Edição nº 649

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 11 de março de 2016 a 20 de março de 2016 – ANO 2016 – Nº 649

Matemática avalia ação de
praga que infesta laranjais

Modelo desenvolvido na FEEC analisa impacto do “Amarelão”,
doença que mais atinge citricultura do país

Um modelo matemático desenvolvido na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp pode ajudar os agricultores numa melhor avaliação do impacto de uma praga que vem assolando as lavouras de citricultura do país: a doença Huanglongbing (HLB), mais conhecida como “Amarelão” ou Greening. Ainda sem cura, a praga causada por bactérias tem sido a mais devastadora dos laranjais de São Paulo, o principal produtor mundial de suco de laranja, ao lado do Estado da Flórida, nos Estados Unidos.

No final de 2013 produtores brasileiros arrancaram quase 22 milhões de pés de laranja para combater a doença. O melhor tratamento para o HBL, que também atinge plantações de limões, tangerinas, limas e pomelos, é a eliminação de plantas contaminadas e o controle do vetor, o psilídeo (Diaphorina citri), um inseto de três a quatro milímetros de comprimento.

Considerando fatores como produtividade, idade da planta e estado epidemiológico, o modelo desenvolvido na Unicamp fornece informações importantes de como a praga se comporta e se dispersa ao longo do tempo. O modelo foi desenvolvido pela matemática Ana Paula Diniz Marques como parte de sua dissertação de mestrado defendida junto ao Programa de Pós-Graduação da FEEC. O trabalho foi orientado pelo docente Takaaki Ohishi, que atua no Departamento de Energia e Sistemas da Unidade.

“Nos últimos anos houve uma crise muito forte no setor citrícola ocasionada pelos custos altos da produção, preços baixos pagos aos produtores, falta de alternativas para escoar a produção e o aumento da incidência da doença. Por conta disso, muitos produtores já abandonaram as lavouras de citros. Portanto, um dos nossos objetivos foi desenvolver um modelo para tentar colaborar na avaliação de suas lavouras, já que a praga não tem cura e apresenta como alternativa a remoção da planta infectada”, relata Ana Paula Diniz Marques.

Ela conta que o trabalho observa a dispersão da doença em um pomar infectado e como se dá a entrada dos vetores. “O modelo desenvolvido simula e aponta, de acordo com certa situação do pomar, uma estimativa, se, por exemplo, o lucro do produtor vai ser muito baixo em longo prazo. Ou se a produtividade em certo ano é muito baixa, mas no ano seguinte é alta. Na verdade é uma análise de diversos cenários do pomar relacionados ao HLB e um feedback ao produtor”, esclarece.

Ainda de acordo com a autora do trabalho, a partir do modelo desenvolvido podem ser confirmadas algumas orientações que ajudariam o produtor no melhor manejo das lavouras infectadas. Estas orientações são preconizadas pela Instrução Normativa nº 53 (IN53) publicada em 2008 pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). A instrução recomenda a realização da inspeção em um pomar citrícola a cada três meses e a remoção das plantas detectadas sintomáticas ao HLB.

A pesquisadora Ana Paula acrescenta para a importância do manejo contínuo de pomares vizinhos já que pode ocorrer uma invasão de psilídeos de outras plantações. “Mesmo para um pomar que possua manejo de remoção de plantas sintomáticas, percebe-se a grande importância do controle dos psilídeos advindos de fontes externas, aliada a uma melhor eficácia humana para a detecção de plantas que apresentam os sintomas do HLB. Isso resultou em uma incidência mais baixa do HLB no pomar. Segundo a literatura, 47% das plantas que são sintomáticas ao HLB são detectadas pelos produtores.”

Além disso, Ana Paula atenta para importância de se avaliar a idade da planta. Neste ponto, o orientador do estudo explica que este aspecto tem uma contribuição expressiva sobre a incidência da doença. Isso acontece, de acordo com ele, porque o psilídeo se reproduz nas brotações das plantas, fase que ocorre de modo mais intenso nas árvores mais novas.

