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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 17 de junho de 2016 a 26 de junho de 2016 – ANO 2016 – Nº 660Técnica corrige desvio postural
Problema é causado por alteração óssea do calcanhar;testes foram feitos com militares
Uma técnica inédita na fisioterapia lança uso de um artefato para corrigir desvios posturais de retropé valgo – uma alteração óssea do calcanhar. Foi o que sugeriu estudo de mestrado apresentado à Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), cujo autor, Humberto Akira Takahashi, a batizou com o nome de Integração Postural por Terapia Manual (IPTM). Os testes foram feitos com militares do município de Campinas (SP), e se mostraram promissores.
A IPTM é a primeira técnica brasileira de correção de desvio postural com essa finalidade a ser validada em uma Universidade – a Unicamp. A proposta é fazer com que os terapeutas passem a considerá-la na prática e que ela possa se tornar uma opção adicional para pacientes que não estão respondendo bem a outras técnicas. Ela mostrou viabilidade em 60 soldados pertencentes à 11ª Brigada de Infantaria Leve (BIL) da cidade.
Na investigação, 30 militares passaram por tratamento com Reeducação Postural Global (RPG) e outros 30 com IPTM. Os avaliados (homens e mulheres) tinham idade entre 18 e 25 anos, um retropé valgo e outro retropé alinhado. Eram assintomáticos, explicou o autor, porque esse tratamento atua justamente de modo preventivo.
“A simetria comprovada nos resultados permaneceu muito próxima dos efeitos obtidos na última sessão de fisioterapia”, concluiu Takahashi, que no estudo foi orientado pelo docente da FEEC Antonio Augusto Fasolo Quevedo. A escolha da amostra de militares foi em razão dos altos índices de problemas que em geral eles têm nos pés.
Os testes duraram quatro semanas (uma sessão por semana) e, nas outras quatro, os militares não se submeteram às terapias propostas. A seguir, eles foram reavaliados para ver se o tratamento mantinha seus efeitos ou se o desvio postural estaria voltando. Os efeitos benéficos do tratamento se prolongaram por mais tempo na IPTM do que na RPG.
Os experimentos analisaram a simetria da pressão do peso na sola dos pés, empregando para isso um baropodômetro – uma espécie de balança entre hemicorpos (cada uma das metades do corpo: lado direito e esquerdo). Esse instrumento avalia as pressões sob a planta do pé durante a posição estática e a marcha; determina o centro de pressão; e identifica o tipo de pisada, instabilidades, impulso e outras alterações biomecânicas. Quando a posição está mais uniforme entre hemicorpos, por exemplo, ele indica que a pessoa está com um bom alinhamento postural.
Associação
Takahashi sublinhou que a IPTM atuaria eficazmente na parte do desvio e é um método oposto à RPG e ao Pilates, técnicas ditas globais, que empregam músculos e tendões para corrigir todos os desvios posturais ao mesmo tempo (escoliose, hipercifose, lombar e joelho, retropé e antepé valgos, entre outros). A correção é ativa e os músculos e tendões são estirados e fortalecidos da cabeça aos pés ao mesmo tempo.
Enquanto a RPG trabalha com o corpo todo em sequência – com o terapeuta observando, intervindo e corrigindo simetricamente a postura do paciente –, a IPTM trabalha com o desvio de modo mais localizado. “Mas não se trata aqui de discutir se uma técnica é melhor que a outra e sim complementares”, ressaltou o fisioterapeuta, “tanto que, às vezes, numa correção global, pode-se optar pela técnica específica para o retropé valgo, visto que os músculos da região não conseguem ser atingidos com a RPG”.
O pesquisador explicou que, no retropé valgo, a parte do tornozelo fica voltada para dentro e que isso pode provocar muita dor, com o tempo, pela sobrecarga no lado medial e porque o peso está inclinado para dentro. “É que a própria sobrecarga acaba comprimindo os nervos da região e ocasionando desconforto”, acrescentou o orientador.
Artefato
Takahashi criou a regra biomecânica convexo-convexo nessa pesquisa, uma vez que todo desvio postural possui uma curvatura acentuada. As articulações e musculaturas nestas regiões seguem um padrão: um lado convexo e outro côncavo. O lado convexo é onde a musculatura está mais enfraquecida ou alongada e o lado côncavo é onde a musculatura está mais encurtada e, consequentemente, as articulações nestas regiões estão desalinhadas.
O fisioterapeuta também criou um artefato rígido e com superfície ovalada (veja imagem) para auxiliar na terapia proposta. A face inferior é plana e fica apoiada no chão. O voluntário deita-se de lado com a parte medial do retropé. No caso, o tálus, um dos maiores sustentadores do peso pelo pé, fica em contato com a superfície ovalada do artefato. Com esse contato, a tendência é produzir dois efeitos: minimizar a parte convexa, ou externa do desvio (no caso do tálus), e colocar a parte mais interna deste osso em alongamento, que é a parte côncava.
“O osso do tálus seria o lado convexo do desvio postural e o artefato seria outro convexo que, em contato com esse osso, formaria o convexo-convexo”, expôs Takahashi. A técnica seria potencializada com manobras nas quais se utiliza a terapia manual. Nesta pesquisa, ocorreu mobilização articular através das pontas dos dedos.
Conforme o mestrando, o objetivo é alongar com terapia manual o lado côncavo para diminuir a parte convexa (o tálus) e chegar a um realinhamento desta articulação, diminuindo o sobrecarga deste lado medial do retropé. Em decorrência, as diferenças entre hemicorpos diminuiriam e os retropés ficariam mais equilibrados entre o lado esquerdo e direito.
O pesquisador comentou que o realinhamento com a RPG e o Pilates, as técnicas mais consagradas, exigem do paciente o alongamento e a contração da musculatura. Entretanto, é difícil fazer a correção nos ossos do tálus, que é o lado convexo do retropé valgo, pois nenhum músculo passa por ali. “Se não há músculo e tendão, como corrigir e manter o realinhamento do osso tálus no pós-tratamento?”, questionou Takahashi. Daí que entra a técnica da IPTM agindo localmente.
Biomecânica
O retropé valgo pode estar associado a patologias como a síndrome do túnel do tarso (que é a compressão do nervo tibial), síndromes dolorosas subcalcâneas como a fasceíte plantar ou esporão de calcâneo, e o pé de corredor (compressão do nervo plantar medial). Todos esses desvios se situam na região do pé e teriam indicação de IPTM, tanto para prevenção quanto para restauração.
Com a evolução dos equipamentos, descreveu Antonio Quevedo, os estudiosos passaram a avaliar estas patologias quantitativamente, por isso a importância do uso do instrumento baropodômetro. A pessoa sobe numa plataforma e é coletada a sua distribuição de modo bem simples: em poucos segundos.
A vantagem do IPTM está em situações em que os portadores de retropé valgo têm dificuldade de efetuar movimentos ativos e em que as pessoas não são colaborativas, como os pacientes neurológicos ou pessoas que têm alguns deficits de atenção e compreensão, salientou Takahashi. A sua expectativa é levar essa técnica à aceitação, à população e aos colegas fisioterapeutas para replicarem-na.
Este trabalho integra a linha de pesquisa de engenharia biomédica e de engenharia de reabilitação, na qual tem vários estudos em andamento na FEEC. Seus pesquisadores promovem a análise quantitativa de algumas patologias sob a coordenação do professor Antonio Quevedo.
“Estamos chegando a medições de problemas de movimento, até para termos uma gradação mais detalhada. É o que acontece com crianças com paralisia cerebral que hoje são classificadas em leve, moderada e severa. A intenção é ter parâmetros de medição que levem a uma escala mais completa, de zero a dez ou de zero a 100, para situar o grau de deficit num nível mais apurado, atingindo um padrão-ouro”, realçou o docente.
Ultimamente, há pós-graduandos trabalhando com sensores para medir movimento, com algoritmos matemáticos para chegar aos números pretendidos ou com representação, relatou Antonio Quevedo.
A IPTM foi desenvolvida há 15 anos, informou Takahashi, que se debruça sobre o assunto desde 2001. Não se trata de um estudo que começou agora. Ele lembrou que, quando a RPG também foi criada, não existia a maioria das técnicas disponíveis hoje. “Mas esse procedimento mostrou o seu valor, comprovando que funcionava e que melhorava a condição de vida das pessoas”, revelou o orientador. “É o mesmo que pretendemos alcançar com a nova técnica e, no futuro, investigar os efeitos da IPTM igualmente em outras articulações.”
Publicação
Dissertação: “Estudo da técnica IPTM para validação como procedimento de fisioterapia”
Autor: Humberto Akira Takahashi
Orientador: Antonio Augusto Fasolo Quevedo
Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC)