Edição nº 659

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 13 de junho de 2016 a 19 de junho de 2016 – ANO 2016 – Nº 659

Voos impulsionados pela ciência

Pesquisas da FT com drones abrem novas
possibilidades para o uso dos equipamentos

Os Veículos Aéreos Não Tripulados (VANTs), mais conhecidos como drones, são temas de duas linhas de pesquisa desenvolvidas na Faculdade de Tecnologia (FT) da Unicamp, localizada em Limeira (SP). Uma equipe coordenada pela professora Eloisa Dezen-Kempter tem utilizado o equipamento para fazer o reconhecimento fotográfico de edificações históricas, com vistas a ações de preservação ou restauração. Já o grupo orientado pela professora Talia Simões dos Santos, responsável pelo Laboratório de Sistemas Embarcados, desenvolve um sistema com capacidade de fazer com que os veículos realizem voos autônomos. Embora independentes, os estudos tendem a se complementar futuramente.

A professora Eloisa explica que a pesquisa realizada pelo seu grupo se insere nas áreas de arquitetura e engenharia civil. As bases para as investigações foram trazidas por ela dos Estados Unidos, onde realizou o pós-doutorado na University of Southern Califórnia. Na FT, os pesquisadores utilizam tecnologias híbridas – drones e scanners 3 D – para elaborar a documentação de edifícios históricos, de modo a oferecer subsídios para ações de preservação e/ou restauração desses bens. Nesse sentido, são consideradas informações referentes tanto ao passado (fotografias, plantas, dossiês etc) quanto ao presente (estado atual).

Em relação ao presente, o trabalho consiste na captura da realidade da edificação. “Nós fazemos isso combinando duas tecnologias. Utilizamos um equipamento de escaneamento a laser 3D, que nos foi emprestado pela empresa Faro Technologies do Brasil. O scanner faz, com o auxílio de um feixe óptico a laser e uma câmera fotográfica, a varredura da situação as-is [situação atual] do edifício. Também usamos um drone que cobre os pontos que não podem ser atingidos pela varredura a laser, por causa de um eventual obstáculo”, detalha a docente. Segundo ela, o scanner gera uma nuvem de pontos extremamente densa, que dá origem a um modelo tridimensional do bem histórico. Com isso, os pesquisadores obtêm dados detalhados sobre a geometria do prédio, muito mais precisos do que se as medições fossem feitas manualmente. Já as fotografias realizadas pelo drone complementam essas informações

Como o scanner 3 D tem um custo muito alto – em torno de US$ 100 mil -, o objetivo dos cientistas da FT é substituir essa tecnologia pelo VANT, que custa dez vezes menos. “Nesse caso, para elaborar uma documentação tridimensional do edifício, precisamos gerar fotografias que tenham sobreposições mínimas de 70%. Essas imagens são trabalhadas através de softwares de restituição fotogramétrica que usam algoritmos para detectar os pixels correspondentes ao mesmo ponto, gerando uma malha tridimensional do objeto, a exemplo do que faz o scanner a laser. Essa informação em 3 D é muito importante, visto que precisamos de dados fidedignos sobre o edifício para orientar eventuais projetos de preservação e/ou restauro”, reforça a professora Eloisa.

Embora o trabalho possa parecer simples ao primeiro olhar, a docente assegura que, na prática, não é bem assim. É que o equipamento utilizado na pesquisa da FT é um drone comercial, o mesmo que qualquer pessoa pode comprar em lojas de itens de aeromodelismo ou pela internet. Portanto, não tem capacidade para carregar muito peso. “Não dá para acoplar, por exemplo, uma câmera fotográfica profissional a esse tipo de veículo. No nosso caso, nós usamos uma câmera mais simples, tipo olho de peixe, que registra imagens mais abertas. Isso gera algumas distorções na malha, o que nos obriga a retificar todas as imagens. Se não fizermos essa correção, há o risco de gerarmos distorções no modelo tridimensional do prédio”, detalha.

A pesquisa coordenada pela professora Eloisa está sendo validada com um estudo em torno do Edifício Prada, construído em 1939 e que por décadas abrigou uma fábrica de chapéus de mesmo nome. Atualmente, o prédio, que é tombado pelo órgão responsável pela preservação do patrimônio histórico local, sedia a Prefeitura de Limeira. O projeto é financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Estamos fazendo todo o levantamento da geometria e da documentação histórica da edificação com vistas à elaboração de seu modelo tridimensional”, adianta a especialista.

