Edição nº 649

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 11 de março de 2016 a 20 de março de 2016 – ANO 2016 – Nº 649

Resistência real no mundo virtual

Coletivo adota plataforma digital para discutir
questões agrárias e ambientais

Semente, semeia, teia... Sementeia é o nome da plataforma digital multimídia – www.sementeia.org – criada por pesquisadores de distintas unidades da Unicamp para abrigar conteúdos desenvolvidos dentro da concepção de livre produção e circulação de materiais audiovisuais, textos e imagens. A produção colaborativa do grupo com seus parceiros, sobre grandes temas relacionados a propostas de mudança e ações de resistência no campo e na cidade, já rendeu as primeiras semeaduras, com audiovisuais abordando questões como trabalho rural, movimentos camponeses, agroecologia, economia solidária, comunicação popular e mídia-livre.

A Sementeia acaba de ser premiada pelo Ministério da Cultura (MinC), através da chamada de Pontos de Mídia Livre, com o projeto “Multimídia, Educação e Resistências em plataforma virtual” – o que representou um aporte de R$ 40 mil para suas atividades. Atualmente, o coletivo é composto por pesquisadores do Laboratório Terra Mãe, Grupo de Análise de Política de Inovação, Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) e por ativistas dos movimentos de luta pela terra (Assentamento Milton Santos) e pela internet livre (Coletivo Saravá e Coletivo Mídia Livre Vai Jão); e, ainda, por colegas da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Márcia Maria Tait Lima, jornalista científica com mestrado e doutorado no Instituto de Geociências (IG), conta que o projeto começou a ser construído em 2013, por iniciativa de professores e pós-graduandos da disciplina “Meio ambiente, questões agrárias e multimeios”, do Laboratório Terra Mãe, que é ligado à Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), ao Núcleo de Pesquisas Ambientais (Nepam) e ao Instituto de Artes (IA). “Em multimeios, o foco estava no audiovisual como ferramenta para documentar e discutir questões agrárias e ambientais. Um problema levantado pelos participantes diz respeito à circulação, distribuição e articulação desses audiovisuais, que se encontram dispersos e ainda indisponíveis. Daí a ideia de criar este espaço, a fim de disponibilizar e articular os vídeos de forma pedagógica, visando ao uso em salas de aula, a reflexões críticas, etc.”

Segundo Márcia Tait, recursos da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Preac) possibilitaram a contratação de bolsistas para criar o visual e a concepção do site e, a partir de reuniões sucessivas, formou-se um coletivo gestor. “A denominação ‘sementeia’ veio do foco de pesquisa e de extensão de alguns dos responsáveis e participantes da disciplina (agroecologia, questões agrárias e ambientais, temas que remetem à questão da ‘semente’), à ideia de ‘semear’ através de um coletivo articulado e de ‘teia’ enquanto rede. Os pesquisadores e estudantes envolvidos têm vocação para a pesquisa-ação (extensão), com ações e artigos publicados em parceria com o Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] e o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], e oferecendo formação junto a comunidades, como de capacitação para o audiovisual.”

Diego Riquelme, doutor em cinema documentário e pesquisador do Laboratório Terra Mãe, lembra que houve toda uma discussão reflexiva sobre o que o grupo poderia produzir no âmbito da Unicamp e, ao mesmo tempo, agregar pessoas de fora da Universidade. “Trabalhar com os alunos e também com as comunidades é uma preocupação que surgiu quando saímos a campo para pesquisar, registrar e filmar fatos de interesse, constatando depois que esse material, na maioria das vezes, não é divulgado. Procuramos sustentar este processo no nosso laboratório e dentro da Sementeia, o que tem sido muito produtivo. O projeto está ganhando uma dimensão que nos surpreendeu.”

A cientista social Janaína Welle possui mestrado em antropologia visual na Universidade de Barcelona e acaba de concluir o mestrado em multimeios no IA, com o trabalho intitulado “Documentário e meio ambiente no Brasil: uma proposta de leitura ecologizante”. “Quis entrar no coletivo Sementeia para colaborar tanto na parte de informação como de produção de audiovisuais ligados a questão agrária e ambiente. Um projeto como este, que oferece uma disciplina de pós-graduação e também um curso de extensão, é uma boa maneira de integrar saberes entre universidade e comunidade. Assim como o coletivo gestor, criamos um coletivo de professores de diversas áreas e institutos da Unicamp, numa estrutura articulada e multidisciplinar.”

