Ser capaz de associar luz a um movimento mecânico – por exemplo, usar lasers para medir a intensidade de uma força, ou aproveitar o deslocamento de uma peça mecânica para modular um sinal luminoso – é algo fundamental não só para a realização de experimentos científicos, como também para administrar o enorme fluxo de informação que viaja por fibras ópticas, como sinais de TV a cabo ou o tráfego da internet. Descrita recentemente no periódico Optics Express, da Optical Society of America(OSA), uma criação microscópica dos pesquisadores Thiago Alegre e Gustavo Wiederhecker, do Departamento de Física Aplicada da Unicamp, pode tornar essas tarefas mais precisas e eficientes, além de abrir caminho para o estudo de questões fundamentais da Física.
Chamado “bullseye” – termo em inglês que se refere ao centro de um alvo como os usados em provas de tiro esportivo e tiro com arco – o dispositivo consiste num disco de silício com aproximadamente 24 mícrons de diâmetro, apoiado num pedestal também microscópico. O diâmetro de um fio de cabelo humano pode chegar a 100 mícrons. O disco é marcado por ranhuras circulares concêntricas, o que o torna realmente semelhante a um alvo, daí o nome.
“Imagine um par de espelhos paralelos, onde um deles pode se mover, afastando-se ou aproximando-se do outro”, descreve o pesquisador da Unicamp Thiago Alegre, um dos autores do artigo que descreve o “bullseye”, explicando o princípio geral por trás dos dispositivos optomecânicos, que associam movimento à luz.
“Conforme a distância entre os espelhos varia, o comprimento de onda da luz confinada entre eles também muda. Sabendo isso, é possível usar luz para interrogar o estado do sistema – onde os espelhos estão, com que velocidade se movem, que força atua sobre eles”, exemplifica. “Se controlarmos os espelhos, podemos usá-los, por exemplo, para modular a luz. Já se eles forem bem leves e pequenos, podemos então usar a pressão gerada por um raio de luz para movê-los. Assim, acabamos usando luz para modular ou filtrar a luz”.
Em termos práticos, dispositivos assim podem ser usados em sensores de movimento ou aceleração, como os que existem nos modernos smartphones, ou no controle do fluxo de dados por fibras ópticas.
O “bullseye” é um tipo especial de dispositivo porque, além de ter tamanho minúsculo (centenas de unidades podem ser integradas num chip de poucos milímetros quadrados), também pode ser fabricado em grande escala – é compatível com os processos industriais existentes – e seu design permite que as partes óptica e mecânica sejam ajustadas separadamente. “Fizemos um design distinto dos que já existiam, que consegue lidar com o problema de confinamento da luz e das ondas mecânicas, mas se adequando às regras de fabricação da indústria”, disse Alegre.
“A forma como a luz e as ondas mecânicas são confinadas no dispositivo é uma das inovações desse design”, disse o principal autor do artigo que descreve o dispositivo, o aluno de doutorado Felipe Santos.
“A luz é confinada na borda por um efeito de reflexão interna total, ela pode ficar por um longo tempo dando a volta no disco. Esse é o confinamento óptico”, disse ele. “Na parte acústica, o confinamento está ligado àquelas ranhuras circulares no disco. Elas criam regiões de frequência proibidas para a onda mecânica se propagar, de modo que ela fica confinada na borda. E é isso que dá a liberdade de sintonizar mecanicamente ou opticamente, de forma independente. Para sintonizar opticamente eu tenho de mudar só o tamanho total, o raio total do dispositivo, e para sintonizar mecanicamente eu tenho que controlar, basicamente, o tamanho da região onde a onda mecânica vai ficar e essa grade circular de confinamento”.
“Essencialmente, nesses dispositivos bullseye, os modos de vibração que acoplam com a luz são os modos que ficam perto da luz. Então, se a luz fica na borda, a vibração tem que estar perto da borda para que haja interação. Não adianta a vibração mecânica estar perto do centro, ela não vai conversar com a luz, porque para nas ranhuras”, acrescentou Alegre.
Em termos de ciência básica, o design do bullseye poderá ajudar no estudo das fronteiras entre o mundo da física clássica e o da física quântica, disse o pesquisador.
“A luz pode exercer força, exercer pressão e aumentar ou diminuir a amplitude de vibração do modo mecânico. Em termos de pesquisa fundamental, tem uma coisa muito interessante que é você parar a vibração”, descreveu Alegre. “Com a luz, podemos retirar energia das ondas mecânicas a ponto de seu modo de vibração estar quieto, ou melhor, fundamentalmente quieto, tão quieto que sua temperatura efetiva seja próxima ao zero absoluto”.
“Quando a temperatura efetiva chega a esse ponto, as questões fundamentais aparecem naturalmente, porque, embora seja minúsculo, o disco ainda é enorme em termos de teoria fundamental”, disse ele.
“Há bilhões ou trilhões de átomos nessa estrutura, mas eles estão todos quietos, agora. Comportando-se de uma maneira que só é prevista pela mecânica quântica. E aí você começa a olhar para esses dispositivos e se indagar: se os movimentos mecânicos são descritos pela mecânica quântica, mas esse objeto tem o tamanho de um objeto clássico, será que não podemos então ver essa transição entre coisas que são pequenas, e sempre se comportam quanticamente, e coisas que são grandes e sempre se comportam classicamente?”
Além de Felipe Santos e dos pesquisadores Thiago Alegre e Gustavo Wiedehecker, o artigo é assinado pelos alunos de pós graduação Yovanny Espinel, Gustavo Luiz e Rodrigo Benevides.