Esse modelo, prossegue a docente, será posteriormente trabalhado com a ferramenta BIM [Building Information Modeling], que permite a inserção de diferentes informações (fotos, textos etc) nos componentes modelados do edifício. “Esse é um grande desafio, pois atualmente os dados sobre o Edifício Prada, como plantas, dossiês do tombamento etc, estão todos dispersos. O nosso propósito é reunir todos eles numa plataforma única, justamente para facilitar qualquer iniciativa de preservação ou restauração”. A pesquisadora revela que, atualmente, o trabalho está na fase de promover a consolidação das informações. “Temos o arquivo com as nuvens de pontos e o arquivo da malha tridimensional gerada a partir das fotografias. Agora, precisamos proceder à união desses arquivos em formatos diferentes para gerar um modelo único”, diz.

Voo autônomo
A pesquisa com drones desenvolvida pelo grupo coordenado pela professora Talia teve origem em um trabalho de iniciação científica realizado pelo aluno de graduação Bruno de Souza Conrado, com a colaboração do engenheiro Rodrigo Luiz Ximenes, funcionário da FT. O objetivo do estudo, que tem previsão de término para julho de 2016, é tornar o VANT capaz de realizar voos autônomos. Atualmente, os veículos convencionais são operados a distância, com o auxílio de um joystick, ou programados para cumprir uma trajetória pré-definida, orientada por GPS.

A ideia é aproveitar a experiência que a equipe já tem na área de sistemas embarcados. Os pesquisadores da FT participam há vários anos, por exemplo, de uma competição de carros inteligentes, denominada Freescale Cup Brasil, por meio da qual representaram o Brasil em um campeonato internacional na Coreia do Sul em 2014. Nesse caso, os veículos, que são dotados de sensores específicos, se movimentam seguindo uma linha demarcada na pista. “O que pensamos foi: se podemos fazer isso com um carro, por que não com um drone? O nosso maior desafio tem sido garantir que o veículo mantenha a estabilidade durante o voo. Como o drone opera com quatro motores, temos que programar, via computador, para que eles funcionem de forma sincronizada. Já fizemos o teste com um dos motores. Agora, vamos testar os quatro juntos”, relata Bruno Conrado.

Rodrigo Ximenes explica que os drones comerciais têm um sistema fechado, o que impede que detalhes sobre o seu funcionamento sejam conhecidos. “Nossa proposta é construir um sistema aberto, para que o veículo possa captar e seguir a linha demarcada no solo a determinada altitude. Estamos criando o nosso próprio algoritmo de estabilização, visto que o drone pode enfrentar vários distúrbios durante o seu deslocamento, como os provocados pelo vento. Feito isso, a nossa expectativa é que o VANT possa voar autonomamente tanto em ambiente outdoor quanto indoor. Atualmente, o equipamento convencional não opera em locais fechados porque tem dificuldade para captar sinais de GPS”, pormenoriza.

Dotar drones com a capacidade de realizar voos autônomos, de acordo com os pesquisadores, poderá ampliar o leque de aplicação dessa tecnologia. Por hipótese, os equipamentos poderão realizar voos coletivos, o que atualmente é muito difícil, por causa do risco de colisões. “Nesse caso, os drones poderiam ser utilizados em ambiente interno, para conferir o estoque de um grande centro atacadista”, infere Bruno Conrado. “Ou para fazer a inspeção da rede aérea de eletricidade, o que é feito atualmente com o auxílio de helicóptero, solução que encarece demais a operação”, acrescenta Rodrigo Ximenes.

Segundo a professora Talia, certamente novas pesquisas serão desenvolvidas pelo grupo para buscar essas e outras aplicações para o drone autônomo. Uma delas pode ter conexão com o trabalho realizado pela professora Eloisa. “A possibilidade de promover o voo indoor de drones é muito interessante, pois isso facilitaria a captação do perfil geométrico do interior das edificações, tanto para aquelas que precisam ser preservadas quanto das que necessitam passar por algum tipo de restauro ou reforma”, antevê a docente.

Outra contribuição que a pesquisa pode dar, assinala Rodrigo Ximenes, é quanto ao fornecimento de subsídios para a regulamentação do uso de drones, o que ainda não ocorre no Brasil. “A principal questão, a nosso ver, é a garantia da segurança das pessoas que estão próximas à área de deslocamento dos equipamentos. Acredito que o nosso estudo em torno da estabilização de voo pode contribuir para avançarmos em relação a uma legislação específica para o uso dessa tecnologia. Vale lembrar que o preço dos drones caiu muito nos últimos anos, o que fez com que muitas pessoas tivessem acesso a eles. A ampliação da frota desses veículos tem trazido problemas em vários países. No Japão, por exemplo, a polícia tem usado drones para capturar, com o ajuda de uma rede, outros drones que operam de forma irregular”.