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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 17 de junho de 2016 a 26 de junho de 2016 – ANO 2016 – Nº 660Estudo investiga conexões
na ressonância magnética
Métricas baseadas na teoria de grafosfundamentam tese defendida no IFGW
Uma das ferramentas mais usadas na pesquisa de neurociência é ressonância magnética funcional (fMRI, na sigla em inglês), que permite acompanhar o fluxo de sangue no interior do cérebro, correlacionando-o à intensidade da atividade em diferentes regiões do órgão. No entanto, a interpretação correta dos dados gerados pela ressonância magnética requer a aplicação cuidadosa de modelos teóricos, estatísticos e de métricas, sob pena de se gerarem conclusões espúrias: em 2009, um artigo científico, elaborado como paródia, chamou atenção para os riscos de abuso dos métodos estatísticos, ao apresentar resultados “positivos” obtidos com a fMRI do cérebro de um salmão morto.
A tese de doutorado “Investigação do uso de métricas aplicadas a dados de fMRI para a análise da dinâmica cerebral” testa o uso de métricas baseadas na teoria de grafos – que analisam características estruturais de redes, como o número de nodos e conexões – para a interpretação de dados de fMRI do cérebro humano em repouso e durante a realização de uma tarefa relacionada à linguagem. A tese foi defendida por Luis Carlos Tapia Herrera no Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp.
“Com a ressonância funcional você adquire uma certa quantidade de imagens em tempo quase real e faz o que eu chamaria de uma análise primária, em que se detecta onde estão as áreas ativadas: na verdade é uma análise estatística em que você tenta encontrar quais áreas estão correlacionadas com o experimento realizado”, disse a orientadora da tese, Gabriela Castellano. “A análise principal com que o Luis trabalhou é uma análise secundária, em que se tenta entender como as áreas estão relacionadas entre si. Ele usou uma abordagem diferente para analisar essa conectividade, a teoria de grafos”.
Cada um dos pontos, ou nodos, das redes delineadas na tese representa uma área anatômica do cérebro, e as linhas, ou arestas, entre os nodos representam relações entre diferentes áreas. “Quando tem uma linha que liga duas áreas, estamos dizendo que essas duas áreas do cérebro têm comunicação. Mas essa comunicação, de fato, nada mais é que uma correlação: o quanto é parecida a atividade daquelas regiões ao longo do tempo”, prosseguiu a orientadora. “Se essa atividade é semelhante, num grau acima de um limiar, considera-se que as duas áreas estão conectadas. Se estiver abaixo de um limiar, considera-se que não estão conectadas”.
Repouso e tarefa
Os experimentos executados para a tese, que envolveram dez voluntários sadios e que foram realizados por uma equipe da qual Luis fez parte, levantaram dados sobre o cérebro em repouso – o que permitiu que se caracterizasse a chamada rede de modo padrão, o conjunto de atividades e conexões encontrados quando a atenção não está focada em nenhuma tarefa específica – e numa tarefa de linguagem: uma letra era apresentada numa tela de vídeo localizada dentro da máquina de fMRI, e o voluntário deveria pensar em palavras começadas por ela.
“A rede de modo padrão é a primeira que aparece quando se começam a fazer as correlações entre áreas do cérebro: é uma rede bastante distribuída no cérebro, mas tem uma reprodutibilidade bastante alta, aparece em diversos experimentos. E há vários trabalhos mostrando que essa rede é alterada, por exemplo, em pacientes com Alzheimer, esquizofrenia”, descreveu Castellano.
A análise de grafos conseguiu caracterizar as conexões cerebrais no estado de repouso, e também as conexões durante a tarefa de linguagem. “Quando a pessoa está realizando a tarefa de linguagem, dá para ver que as conexões se concentram do lado esquerdo. Esse é um resultado bom para a gente, porque a maioria das pessoas tem uma lateralização das funções de linguagem para o lado esquerdo do cérebro, mesmo. Então, o grafo mostrar isso foi um resultado bonito que o Luis encontrou”.
Outro resultado obtido, independentemente da análise de grafos, foi a constatação de que é possível detectar áreas ativas no cérebro, diante de uma tarefa específica, mesmo na ausência de um modelo prévio: observando os registros de atividade num gráfico correlacionando a passagem do tempo à intensidade da atividade em 90 diferentes regiões do cérebro, foi possível perceber as diferenças entre as situações de repouso ou tarefa e identificar as áreas envolvidas. “Você, de certa forma, recupera o experimento que foi feito só pelos dados, sem precisar de conhecimento de como o experimento foi realizado”, descreve Castellano.
