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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 16 de novembro de 2015 a 29 de novembro de 2015 – ANO 2015 – Nº 644Incertezas minimizadas
Estudo vencedor do Prêmio Capes usa métodos da Engenharia Antecipatória para delinear cenários futurosA ciência ainda não conseguiu desenvolver um método para prever o futuro. O amanhã ao amanhã pertence. Entretanto, estudos na área da Engenharia Antecipatória, que utilizam o suporte da chamada Inteligência Artificial (IA), já conseguem traçar tendências e delinear, com boa margem de êxito, cenários passíveis de serem concretizados mais à frente. Em sua tese de doutorado, defendida na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp, o cientista da computação Carlos Renato Belo Azevedo valeu-se dos recursos da Engenharia Antecipatória para projetar o comportamento do mercado financeiro. Ao buscar identificar decisões de compra e venda de ações que mantivessem abertas as opções futuras de um investidor fictício, a ferramenta aumentou a riqueza acumulada deste em cerca de 60%, mesmo sem ter sido programada explicitamente para maximizar os ganhos financeiros no longo prazo. O trabalho, que foi orientado pelo professor Fernando José Von Zuben, recebeu o Prêmio Capes de Tese 2015.
De acordo com Azevedo, a Engenharia Antecipatória procura integrar todo o conhecimento disponível acerca de um determinado tema, com o propósito de apontar possíveis cenários futuros. Assim, no caso do mercado financeiro, é importante que o modelo computacional seja alimentado com diferentes tipos de informação, como as oscilações dos papéis na bolsa, a movimentação das principais empresas do segmento e até o perfil do investidor, que pode ser mais ou menos afeito a correr riscos. “Dito de modo simplificado, nós buscamos informações no passado para traçar cenários futuros, que por sua vez guiarão as decisões do presente”, explica o autor da tese.
O princípio, conforme o pesquisador, é válido tanto para atender aos interesses de uma pessoa quanto de uma corporação. “Ao imaginarmos esses cenários futuros e as consequências que eles podem trazer para o ‘autor do pensamento’, o que se espera é que as decisões no presente sejam mais robustas e mais tolerantes às incertezas”, acrescenta. Com frequência, observa Azevedo, os modelos matemáticos empregados nesse tipo de exercício de predição procuram reduzir a complexidade do mundo.
Assim, a tradição é abastecer o programa somente com informações consideradas relevantes para solucionar um problema específico. “No meu trabalho, eu procurei ir além desse conceito. Obviamente, o sistema contempla modelos matemáticos e simulações computacionais. No entanto, eu também explorei no trabalho outras áreas do conhecimento. Li vários artigos sobre psicologia, sociologia, biologia, economia comportamental etc. Ou seja, adotei um caminho transdisciplinar, de modo a tornar a abordagem mais abrangente. É importante recorrer às mais variadas áreas do saber para constituir sistemas inteligentes que nos auxiliem a tomar as melhores decisões”, pondera.
Um cuidado que o cientista da computação procurou tomar em relação ao sistema que desenvolveu foi dotá-lo da capacidade de “aprender” com suas próprias ações e de preservar a flexibilidade em relação às opções que se apresentarão no futuro. Complicado de entender? Azevedo destrincha essa questão. “A ideia é a de não se comprometer rigidamente, durante o processo decisório, com um tipo de preferência. Desse modo, se o cenário delineado sofrer uma grande transformação, em razão de mudanças na conjuntura econômica, por exemplo, sempre haverá a chance de se alterar essa decisão para adequá-la ao novo momento. Dessa maneira, o investidor tem a alternativa de ser mais agressivo em situações favoráveis e mais conservador em ocasiões adversas”, detalha.
