Edição nº 660

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 17 de junho de 2016 a 26 de junho de 2016 – ANO 2016 – Nº 660

Lodo e resíduos do arroz são a
base de alternativa ao cimento

Produção de aglomerante demanda pouca energia
e libera menos CO2 na atmosfera

O cimento Portland é o aglomerante, aglutinante ou ligante mais empregado no planeta principalmente na obtenção de concretos, mas também de argamassas utilizados na construção civil. Ele promove a aglomeração de pedras e areia no concreto e areia na argamassa, gerando materiais de alta resistência mecânica, o que o torna um produto tecnicamente muito importante. Mas sua produção é impactante porque demanda grande consumo de energia térmica e elétrica e libera enorme quantidade de gás carbônico (CO2), maior responsável pelo efeito estufa e consequente aumento da temperatura atmosférica da Terra. Estima-se que para cada tonelada de cimento produzida seja liberada uma tonelada de CO2, o que corresponde a 5% a 8% de toda a emissão anual desse gás.

Nesse contexto, o emprego de aglomerantes alternativos ao cimento Portland pode vir a se constituir de grande relevância do ponto de vista ambiental. Daí o interesse acadêmico e comercial, despertado nos últimos anos, pela utilização de aglomerantes álcali-ativados. Mas há, ainda, outra significativa vantagem: nas produções de tais materiais, que demandam menor energia e liberam menos CO2, quando comparados ao cimento comum, podem ser utilizados determinados resíduos, procedimento que atende às recomendações das atuais políticas públicas.

Com efeito, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010, recomenda a não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento e disposição final adequada dos rejeitos. Já anteriormente, através da promulgação da Política Nacional sobre Mudança do Clima, de 2009, o Brasil assume o compromisso da mitigação das emissões de gases de efeito estufa.

Estas motivações orientaram a escolha do tema de mestrado do engenheiro ambiental Rodrigo Henrique Geraldo, quando se propôs a verificar a possibilidade da adição de cinzas de casca de arroz em um dos materiais empregados na obtenção desse produto alternativo. Ele deteve-se, ainda, no estudo da substituição parcial do metacaulim, utilizado nesse novo material, pelo lodo gerado como resíduo nas Estações de Tratamento de Águas (ETAs), rico em compostos de silício e de alumínio. Completam os objetivos específicos da pesquisa a verificação do comportamento mecânico de argamassas produzidas com o aglomerante álcali-ativado e, também, o acompanhamento de suas consolidações, o chamado tempo de cura, realizado à temperatura ambiente, diferentemente do processo usual que emprega ar quente, procedimento que demanda gasto de energia.

Os corpos de prova sólidos, destinados aos testes mecânicos, foram construídos com a utilização de argamassa resultante da mistura do novo aglomerante com areia e adição de água. As propriedades mecânicas de compressão e tração na flexão desses corpos, determinadas em uma máquina universal de ensaio, foram então comparadas com as dos produtos sem lodo.

Para o pesquisador, a proposta de produção desse álcali-ativado proporcionará economia no consumo de energia elétrica, redução de extração de recursos naturais provenientes de jazidas minerais e contribuirá para diminuição da poluição atmosférica.

O trabalho, em que ele apresenta os resultados da utilização desse novo aglomerante, obtido com o emprego do lodo de ETA adicionado a metacaulim e cinza de casca de arroz tratada com material alcalino, na produção de argamassas, foi desenvolvido junto ao Laboratório de Aglomerantes e Resíduos da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp, orientado pela professora Gladis Camarini e financiado pelo CNPq. 

Vantagens
Em linhas gerais, a produção do cimento Portland envolve, inicialmente, a moagem de calcário (rico em carbonato de cálcio) e de argila (em que predominam os óxidos de silício, de alumínio e de ferro), preparando-se, a partir desses materiais finamente moídos e retirados de jazidas, uma mistura contendo, aproximadamente, quatro partes de calcário e uma parte de argila. Em seguida essa mistura é calcinada (cozida) até a temperatura de 1450 °C, dando origem a um material granulado chamado clínquer Portland. O clínquer é então moído com aproximadamente 5% de gipsita, resultando um fino pó de cor acinzentada, o cimento Portland.

Com o álcali-ativado, em substituição ao cimento, pretende-se minimizar o consumo de energia e o efeito estufa. Sua produção envolve a utilização de dois materiais. O primeiro, resultante da reação de uma solução de material alcalino dissolvido em água com cinza de casca de arroz, oriunda da queima de casca de arroz, para a produção de energia térmica, que contem até 96% de óxido de silício. A reação dessas cinzas com o ativador alcalino, realizada sob agitação a temperaturas menores de 100 °C, leva à obtenção de um silicato alcalino por processo alternativo, diferentemente do comercial que se vale de processos químicos de alto impacto ambiental, que demanda menor consumo de energia, eliminação de menos dióxido de carbono e que, além de tudo, permite a utilização de um resíduo normalmente descartado.

O segundo material empregado é o metacaulim, proveniente da calcinação da argila caulim, que pode ser substituído parcialmente pelo lodo de ETAs, rico em óxido de silício e óxido de alumínio, oriundo do coagulante utilizado no tratamento de águas. Essa substituição, ainda que parcial, se justifica, pois a transformação do caulim em metacaulim exige temperaturas entre 500 a 800 °C e posterior moagem para diminuição do tamanho das partículas, o que também gera impactos ambientais. A redução do seu uso visa diminuí-los.

Com base nessas informações disponíveis na literatura, diz Rodrigo, “meu objetivo foi avaliar inicialmente a possibilidade de utilizar o lodo de ETAs na formulação do novo aglomerante. Uma análise química de amostras de lodo provenientes das ETAS 3 e 4 da Sanasa de Campinas mostrou que cerca de 35% dele é constituído de óxido de silício e 34% de óxido de alumínio, rico, portanto, dos compostos que precisávamos. O restante desse lodo é composto em sua maior parte de material orgânico que não eliminamos para evitar consumo de energia e contaminação do meio ambiente, pois a nossa intenção era a de utilizar um procedimento o mais ambientalmente amigável possível. Cumpre ressaltar que o material orgânico foi analisado e não causa problemas de saúde”. A partir de uma amostra de referência, que utilizava apenas metacaulim, ele avaliou então a substituição desse material por lodo de ETAs nas proporções de 15, 30 e 60%, na produção de argamassa.

O aglomerante álcali-ativado, substitutivo do cimento, é obtido então misturando-se esses dois materiais na proporção adequada e devidamente estudada. Para o autor, “esse novo material aglomerante constitui alternativa para o cimento com resultados técnicos muito próximos ao dele, mitigando as desvantagens ambientais como consumo maior de energia e emissão de gás carbônico”.

Os testes mecânicos de resistência dos corpos de prova, produzidos a partir de pasta elaborada com esse álcali-ativado, misturado à areia e água, mostraram que vários componentes da construção civil, como blocos e tijolos podem ser fabricados a partir dela.

Concluindo, Rodrigo acrescenta: “Focamos o estudo na determinação da melhor e mais correta dosagem para a produção de um aglomerante que possibilitasse obter materiais com característica de resistência e, no decorrer do trabalho, conseguimos de fato melhorar a formulação dessa dosagem, chegando a valores próximos de 40 MPa aos 90 dias de idade, resultado obtido para certos tipos de concretos”.

Publicação

Dissertação: “Aglomerante álcali-ativado contendo iodo de ETA e cinza de casca de arroz”
Autor: Rodrigo Henrique Geraldo
Orientadora: Gladis Camarini
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)