Edição nº 670

Nesta Edição

1
2
3
4
5
6
8
9
10
11
12

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 26 de setembro de 2016 a 02 de outubro de 2016 – ANO 2016 – Nº 670

Para linguista, ler Saussure
é escapar do círculo da crise

Especialista italiano participou de evento comemorativo do
centenário do “Curso de Linguística Geral”, livro fundador da linguística moderna

Por ocasião do centenário da publicação do Cours de Linguistique Générale (1916), livro atribuído a Ferdinand de Saussure, considerado o fundador da linguística moderna, uma comissão formada por Maria Fausta Pereira de Castro e Rosa Attié Figueira (Grupo de Pesquisa em Aquisição de Linguagem – GPAL/Unicamp), por Lauro Baldini (Instituto de Estudos da Linguagem – IEL/Unicamp) e por Eliane Silveira (Universidade Federal de Uberlândia), organizou e promoveu a III Jornada de Estudos Saussurianos, que fez parte dos eventos comemorativos dos 50 anos da Unicamp no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL).

A Jornada, ocorrida nos dias 8 e 9 de setembro, teve como objetivo promover o debate sobre o sistema conceitual de Saussure, os desdobramentos de suas ideias e o alcance de sua teoria em domínios diversos de indagação sobre a linguagem. Convidado para a conferência de abertura, o linguista e professor Daniele Gambarara, da Universidade da Calabria, abordou o tema “100 Anos do Curso de Linguística Geral”. “Sinto-me honrado de ter sido convidado para esta jornada pelos pesquisadores brasileiros, cuja contribuição para os estudos sobre Saussure tornou-se mais importante em nível internacional, nestes últimos anos. E a Unicamp desempenha um papel central na organização destas pesquisas. Talvez, o fato de ter sido fundada em 1966, ano do cinquentenário do CLG, e do triunfo do estruturalismo na Europa, a tenha levado, desde o início, para esses estudos”, afirmou Gambarara.

Nesta entrevista, concedida à professora Rosa Attié Figueira, o presidente do prestigioso Cercle Ferdinand de Saussure, sediado em Genebra, expõe alguns pontos importantes sobre o legado de Saussure no cenário atual dos estudos linguísticos, e sobre as fontes que hoje fazem parte da exploração desse legado.

Jornal da Unicamp – Como o senhor vê o pensamento saussuriano como uma base teórica para o movimento estruturalista nas Ciências Humanas?

Daniele Gambarara – Saussure não era estruturalista, mas foi escolhido como pai por todas as correntes do estruturalismo, seja nas escolas linguísticas, com Jakobson, Hjelmslev, Benveniste, como também nas pesquisas nas Ciências Humanas, com Lacan, Lévi-Strauss, Foucault, Althusser, Barthes, etc. O estruturalismo dos anos 50-60 muito contribuiu para esses estudos, mas seu impulso parece agora terminado. Saussure, em contrapartida, com sua abertura para os problemas do tempo, do sujeito, do caráter precário e conjuntural das sistematizações, suas noções de instituição e de diferença, talvez ainda ajude a repensar de maneira nova certos problemas das Ciências Humanas.

JU – Em seu artigo Un Texte Original, no qual apresenta a edição integral do último curso de linguística ministrado por Saussure em 1910-11 em Genebra (Cahiers F. de Saussure 58, 2005), o senhor afirma que é preciso ler Saussure (não somente relê-lo) para sair da crise da linguística atual.

Daniele Gambarara – As grandes escolas da linguística atual me parecem cansadas: o funcionalismo, o gerativismo, o cognitivismo... Elas mostram uma prevalência de repetição e de fechamento. Assim, ler Saussure, lê-lo realmente, lentamente e refletindo sobre o que se lê, nos novos documentos mais importantes, significa deslocar-se, dando um passo, não para trás, mas para o lado. Escapar do círculo da crise.

JU – O senhor acredita que atualmente há de fato pesquisas no cenário internacional que se alimentam do pensamento fundador de Saussure?

Daniele Gambarara – Sim, acredito que algumas das novas pesquisas, em particular, aquelas dos jovens que sabem trabalhar simultaneamente, seja com questões filológicas e de edição de textos manuscritos, seja com os problemas teóricos que emergem desses textos, vão renovar o cenário internacional.

Hoje, os linguistas que encontram uma via original para reinterpretar as indicações de Saussure estão presentes, porém isolados.

JU – Qual é a tarefa da Associação que o senhor preside, o Cercle F. de Saussure?

Daniele Gambarara – O Cercle F. de Saussure é o herdeiro da antiga Sociedade de linguística genebrina – tem, portanto, uma longa história que remonta de alguma forma aos primeiros alunos genebrinos de Saussure. Seu estatuto indica a missão de favorecer a difusão e o conhecimento do pensamento de F. de Saussure. Sua tarefa primeira é publicar a revista anual Cahiers F. de Saussure e o número 70 será lançado em 2017. A revista reporta as novidades no campo dos estudos saussurianos. O Círculo organiza encontros científicos, como, por ocasião do centenário do CLG, o duplo colóquio internacional em Paris e em Genebra. O Cercle começa a utilizar as novas mídias: em seu site, os números mais antigos da revista já estão digitalizados.

JU – E o Cercle tem ainda outros projetos?

Daniele Gambarara – O Cercle está estudando e preparando uma edição digital de todas as obras de Saussure, manuscritas ou impressas, até chegar ao CLG. Trata-se de concluir primeiramente o catálogo científico, que ainda não existe, de um conjunto de, aproximadamente, 50 mil folhas manuscritas, dispersas em vários arquivos em Genebra, mas também em Paris e em Harvard. É necessário ainda lembrar que há outros manuscritos de Saussure conservados ou esquecidos em coleções particulares. O Cercle se compromete a tornar públicos todos os documentos saussurianos.

JU – Quanto tempo será preciso para se ver os primeiros resultados deste projeto?

Daniele Gambarara – Os primeiros resultados já são visíveis nas novas publicações de textos saussurianos e seu método; no fato de que a Biblioteca de Genebra já preparou fotos digitais da maioria de seus manuscritos saussurianos, imagens disponíveis para os pesquisadores saussurianos; no fato de que um grupo de analistas de sistemas de Genebra tomou Saussure como caso de estudo para preparar os Bancos de Dados de Conhecimento (KDB), necessários para uma edição digital de pesquisa avançada...

Acredito que a Universidade Estadual de Campinas será um dos primeiros lugares em que todas as novidades serão conhecidas.


 

Quem é Daniele Gambarara

Daniele Gambarara é linguista e professor titular de Filosofia da Linguagem na Universidade da Calábria. Lecionou em outras universidades italianas, em Genebra e em Stanford. É presidente do Cercle Ferdinand de Saussure e presidente do conselho editorial dos Cahiers Ferdinand de Saussure.

Autor de livros, entre os quais Come bipede implume, Corpe e menti del segno (2008), D. Gambarara escreveu dezenas de artigos, entre os quais os que foram publicados nos Cahiers Ferdinand de Saussure: Ordre graphique et ordre théorique. Présentation de F. de Saussure (2008) e Un Texte Original (2005). Suas áreas de pesquisa são: história e epistemologia das ciências da linguagem, semiótica e semântica numa perspectiva dirigida ao contexto histórico e social da atividade comunicativa.