Edição nº 670

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 26 de setembro de 2016 a 02 de outubro de 2016 – ANO 2016 – Nº 670

Telescópio


Petróleo e
terremoto

A injeção de água no subsolo para aumentar a extração de gás e petróleo gera pressões capazes de desencadear terremotos, diz artigo publicado na edição mais recente da revista Science. Os autores, de instituições dos EUA, Canadá e Reino Unido, valeram-se de dados de satélite para medir a deformação de superfície causada pela injeção de líquido em áreas petrolíferas do Texas, e calcularam que o aumento de pressão causado por esse processo foi suficiente para desencadear um tremor de magnitude 4,8 registrado em 2012.

Holograma
de som

Uma placa de plástico, fabricada por impressão 3D, mostrou-se capaz de modular ondas de ultrassom e produzir hologramas acústicos – campos sonoros complexos que podem ser usados para manipular e mover objetos na água ou no ar, de forma controlada. A placa é colocada diante do alto-falante que emite o ultrassom.

O desenvolvimento e o teste da placa são descritos na Nature. A técnica demonstrada foi capaz de produzir o desenho de uma “pomba da paz” a partir de partículas suspensas num líquido, e de manter uma gota d’água flutuando no ar. Os autores, de instituições alemãs, escrevem que o sistema é capaz de levitar objetos com uma densidade máxima comparável à do alumínio.

“Esperamos que, com transdutores maiores e mais potentes, será possível gerar imagens mais complexas e manipular objetos de densidades mais elevadas”, escrevem.  “Transdutor” é o nome dado a aparelhos que convertem uma forma de energia em outra – no caso de alto-falantes, sinais elétricos em som.

Ossos de
Anticítera

Descobertos por pescadores no início do século passado, os restos do naufrágio de um navio mercante de 2000 anos atrás, ao largo da ilha de Anticítera, na costa grega, tornou-se mundialmente famoso por revelar a chamada “máquina de Anticítera”, um complexo mecanismo de rodas e engrenagens que permite calcular a posição de corpos do sistema solar. Essa máquina às vezes é citada como o mais antigo computador conhecido.

No final de agosto, pesquisadores que estudam o naufrágio de Anticítera fizeram uma nova descoberta: ossos humanos, preservados por baixo de camadas de cacos de cerâmica e areia. A informação é do serviço Nature News, da revista Nature. Especialistas ouvidos pela publicação notam que encontrar ossos humanos em naufrágios antigos é algo raríssimo – os ossos são comumente espalhados e destruídos pela vida marinha e pelas correntes.

Ossos já haviam sido encontrados nos restos de Anticítera por Jacques Custeau em 1976, mas o novo achado abre caminho para que se tente extrair e analisar DNA.

Menos oxigênio
no ar

A atmosfera terrestre já conteve mais oxigênio no passado, revela estudo dos gases aprisionados em antigos núcleos de gelo da Antártida e da Groenlândia. A análise, conduzida por cientistas da China e dos Estados Unidos, foi publicada na Science. O trabalho revelou uma queda de 0,7% na concentração atmosférica do gás ao longo dos últimos 800 mil anos.

A presença de oxigênio na atmosfera terrestre é um fenômeno intimamente ligado à evolução da vida no planeta, e a processos geológicos. O trabalho estima que, ao longo do período compreendido, os mecanismos que removem oxigênio do ar foram 1,7% mais eficientes que os que liberam o gás.

Primeiros
anzóis

Os mais antigos anzóis de pesca já descobertos foram encontrados numa caverna da ilha de Okinawa, no sul do arquipélago japonês, informa artigo publicado por arqueólogos japoneses no periódico PNAS. Os artefatos, feitos de concha, datam de 23 mil anos atrás. Anzóis semelhantes, mas um pouco mais recentes, já haviam sido descobertos na ilha de Timor e em Papua-Nova Guiné, o que demonstra a ampla disseminação dessa tecnologia.

Genética da
pré-história

Três artigos publicados na revista Nature da última semana buscam oferecer pistas sobre o caminho que a espécie humana traçou ao se espalhar a partir de seu local de origem – o continente africano – e ganhar o mundo.

Envolvendo os genomas de 787 indivíduos de 280 diferentes populações, incluindo grupos não-europeus que raramente são representados nesse tipo de levantamento, o conjunto de trabalhos produziu resultados que, de acordo com comentário publicado na mesma edição da revista, podem ser encaixados nas duas principais hipóteses sobre a migração humana original: a de que ela se deu numa única onda, que depois se dividiu em duas frentes, ocidental e oriental, ou de que houve diferentes ondas, com uma dispersão inicial rumo à Ásia-Oceania, seguida depois por um segundo grupo que viria a ocupar o Oriente Médio e a Europa. 

Um dos trabalhos chega a sugerir que o povoamento inicial da Austrália, pela população que viria a originar os aborígenes atuais, envolveu o cruzamento dos humanos primitivos com uma espécie ainda desconhecida de hominino. “Estes estudos preenchem parte do quebra-cabeça da história humana, mas muitas questões fascinantes permanecem”, diz o comentário.

Luta de
classes

A Nature da última semana traz uma seção especial sobre desigualdade. Em um dos artigos que compõem o especial, Mike Savage, codiretor do Instituto de Desigualdades Internacionais da London School of Economics exorta os cientistas sociais a chegar a uma definição comum de “classe”.

Ele chama atenção para o impacto das divisões de classe em eventos políticos recentes de grande importância, como o voto pela saída do Reino Unido da União Europeia.

 Savage argumenta que as diferentes abordagens da questão de classe social no meio acadêmico – com recortes baseados em renda, emprego, tipos de capital (cultural, social, econômico), etc. – têm implicações graves, já que afetam “como os governos tratam as desigualdades cada vez maiores” em suas sociedades.

Números
e visão

Pessoas cegas de nascença usam parte do córtex cerebral visual para processar equações matemáticas, diz artigo publicado no periódico PNAS. Já pessoas que enxergam, mesmo com os olhos vendados, não ativam essa região do cérebro ao realizar a mesma tarefa.

O trabalho, realizado por pesquisadores ad Universidade Johns Hopkins, pediu a voluntários – cegos de nascença ou pessoas que veem, mas de olhos vendados – que resolvessem contas simples e pequenas equações mentalmente, enquanto eram submetidos a um exame de ressonância magnética funcional (fMRI).

Nos dois grupos, as áreas do cérebro normalmente associadas ao trabalho matemático foram ativadas, mas os cegos – e apenas eles – se valeram também de parte das regiões que, nas populações que enxergam, cuidam do processamento visual. “Os resultados sugerem que a experiência pode alterar radicalmente a base neural do pensamento numérico”, diz o artigo.

Por um
fio de cabelo

Fãs de livros, filmes e seriados policiais sabem que é impossível identificar um suspeito pelos fios de cabelo achados na cena do crime, a menos que eles tenham sido arrancados com a raiz, pois é nela que se encontra o DNA. Mas isso poderá mudar em breve: trabalho publicado no periódico PLoS ONE apresenta uma tecnologia que tem o potencial de inferir características únicas do DNA do suspeito a partir das proteínas que constituem o fio.

As técnicas de “impressão digital” genética se valem da identificação de polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs, ou “snips”, como são chamados em inglês), variações pontuais na sequência de bases que forma a molécula de DNA.

Os autores do novo trabalho, baseados nos Estados Unidos e no Reino Unido, notam que alguns SNPs, chamados SNPs não-sinônimos (nsSNPs) podem se traduzir em variações na composição de proteínas, incluindo as que vão formar o fio de cabelo. Essas variações, os polimorfismos de aminoácido único (SAPs), estão na base da nova técnica.

Para testar a abordagem, os autores usaram espectrometria de massa a fim de caracterizar as proteínas dos fios de cabelo de 66 pessoas de ascendência europeia.  Essa abordagem permitiu identificar corretamente 596 SNPs. O estudo alega que a técnica tem um poder de discriminação capaz de identificar um indivíduo em um grupo de 12,5 mil.

“Passos adicionais precisam ser dados para que o método possa ser aplicado num contexto forense, além do bioarqueológico”, advertem os autores. “É preciso aumentar a sensibilidade ao ponto em que informação discriminatória suficiente possa ser obtida de um único fio de cabelo, ou da fração de um único fio, para justificar o consumo de amostras valiosas ou legalmente relevantes” no processo.

Teletransporte
quântico de dados

Dois trabalhos publicados no periódico Nature Photonics documentam o teletransporte quântico de dados por longas distâncias, através de fibras ópticas. Um dos artigos trata da transferência ao longo de 6 quilômetros na cidade de Calgary, no Canadá, e o outro, por uma distância de quase 15 quilômetros em Hefei, na China.

No teletransporte quântico, não há transferência de matéria, mas a informação contida numa partícula – seu estado – é impressa em outra, distante, sem que a partícula original precise se deslocar. O teletransporte quântico pode tornar as conexões de internet muito mais velozes e seguras, mas sua implementação nas redes existentes apresenta diversos desafios tecnológicos.

As equipes canadense e chinesa desenvolveram, de modo independente, diferentes métodos para contornar essas dificuldades. Em comentário que acompanha os artigos, o pesquisador francês Frédéric Grosshans afirma que “no longo prazo, os dois artigos demonstram que a possibilidade de redes quânticas com a amplitude de cidades são uma proposição realista, uma visão estimulante do futuro”.