Kellen Junqueira, pesquisadora do Terra Mãe e atuante em sociologia e extensão rural, aponta a existência de grande demanda na área por uma articulação e disponibilização de audiovisuais, viabilizando-se diferentes formas de divulgação. “O curso foi de formação tanto de pesquisadores como de pessoas das comunidades externas e movimentos sociais. A maioria dessas pessoas já estava na militância e pôde registrar projetos de pesquisa e de extensão desenvolvidos fora da Universidade – esses documentários foram validados pelas comunidades e agora estamos plantando as sementes, ou seja, divulgando na plataforma os projetos já finalizados.”

A jornalista Márcia Tait explica que os grandes temas do site estão divididos em categorias, como saúde/alimentação, rural/camponês, urbano/cidades, mídia livre e gênero/identidade. “Identificamos potenciais coletivos que também produzam vídeos ligados a essas temáticas e publicamos na Sementeia. São duas frentes de ação: a oferta de uma disciplina articulada à plataforma, que é bastante interessante enquanto formação, convidando profissionais e cineastas de fora da academia para vir falar sobre sua militância e produção; e o processo de coleta de vídeos de parceiros dispostos a articular e divulgar esses conteúdos de maneira mais ampla.”

Esta participação externa, como salienta Kellen Junqueira, se dá através do curso de extensão gratuito, formalizado pela Extecamp e oferecido em paralelo à disciplina de pós-graduação ‘Meio ambiente, questões agrárias e multimeios’. “Além do curso, desenvolvemos outras ações junto a comunidades, a exemplo da oficina finalizada no semestre passado com agricultores familiares de uma cooperativa de Americana; e de um curso de vídeo, em andamento, para jovens assentados da região de Promissão, onde vivem cerca de 300 famílias – e que acontece em parceria com a Unesp de Marília, que nos convidou para integrar o projeto.”

Impacto do prêmio

Em relação ao prêmio do MinC, Márcia Tait afirma que o impacto não veio no sentido de envaidecer, mas de se perceber que existe realmente uma demanda enorme por esse tipo de iniciativa, não apenas no Brasil, mas também no exterior. “No doutorado convivi com mulheres camponesas que acharam bastante interessante esta ideia de recorrer a audiovisuais para que os movimentos sociais mostrem suas causas, por se tratar de uma linguagem mais acessível e por despertar o tema da democratização da rede e outros não veiculados na mídia convencional. O prêmio reflete ainda a visão de quem avaliou nosso projeto, elegendo-o como relevante.”

Kellen Junqueira lembra que o propósito inicial da Sementeia vem mudando com as experiências e reflexões decorrentes das frentes de ação do coletivo, e que mesmo a utilização de um software livre não era o foco inicial, para depois ser avaliado como fundamental, em função das discussões políticas que grupos como o Vai Jão trouxeram. “A ideia era criar outra linguagem para produções acadêmicas. Quando se vai apresentar uma tese em audiovisual, é preciso repensar o trabalho. Temos estimulado as pessoas a fazerem este exercício: ao invés de reproduzir a tese em vídeo, adotar a perspectiva da comunicação, da integração e do diálogo com a comunidade, repensando a linguagem utilizada tradicionalmente na universidade.” 

Ainda sobre este propósito, Diego Riquelme observa que quando um estudante ou um pesquisador se propõe a produzir um audiovisual, deve refletir sobre o que é possível mostrar em dez ou quinze minutos. “O curso pretende demonstrar ao aluno que, muitas vezes, a sua pesquisa pode, sim, ter o suporte do audiovisual para melhor divulgá-la através da internet, ao invés de ficar engavetada. E a universidade, em minha opinião, deve disponibilizar todas as ferramentas possíveis para isso.”
 



Coletivo Gestor Sementeia

Kellen Junqueira – Pesquisadora Laboratório TerraMãe/Feagri/Unicamp
Diego Riquelme – Pesquisador Laboratório TerraMãe/Nepam/Unicamp
Márcia Tait – Jornalista, doutora pelo Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT/IG) e professora participante do Mestrado em Divulgação Científica e Cultural (MDCC/Labjor/Unicamp)
Marcelo Vaz Pupo – Educador e estudante doutorado da Faculdade de Educação (FE)
Luciana Henrique da Silva – Docente da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e Grupo de Comunicação do Assentamento Milton Santos
Hugo Melo – Coletivo Saravá
Janaína Welle – Mestra em multimeios pelo Instituto de Artes (IA) e em antropologia visual pela Universidade de Barcelona
Phillipe Assumpção Cesar – Estudante da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), bolsista SAE
Vanessa Santarosa – Estudante do Instituto de Biologia (IB), bolsista SAE
Bruno Lacerra – Mestre em desenvolvimento territorial na América Latina e Caribe pela Unesp

Apoio

Antonio Carlos Rodrigues de Amorim – Faculdade de Educação (FE)
Josely Rimoly – Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA)

Fotos 

Alexandre P. Macedo e João Correia Filho