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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 09 de setembro de 2016 a 18 de setembro de 2016 – ANO 2016 – Nº 668Por dentro da Bienal de São Paulo
Em 2012, as portas do Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera, que supostamente seriam abertas ao público da Bienal de Arte de São Paulo (https://bienal.org.br/), correram o risco de ficarem cerradas e foi cogitado transformá-la em uma mostra trienal devido ao corte de custos para o evento, que coincidiu com a crise fiscal da Bienal. Mesmo assim, as portas permaneceram abertas, e estão até hoje.
Esse não foi o único obstáculo que a Bienal de São Paulo enfrentou nesses 65 anos. “Mas um dos mais reincidentes foi uma gestão instável, influenciada por diversos atores e fatores, seja pelos próprios dirigentes, seja pelos curadores. Os constantes problemas de gestão sempre foram um ponto de fragilidade na saúde da fundação”, concluiu a midiáloga Verena Carla Pereira, que defendeu sua tese de doutorado no Instituto de Artes (IA).
“A última Bienal, de 2014, custou R$ 24 milhões, captados pela Lei Rouanet de Incentivo à Cultura. Por causa dos altos custos a cada edição, há ainda uma forte discussão se vale a pena investir tanto dinheiro em arte no país. Pessoalmente, acredito que sim. Caso contrário, as pessoas podem ficar cegas para o mundo”, defendeu Verena, cujo trabalho envolveu avaliação da gestão da Bienal desde a sua criação, em 1951, até a 30ª edição, em 2012.
Apesar das dificuldades, na opinião da doutoranda, a Bienal tem que continuar existindo, pois ainda é o contato das pessoas com a arte mundial, do que vem sendo feito em diferentes lugares, das novidades, do que é mostrado, do quanto é investido e do quanto ela é válida e necessária para a circulação das belas-artes.
Verena fez uma grande compilação, um estudo documental orientado pelo docente do IA José Eduardo Ribeiro de Paiva. Explorou a historiografia da gestão da Bienal baseada em material da literatura e do arquivo da Bienal de São Paulo.
Ela pesquisou sobretudo o Arquivo Wanda Svevo, nome em homenagem à secretária geral da instituição que morreu em um acidente aéreo a caminho do Peru, em missão pela 7ª Bienal. Wanda era muito próxima de Ciccillo Matarazzo, o grande fundador e mecenas da Bienal. Além desses arquivos, Verena também investigou o arquivo da Fundação Bienal de Veneza, Itália, que foi modelo para a Bienal de SP.
Períodos
A autora da tese tentou entender como a Bienal sobreviveu num país de raro acesso ao fomento à cultura e como conseguiu se manter entre idas e vindas de fomento na história da instituição. A Fundação Bienal de São Paulo está entre as três maiores bienais do mundo, depois da Bienal de Veneza e da Documenta de Kassel, Alemanha.
A ideia da doutoranda foi dividir as 30 edições em quatro períodos. O primeiro foi quando a Bienal de São Paulo esteve atrelada, por seis edições, ao Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP). Em 1962, ela se tornou autônoma do Museu. Depois disso, já como Fundação Bienal de São Paulo, Verena estabeleceu esse como o segundo período, que se prolongou até 1975.
O terceiro período foi de 1976, com a saí- da de Ciccillo (que teve uma gestão centralizadora), até o início da década de 1990. Se antes a Bienal era uma estrutura mais familiar, aos poucos se tornou uma empresa. Com sua saída da presidência, assumiram vários outros gestores, por períodos não superiores a quatro anos. Eram, na maioria, gestores de empresas e profissionais do mercado publicitário. Com a morte de Ciccillo (1977), outros dirigentes tornaram a Fundação Bienal de fato uma grande empresa.
O quarto período, a partir de 1990, foi quando a Bienal passou a lidar mais especificamente com as Leis de Incentivo à Cultura, para o seu fomento, iniciativa que prossegue até hoje, mediante a Lei Rouanet e algumas leis de incentivo municipal e estadual.
Eventos
A Bienal de São Paulo é uma fundação que promove o seu grande evento a cada dois anos: uma exposição que reúne artistas internacionalmente reconhecidos e que já recebeu, até sua 31ª edição, cerca de oito milhões de visitantes. Mas a instituição nasceu propriamente para realizar as Bienais de São Paulo a partir de sua sétima edição, depois de deixar o MAM.
Verena contou que são três meses de Bienal para um público predominante de estudantes, que participam de visitas guiadas. “Temos um forte investimento na mediação dos estudantes. Uma iniciativa da Bienal é o Projeto Educativo, que busca levar esse público para conhecer a mostra. Trata-se de um projeto fixo que acontece o ano todo. Com certeza, essa iniciativa é a ‘menina dos olhos da Bienal’”, informou a pesquisadora.