“Quando a planta está mais velha, ela já não tem muito broto. As portas de entrada para a doença são os brotos. Portanto, se uma planta já está com 10 anos e só foi infectada no décimo ano, o impacto dessa infecção é bem menor do que em uma planta de dois anos, por exemplo. Quanto mais jovem o pomar é infectado, pior é a consequência para a vida produtiva da planta”, exemplifica o professor Takaaki Ohishi.

Outro aspecto relevante indicado pela pesquisa está relacionado ao replantio das plantas para substituir aquelas que foram arrancadas por conta da doença. Levando em conta o fator da idade para o desenvolvimento da doença, Ana Paula explica que a melhor opção, observada nos resultados do estudo, é fazer o replantio com plantas de idade superior a um ano já que apresentam um menor número de brotações. Na pesquisa, ela analisou o replantio com plantas de três anos de idade. De acordo com a estudiosa, este tipo de procedimento não é verificado na prática dos agricultores.

“Pela simulação, comparando-se quando é realizado o replantio entre árvores de um ano e de três anos, a produção é maior quando ocorre o replantio com árvores de três anos. Em relação à incidência da doença também foi notada uma leve diminuição nos valores para o cenário em que o replantio ocorre com plantas de três anos.”

De modo geral, conforme a pesquisadora da FEEC, a prática do manejo sanitário, estabelecido pelo MAPA, possibilita a maior produtividade do pomar e consequentemente uma maior lucratividade em longo prazo, perante um pomar sem manejo. “Pelo modelo de simulação, nós percebemos também o quão importante é a eficácia humana na detecção dos sintomas do HLB”, pontua.

Impacto

O HBL está entre as doenças e pragas mais destrutivas da citricultura mundial, conforme a pesquisadora da FEEC. Um dos principais sintomas da doença, identificada em 1919 na China, é o aparecimento de ramos com folhas amareladas e curvadas. Como consequência os frutos apresentam tamanhos reduzidos e assimétricos. Em alguns casos, a árvore para de produzir frutos. Três espécies de bactérias, conhecidas como Candidatus Liberibacter (Ca.L.) asiaticus, Ca. L. africanus e Ca. L. americanus, têm sido associadas ao HLB, conforme Ana Paula.

“Há que se considerar o impacto da doença para a citricultura brasileira, que desempenha um papel de grande importância para a agroindústria do país”, ressalta a autora do estudo. Dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), citados na pesquisa, apontam que o Brasil é responsável por 60% da produção mundial de suco de laranja. Em 2013, o país produziu aproximadamente 18 milhões de toneladas de laranja, cerca de 30% da safra mundial. Em segundo lugar vêm os Estados Unidos com a produção de oito milhões de toneladas de laranjas. Neste cenário, os Estados de São Paulo e da Flórida dominam a oferta mundial de citros.

Metodologia

A simulação proposta pelo estudo de Ana Paula utiliza Modelos Baseados em Indivíduos (MBI), uma das melhores alternativas metodológicas para descrever e analisar as características de cada planta de citros, de acordo com ela. Os modelos baseados nos indivíduos são bastante flexíveis, pois permitem o uso detalhado de parâmetros com maior significado biológico, sendo, portanto, mais realistas do que modelos populacionais clássicos, justifica a pesquisadora. Duas características importantes de seu estudo foram analisar a idade das plantas e simular um pomar com a dinâmica de invasão do inseto vetor, aspectos poucos explorados em trabalhos similares.

A pesquisa foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). O trabalho contou com a colaboração da pesquisadora Sônia Ternes, da Embrapa Informática Agropecuária, que foi orientadora de Ana Paula durante sua pesquisa de iniciação científica na graduação. O modelo desenvolvido ainda não apresenta uma interface gráfica voltada para o uso do sistema de simulação.

Publicação

Dissertação: “Um modelo de simulação da dinâmica de dispersão do Huanglongbing (HLB) em um pomar de citros”
Autora: Ana Paula Diniz Marques
Orientador: Takaaki Ohishi
Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC)
Financiamento: Capes e CNPq