O pesquisador conta que validou a ferramenta no contexto do mercado financeiro, levando em consideração dados reais das bolsas de valores de Londres, Hong Kong e também do Índice Dow Jones da Bolsa de Nova York. Azevedo trabalhou, ainda, com mercados simulados. “As duas abordagens foram importantes porque elas permitiram que o sistema analisasse tanto mercados cujos papeis apresentam grande variabilidade, quanto mercados mais estáveis, nos quais os cenários são mais fáceis de serem capturados”.
O autor da tese diz que foi possível constatar, a partir desse procedimento, que nos mercados nos quais os níveis de previsibilidade são muito baixos, a tentativa de extrapolar as informações para identificar tendências mais atrapalha que ajuda. “Nesse caso, o sistema normalmente é afetado por muitos ‘ruídos’”, informa. Quanto aos mercados nos quais as tendências são mais previsíveis, continua Azevedo, foi possível notar que certos subconjuntos de papéis de investimento, quando combinados, apresentam um padrão de comportamento que permite aumentar a previsibilidade de longo prazo.
Mas se um dos princípios da metodologia adotada pelo autor da tese é aprender com o passado para delinear o futuro, até que ponto é recomendável regredir para poder vislumbrar o que está por vir? O cientista da computação afirma que esta definição vai depender do comportamento do mercado analisado. Se ele muda com grande velocidade, é indicado dar maior peso aos dados mais recentes. “Se o mercado não varia tanto, vale a pena regredir um pouco mais e aproveitar informações mais antigas. É preciso calibrar o modelo para encontrar o ponto ótimo. Tanto numa situação quanto noutra, o importante é tornar o sistema flexível, de modo a tornar as decisões igualmente flexíveis”, reafirma.
Embora tenha sido validado no âmbito do mercado financeiro, o sistema desenvolvido por Azevedo pode ser aplicado a outros segmentos. Aproveitando um exemplo fornecido pela reportagem, acerca das incertezas geradas pelo processo de mudanças climáticas globais, o autor da tese entende que a ferramenta poderia de fato ser útil, por exemplo, na tomada de decisões referentes ao futuro de um setor do agronegócio. “É sabido que existem posições conflitantes sobre o tema. Qual cenário traçado pelos cientistas vai se concretizar? Ou será que nenhum deles vai se confirmar? Embora ainda não seja possível prever o futuro, por meio da Engenharia Antecipatória nós poderíamos usar os dados disponíveis, mesmo que sejam incompatíveis entre si, para traçar um plano de ação cauteloso para minimizar um eventual impacto na produção de alimentos”, assegura.
Para Azevedo, o fato de a sua tese de doutoramento ter sido contemplada com o Prêmio Capes (Área de Engenharias IV) representa um reconhecimento importante ao seu trabalho. “Ao mesmo tempo, a premiação aumenta a minha responsabilidade de continuar produzindo pesquisas de elevada qualidade. É importante registrar que uma pesquisa como esta não é feita por uma pessoa apenas. Eu tive a sorte de contar com a orientação do professor Von Zuben e com a colaboração e incentivo de diversos professores e colegas da pós-graduação. Devo admitir que fiquei surpreso com o prêmio, mas muito satisfeito por perceber que um trabalho com viés multidisciplinar foi contemplado na área de engenharia”.
A mensagem que a tese tenta passar, completa Azevedo, é de que é importante continuar realizando pesquisas relacionadas à inteligência humana. “Nós não sabemos ao certo o que é a inteligência, embora existam várias definições a respeito. Ao estudar esse tema de forma holística, com a mente aberta, acredito que tenha dado uma pequena contribuição nesse sentido. Uma área do conhecimento não é capaz de dar conta, sozinha, de um tema tão complexo como o comportamento antecipatório. Eu trago a minha visão a respeito do assunto. Outras certamente virão, de modo a enriquecer o nosso entendimento sobre ele”, pontua o cientista da computação, que contou com bolsa de estudo concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Publicação
Tese: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC)
Autor: Carlos Renato Belo Azevedo
Orientador: Fernando José Von Zuben
Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC)
Financiamento: Fapesp e CNPq