A Bienal de SP também é uma grande vitrine para exibir os trabalhos dos artistas. “O circuito das Bienais passa por Veneza e pela Documenta, e a tendência atual é formar coletivos de artistas que se reúnem para fazer trabalhos exclusivos para as Bienais.”
Quando idealizada a Bienal de SP, o intuito era trazer arte moderna ao Brasil, visto que o país tinha pouco contato com arte num período de efervescência por modernização, especialmente para a nova burguesia de estrangeiros que vinha para cá.
Na década de 1950, também notou-se uma grande influência do Pan-Americanismo, do movimento da política da “boa vizinhança”, perpetrado pelos Estados Unidos. Eles trouxeram influências à criação da Bienal com Nelson Rockefeller, que doou algumas obras para o MAM, além de firmarem algumas cooperações.
Hoje, a Bienal é uma mostra que reúne artistas e obras no Pavilhão do Parque Ibirapuera. “E o Pavilhão é a grande obra que acomoda outras, assinado pelo arquiteto Oscar Niemeyer”, destacou Verena. Desde a sua primeira edição, a Bienal já teve a participação de 14 mil artistas e de 160 países, que apresentaram 67 mil obras.
Instabilidade
Verena considerou no estudo aspectos críticos e contribuições da Bienal. Para começar, ela verificou que a Bienal sempre teve uma gestão instável, pois esse processo foi baseado em sistemas transitórios que iam se remodelando na dependência dos diversos atores que neles influíam (tanto presidentes quanto curadores). “Também não deixaram de ter interferências as políticas econômicas e culturais. Com isso, a instabilidade ia e vinha, e era percebida mais na parte institucional, não sendo visível ao grande público.”
No entanto, a 28ª Bienal, de 2008, foi um exemplo emblemático dessa visibilidade. A proposta do curador, Ivo Mesquita, era fazer um evento que discutisse a Bienal e a situação pela qual esse modelo de exposição estava vivendo. Mas a crise não era exclusividade do Brasil. Era uma crise do modelo mundial, tanto que a Bienal de Veneza foi rediscutida, e a Documenta de Kassel e outras também.
“A 28ª Bienal, no segundo piso do Pavilhão, determinou que o espaço ficasse completamente vazio. Por isso ela foi conhecida como a Bienal do Vazio. Não houve praticamente exposição. Poucas obras foram mostradas. Eram mais conferências e seminários para debater esse modelo”, descreveu a doutoranda.
Como resultado, foram produzidos diversos relatórios, porém essa Bienal de fato, para o público, fugiu ao lugar comum no sentido artístico. Aos olhos dele, viu-se claramente que alguma coisa estava ocorrendo ali de que não tinham sido avisados. Essa Bienal não foi igual às outras.
Algumas pessoas acharam essa “parada” fundamental para discutir o modelo de Bienal e pensar até em uma reformulação, ao mesmo tempo que algumas pessoas viram na Bienal uma edição perdida. “Os relatórios foram úteis, contudo não promoveram modificações após o evento”, realçou Verena.
Por outro lado, ela reconhece que hoje há no Brasil muitos institutos culturais e museus que têm apresentado grandes exposições. É o caso da Fundação Bienal do Mercosul (https://fundacaobienal.art.br/site/pt/), sediada em Porto Alegre. Mas, durante décadas, a Bienal de SP conseguiu, de modo único, trazer arte ao país como nenhuma outra.
A segunda Bienal, de 1953, por exemplo, foi a única vez que Guernica, de Picasso, saiu do The Museum of Modern Art de Nova Iorque (MoMA) e foi recebida pela América do Sul na Bienal de SP, que foi a maior Bienal e uma das mais relevantes. Guernica, de Picasso, agora está no Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, em Madrid, Espanha. Depois disso, a Bienal de SP teve alguns núcleos históricos com obras de artistas renomados.
Verena assinalou que a importância do seu estudo está em contribuir com um corpus de pesquisa para futuros pesquisadores e para gestão cultural de exposição de artes. “Que as pessoas utilizem essa pesquisa para entender onde a Bienal errou, acertou, para fazer avançar o tema e ter um panorama todo da gestão da Bienal, que é o nosso grande modelo de exposição no país.”
A próxima Bienal de São Paulo, a 32ª edição, acontece de 10 de setembro a 12 de dezembro, intitulada Incerteza Viva. Leia mais (https://www.32bienal.org.br/).
Publicação
Tese: “A gestão das artes visuais através da Bienal de São Paulo: pode entrar sem medo que é só arte”
Autora: Verena Carla Pereira
Orientador: José Eduardo Ribeiro de Paiva
Unidade: Instituto de Artes (IA)
Financiamento: CNPq e Fapesp