias de Alencar, do Departamento de Agroindústria, da Esalq.
Rosalen e Alencar atestam que as informações obtidas no estudo permitem recomendar o consumo frequente dessas frutas. Tanto por sua segurança como pelo elevado poder antioxidante e possíveis efeitos anti-inflamatórios demonstrados in vivo. “Nosso papel consiste em reforçar o consumo racional de frutas, estimulando a sua produção e impulsionando a economia”, afirma Rosalen.
De acordo com os pesquisadores, o Brasil possui uma imensa diversidade biológica, na qual muitos compostos bioativos poderiam ser encontrados e utilizados em benefício da sociedade. Os processos de degradação do meio ambiente e a introdução de espécies exóticas, no entanto, acabam contribuindo para que muitas plantas nativas permaneçam esquecidas. “Isto reflete, logicamente, na pequena quantidade de estudos sobre a composição química e o potencial biológico de espécies”, atesta o professor Rosalen.
Uma das primeiras motivações ao iniciar as investigações foi a de contribuir para se evitar o surgimento de doenças degenerativas e obter mais qualidade de vida a partir do consumo regular de frutas. A prevenção de doenças crônicas, entre as quais o diabetes, o estresse oxidativo e a osteoporose, é constantemente associada ao consumo de alimentos ricos em atividade antioxidantes de metabólitos secundários dos vegetais, principalmente, os fenólicos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda, inclusive, o consumo regular de frutas como elemento altamente benéfico para se evitar essas doenças.
PRÓXIMO PASSO
Uma vez demonstrada as atividades anti-inflamatória e antioxidante das frutas estudadas, os pesquisadores pretendem, num futuro próximo, desenvolver estudos que agreguem valor e, assim, tenham potencial de comercialização. “É nossa intenção caracterizá-las e tentar despertar o interesse agronômico para que elas se transformem em plantios comerciais, a exemplo do que ocorreu com o açaí, fruta hoje popularizada e encontrada até mesmo nos Estados Unidos”, destaca Severino Alencar.
Atualmente, as propriedades dos frutos permitem o uso como alimento funcional, na extração de corantes e para composição de cosméticos. O agronegócio do açaí é um exemplo desta vasta utilização, pois trouxe desenvolvimento especialmente para uma área em que não havia atividade comercial, as terras protegidas, beneficiando produtores nelas radicados. Eles não tinham fonte de sustento e, hoje, com a colheita do açaí e sua utilização industrial, as comunidades estão se beneficiando da atividade econômica. “Há 10 anos eles viviam em absoluta pobreza e, graças à descoberta das propriedades de uma planta exótica nativa brasileira, estão se mantendo na atividade. Não se tinha conhecimento algum, mas, com os estudos científicos, de repente, constatou-se que o açaí é importante fonte de compostos fenólicos, com atividades antioxidante, anti-inflamatória, antimicrobiana e corante”, explicam.
METODOLOGIA
Num primeiro momento da pesquisa, o professor Severino Alencar investigou as atividades antioxidantes das plantas. A partir daí, foram selecionadas três plantas com maior potencial e, uma delas, a grumixama, apresentou atividade anti-inflamatória significativa, equivalente ao controle positivo anti-inflamatório, que são as drogas. No quesito de atividade antioxidante, as três demonstraram quantidades significativas, mas a grumixama se destacou. No geral, as folhas apresentaram atividades antioxidante e anti-inflamatória bastante interessantes e muito semelhantes ou até superiores aos das frutas que são consumidas in natura.
Como as folhas não são ingeridas, uma sugestão é que o insumo possa ser misturado ao alimento. Isto seria interessante para a indústria de alimentos ou para a farmacêutica. “As pessoas não consomem o antioxidante na forma bruta, mas sim, em medicamentos, em cosméticos ou em produtos de higiene”, explica Rosalen. No caso da grumixama, ubajaí e bacupari, elas foram as que apresentaram ótimos resultados anti-inflamatórios, sendo que a maior concentração foi encontrada na polpa.
Para chegar aos resultados apresentados, foram utilizadas sete metodologias e em cada uma observou-se um aspecto diferente. Segundo Rosalen, é difícil determinar todas as propriedades das plantas, uma vez que a pesquisa é um processo de evolução. Entretanto, a partir do momento em que o conhecimento é gerado, novos produtos, publicações e informações para a sociedade vão surgindo.
O docente destacou ainda a importância de o fruto possuir capacidade antioxidante. “Normalmente nós temos muitas reações de oxidação em nosso corpo que causam o envelhecimento e fazem surgir doenças crônicas, tais como, diabetes, artrites e hipertensão, entre outras doenças”, argumenta. Todas elas envolvem um processo antioxidativo de morte celular. Isso significa que o organismo da pessoa, com o passar do tempo, vai perdendo a capacidade de neutralizar essas reações de oxidação e o fato de ingerir frutas, como é o recomendado pela OMS, evita uma série de doenças, como as já citadas.
É sabido que as frutas possuem compostos essenciais para a nutrição do ser humano. Quando se ingere uma fruta, o organismo está absorvendo vitaminas, óleos, oligoelementos e aminoácidos, que são importantes para uma dieta balanceada. Entretanto, as frutas que foram estudadas têm outros compostos, como os fenólicos, que não têm uma atividade dietética, mas protetora. Um alimento com essa característica de proteção, ou seja, a de conservar seu estado de saúde é chamado de alimento funcional, um dos grandes temas de pesquisas em todo mundo. “São alimentos que podem aumentar a qualidade de vida, não só nutrir, mas proteger. Por isso, queremos acrescentar valor comercial a essas frutas nativas. Provada a qualidade biológica, ela ganha status de alimento”, argumenta Rosalen.
COOPERAÇÃO
O trabalho de cooperação entre a FOP e Esalq teve início em 2003 com o principal objetivo de desenvolver pesquisas com própolis. O professor Severino Alencar busca identificar compostos químicos, produtos naturais e seu isolamento, enquanto o professor Pedro Rosalen avalia algumas de suas propriedades biológicas.
A pesquisa conta ainda com a participação dos pesquisadores Massararo Ikegaki, da Universidade Federal de Alfenas, Ramiro Murata, da Universidade Southern Califórnia, e Jonas Paschoal, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da USP. Participam também os alunos de pós-graduação Juliana Infante (Esalq/USP), Adna Massarioli (Esalq/USP), Jackeline Cintra Soares (Esalq/USP), Josy Goldoni Lazarini, Marcelo Franchin (FOP) e Carina Denny.
A Universidade de La Frontera, do Chile, também colabora no projeto, desenvolvendo uma linha de pesquisa em que estudam frutas e cogumelos comestíveis nativos do país. “Estamos fazendo troca de conhecimento. O convênio permitiu que recebêssemos recentemente a visita do professor Fernando Gonzalo Romero Nejía para estudos em nosso laboratório”, explica Rosalen. Este intercâmbio com o Chile também conta com apoio bilateral da Fapesp. Além disso, a agência de fomento também apoia o professor Severino Alencar com uma bolsa de auxílio pesquisa, para incrementar uma série de estudos com plantas de frutas nativas brasileiras. A Fapesp autorizou também duas bolsas de estudo, destinadas para orientandos de cada professor.
As plantas pesquisadas são oriundas de dois sítios localizados no interior de São Paulo: “Estância das Frutas” (Rio Claro) e “Frutas Raras” (Campina do Monte Alegre). As duas propriedades comercializam as plantas e têm, em seus objetivos, a preservação da coleção. O produtor de Campina do Monte Alegre possui a maior coleção de frutas nativas do Brasil, somando três mil mudas plantadas.