“Este método de visualizar as séries temporais tem a vantagem de que não assume nenhuma hipótese sobre elas, e, portanto, permite enxergar o comportamento global das áreas cerebrais diante de qualquer tarefa dirigida. A desvantagem do método consiste em que se a relação sinal ruído dos dados individuais coletados é fraca, não é possível tirar conclusões das figuras. Por isso, é preciso coletar imagens da mesma atividade mais de uma vez”, diz o texto da tese.
Ordem e caos
A tese também descreve uma comparação entre as propriedades de rede de um sistema simulado de partículas virtuais e a rede presente no cérebro humano em repouso. A rede simulada pelo professor José Antônio Brum e pelo aluno Elohim Fonseca, pesquisadores do Departamento de Física da Matéria Condensada do IFGW, era composta por partículas dotadas de uma propriedade, chamada “spin”, que poderia estar apontando “para cima” ou “para baixo”, e onde a mudança na orientação de uma afetaria as vizinhas, seguindo alguma regra. Esse sistema poderia variar de um estado de ordem absoluta – com todos os “spins” na mesma orientação – até um estado de completo caos, com “spins” distribuídos ao acaso.
O sistema foi submetido a diferentes estados de temperatura: quanto maior fosse ela, maior a desordem entre os “spins”. A simulação mostrou que propriedades da rede virtual – por exemplo, o grau de aglomeração dos nodos – assemelham-se mais às do cérebro em repouso quando o sistema se encontra no nível crítico de transição entre ordenado e caótico.
“As semelhanças apresentadas entre as simulações (...) à temperatura crítica e os dados coletados do cérebro no estado de repouso são fatos que apoiam a hipótese de que o cérebro, nesta condição, funciona próximo da criticalidade”, diz a tese.
Neurofísica
Gabriela Castellano faz parte do Grupo de Neurofísica do IFGW, que existe há mais de dez anos. “A neurociência é uma ciência fundamentalmente multidisciplinar”, disse ela. “Porque, para estudar o cérebro, você precisa de técnicas que têm por trás uma física e uma tecnologia que os médicos não poderiam ter desenvolvido sozinhos. São necessárias pessoas para desenvolver as técnicas que, hoje, permitem que se estude o cérebro com o detalhamento que existe”.
“Além disso”, prossegue, “essas técnicas produzem uma quantidade enorme de dados que os médicos não têm treinamento para analisar. Eles têm o conhecimento da parte biológica, da parte fisiológica e da parte, também, associada às doenças, mas as técnicas produzem números, e quem sabe analisar isso é o pessoal das exatas”.
Luis Carlos Tapia Herrera, o autor da tese, é colombiano e veio ao Brasil para fazer o mestrado. “Comecei na área de partículas, aí decidi mudar abruptamente de área de pesquisa e acabei aqui na neurociência, na neurofísica, área de que gostei muito”, disse ele. Tapia pretende continuar nessa linha de estudo. “Uma coisa que procuraremos é como outros parâmetros de rede, que não foram explorados na tese, podem ser interpretados, e também fazer simulações com uma estrutura topológica do cérebro mais realista, reproduzindo as condições estruturais de diferentes áreas cerebrais”.
“A gente gostaria de estender essa metodologia para pacientes”, acrescentou Castellano. “A ideia sempre é tentar extrair métricas que, de alguma forma, deem informação sobre o cérebro saudável, mas também sobre o cérebro doente, porque às vezes você consegue achar um parâmetro relativamente simples que já ajuda a distinguir pessoas com problemas de pessoas saudáveis, ou ajuda a discriminar os efeitos de tratamentos. Isso é algo que estamos buscando: métricas, parâmetros, que possam de alguma forma auxiliar no tratamento, prognóstico ou diagnóstico de alguma doença”.
Publicação
Tese: “Investigação do uso de métricas aplicadas a dados de fMRI para a análise da dinâmica cerebral”
Autor: Luis Carlos Tapia Herrera
Orientadora: Gabriela Castellano
Unidade: Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW)