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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 09 de setembro de 2016 a 18 de setembro de 2016 – ANO 2016 – Nº 668Na medida exata
Metodologia rápida, barata e inovadora quantificaprincípios ativos em medicamentos
Nestes tempos em que o movimento pela “química verde” ganha força, pesquisadores da Unicamp contribuem com uma metodologia inovadora, rápida e barata para quantificação de ingredientes ativos em medicamentos, a partir de um mero papel de filtro e utilizando uma quantidade ínfima de solvente em comparação com métodos tradicionais. A técnica, que promete causar impacto na indústria farmacêutica, é apresentada em artigo aceito pelo Scientific Reports, do grupo Nature, sob o título “Capillary-induced Homogenization of Matrix in Paper: A Powerful Approach for the Quantification of Active Pharmaceutical Ingredients Using Mass Spectrometry Imaging”. O artigo é assinado por Maico de Menezes, Diogo Noin de Oliveira e Rodrigo Ramos Catharino, todos do Laboratório Inovare de Biomarcadores, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF).
A nova metodologia é resultado da dissertação de mestrado do farmacêutico Maico de Menezes, orientada pelo professor Rodrigo Catharino, diretor associado da FCF. O objetivo geral foi a quantificação do insumo farmacêutico ativo (IFA) da rosuvastatina, medicamento para reduzir os níveis de colesterol e de triglicérides, através da técnica de espectrometria de massas por imagem (MSI); e, como objetivos específicos, desenvolver um novo modelo de quantificação de IFAs através da impregnação de matriz em papel, comparando os resultados com a cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC), técnica analítica tradicional validada por órgãos governamentais e a mais utilizada nas indústrias farmacêuticas.
Menezes explica que a análise quantitativa de ingredientes farmacêuticos ativos desempenha um papel importante na rotina destas indústrias, que devem obedecer às Boas Práticas de Fabricação de Medicamentos (BPF) determinadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). “Para garantir a máxima segurança do produto, as diretrizes requerem testes especiais. Abordagens cromatográficas como o HPLC são amplamente utilizadas visando controlar tanto IFAs como solventes residuais e outras substâncias impuras em comprimidos, cápsulas e uma vasta gama de formas de dosagem. A maioria dos medicamentos precisa passar por esses testes para sua certificação.”
Segundo o autor da dissertação, o novo método apresentou resultados comparáveis aos do HPLC, com a vantagem de se mostrar bem mais rápido, seletivo, econômico e gerando baixo resíduo. “Eu trabalho em uma indústria farmacêutica que gera 20 litros de solvente por análise de HPLC, a custo elevado e sem poder jogá-los na natureza – há empresas especializadas que são contratadas para fazer o descarte correto. Com esta técnica, não se gasta 100 mililitros, é uma diferença absurda na geração de resíduos e uma grande economia, pois praticamente inexiste gerenciamento de solventes.”
Maico Menezes afirma que a espectrometria de massas é uma técnica muito utilizada para análises de insumos farmacêuticos ativos, impurezas e degradantes. “Neste trabalho foi empregada uma nova estratégia: um papel de filtro previamente ‘eluído’ com uma solução de matriz para Maldi [Matrix-assisted laser desorption/ionization] – um equipamento ainda desconhecido pela indústria. As amostras foram submetidas ao espectrômetro de massas por imagem e sua quantificação feita através das impressões digitais características. A aplicação da nova técnica é imensa, indo da determinação de marcadores de doenças até de fase de processos.”
Para o professor Rodrigo Catharino, o melhor da pesquisa veio logo no início, quando foi promovida a modificação estrutural do papel para que incorporasse de forma homogênea a matriz – substância que revela o princípio ativo do medicamento. “A inserção do papel no Maldi para análise de quantificação possibilita dados muito mais refinados em comparação à técnica clássica. Além disso, há o barateamento do processo, já que usamos papel comum ao invés de lâminas de aço inox ou de vidro como base. Outra inovação está no próprio suporte do Maldi Imagine, que é mais comumente utilizado para histologia (visualização de tecidos ou células) e muito pouco para quantificação.”
Catharino observa que, embora a indústria precise adquirir o equipamento, a tecnologia está aberta e a transferência é quase imediata. “A técnica também pode ser aplicada para cosméticos, diagnósticos clínicos, alimentos e inúmeras outras áreas, com resultados imediatos e precisos, o que é um sonho destas indústrias. É uma técnica que começou a ser desenvolvida aqui na Unicamp, mas que serve a várias vertentes – e tudo isso através de uma dissertação de mestrado que traz inovação, mostrando sua importância com a publicação em revista de alto impacto, do grupo Nature.”
Química verde
Diogo Noin de Oliveira, farmacêutico e pesquisador do Laboratório Inovare, também assina o artigo como um dos responsáveis pela viabilização do uso de papel como base para técnica analítica. “Estamos trabalhando com este conceito há alguns anos: começamos com uma abordagem clássica na lâmina de inox, evoluímos para a placa de sílica, que tem capacidade maior de absorção, e agora estamos no papel com a matriz integrada. Com essas técnicas estamos procurando facilitar e baratear os custos da análise e de manejo, e também trazendo elementos da chamada química verde, economizando solvente e gerando impacto muito menor em termos de resíduos.”
Oliveira reitera que os resultados apresentam diferença mínima comparativamente à técnica clássica disseminada na indústria, com a balança pendendo deste lado devido aos menores custos e uso de solvente, bem como da maior segurança na identificação. “O tempo de análise também é muito interessante para indústria: o resultado vem em minutos ou mesmo em segundos, quando em outras circunstâncias demoraria até horas. Outro ponto interessante é que o monitoramento pode ser feito online, seja durante a produção, em estudo de estabilidade (condições de armazenamento) e verificando um ativo ou produto de degradação. Não é preciso desenvolver um método para cada ativo ou impureza, é uma roupa que serve a todos.”
O professor Rodrigo Catharino não esconde sua empolgação com a nova técnica, que considera revolucionária, sem nada similar no mundo. “Não é atraente para o nosso grupo apenas copiar algo de fora e adaptá-lo ao Brasil. Queremos justamente inovar, que nos copiem. Estamos adotando tecnologias que já existem e transformando-as para oferecer respostas pontuais em termos de quantificação e determinação de compostos, através de análise rápida e efetiva. É importante, também, ter um pesquisador da indústria conosco, levando a informação de que existe uma tecnologia que baratearia o custo operacional. Ainda que ela não seja aplicada imediatamente, será realidade no futuro, pois é revolucionária.”
Catharino ressalta ainda que a escolha da rosuvastatina não se deu por acaso, e sim por ser considerada uma “superestatina”, apresentando menos efeitos colaterais e pedindo dosagens menores que suas antecessoras (a mevastatina descoberta em 1976, a lovastatina aprovada em 1987 e a atorvastatina de 2002). A partir de 2004, a rosuvastatina foi aprovada em 154 países e lançada em 56 deles, tornando-se o medicamento para baixar o colesterol mais vendido no mundo. “Outra motivação para a escolha desse fármaco é que temos um grupo grande de pesquisadores trabalhando com a obesidade causada por diabetes”, finaliza o professor.