O crescimento dos casos de infecções hospitalares causados por bactérias, especialmente nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), levou à reintrodução de uma das únicas armas no mundo no combate às bactérias resistentes: as drogas polimixinas E (colistina) e B. É que elas tinham deixado de ser usadas por décadas, sobretudo por serem nefrotóxicas e desencadearem lesões renais. Com isso, conseguiram driblar o modo de ataque das bactérias, que se “esqueceram” delas.
Por outro lado, as bactérias foram criando resistência a algumas classes de antibióticos por meio de seus mecanismos bioquímicos, fazendo com que esses medicamentos perdessem a função de matá-las. "E hoje existem várias classes de antibióticos disponíveis no mercado, sendo a das penicilinas a mais comum. Contudo, só as polimixinas têm conseguido eliminar as bactérias super-resistentes”, lamenta Patrícia Moriel, farmacêutica clínica e docente da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF). A professora há anos vem investigando o tema em busca da inibição das bactérias. "O caminho que vem sendo trilhado é a escolha de um antibiótico ao qual elas sejam sensíveis", salienta.
Para a especialista, é preocupante a falta de antibióticos para eliminar as bactérias mais resistentes e a falta de perspectiva de novos medicamentos. Para se ter uma ideia, bactérias comuns têm a capacidade de se duplicar a cada 20 minutos aproximadamente.
Segundo a docente, hoje nos hospitais muitos pacientes morrem com infecção por bactéria, e não pelo mesmo motivo da sua internação. Várias razões levam a essa maior suscetibilidade para adquirir bactérias. Mas normalmente as bactérias hospitalares já são por si mais resistentes pelo seu contato com multi-tratamentos.
Na FCF, existe hoje uma movimentação de pesquisas básicas de professores de química farmacêutica na área de modificação molecular, para identificar novas moléculas. Mas, para essa nova molécula gerar um medicamento, vai um longo tempo. Tem ainda que se considerar o interesse da indústria farmacêutica.
Contra-ataque
Patrícia relata que, para inibir o crescimento das bactérias, os hospitais estão criando agora grupos de segurança do paciente e protocolos de higienização das mãos. Também é preciso levar em conta que existe uma maneira adequada de tomar os antibióticos. Há aqueles para ingerir em dose única, três dias, sete dias e dez dias, e é necessário seguir religiosamente o que o médico prescreveu.
Além disso, nesse momento é muito importante a participação de um farmacêutico clínico, ressalta Patrícia, pois ele é o profissional que vai orientar como ingerir o medicamento: se com água, leite, em jejum, com alimentação. Cada medicamento exige uma forma de administração e, na dúvida, as pessoas devem tomar o medicamento com água, aconselha.
Algumas redes de drogarias estão promovendo mais recentemente cursos para os seus farmacêuticos saberem mais sobre farmácia clínica. Com essa visão, dá-se uma melhor atenção ao paciente e esse atendimento produz um efeito que acaba retornando para o próprio estabelecimento.
Outros aspectos a serem observados são as interações entre medicamentos, que podem reduzir os seus efeitos; a não interrupção do antibiótico, mesmo que a pessoa apresente melhora do quadro clínico; e o horário, que deve ser seguido à risca para manter a concentração das substâncias no sangue.
Legislação
Em 2011, saiu uma legislação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) referente ao uso irracional dos antibióticos. Anteriormente, as pessoas iam à drogaria e conseguiam comprá-los sem receita médica. Hoje o Conselho Regional de Farmácia (CRF) está tentando estimular ações para que a farmácia seja um estabelecimento de saúde, não um ponto de comércio, pontua Patrícia.
Hoje a Anvisa preconizou que a venda estivesse atrelada com a retenção da prescrição médica. "Ocorre que muitas drogarias acabam vendendo sem receita. Parte da população acha isso interessante, entretanto precisa acordar para essa realidade. Se tem uma legislação, isso tem uma razão”, defende.
Quando essa legislação surgiu, a FCF fez um trabalho para identificar como ela atuaria na resistência a essas bactérias na comunidade. Foi estudada infecção urinária antes e depois da implantação da legislação. Observou-se que é muito prescrito ciprofloxacino para infecção urinária. Só que 30% a 35%, no caso das bactérias de Campinas, são resistentes a essa droga, o que estimula o aparecimento de infecção urinária de repetição.
"Deveríamos ter dados epidemiológicos para cada cidade e protocolos clínicos. Alguns protocolos no Brasil não recomendam o tratamento com ciprofloxacino. E ele foi o mais prescrito na nossa região”, comenta a especialista. “É preciso tentar isolar os pacientes com essas bactérias para que não haja proliferação e que a comunidade em geral não os use indiscriminadamente.”