O câncer de intestino grosso apresenta um bom prognóstico, quando detectado precocemente. Um trabalho pioneiro no país, nessa linha, vem sendo encabeçado pelo Centro de Saúde da Comunidade (Cecom) nas dependências da Unicamp há cinco anos: a Campanha de Prevenção de Câncer de Cólon, que conta com a adesão de toda a Universidade. A iniciativa visa à prevenção e qualidade de vida das pessoas. Já foram viabilizados 22.582 testes de sangue oculto nas fezes, responsáveis pelo diagnóstico. No mês de março próximo, começa a sexta edição da campanha.
Pouco mais de dez mil pessoas até aqui decidiram-se pelo exame. Cerca de 10% (1.187) delas tiveram exame positivo (alterado) e foram convidadas a passar por colonoscopia. Foram achados e retirados 624 pólipos (lesões pré-malignas) ao longo de cinco anos, evitando-se 624 chances de desenvolver o câncer de intestino. No período, foram diagnosticados dez casos de câncer, mas todos iniciais e sem indicação de quimioterapia, e, no último biênio, felizmente não houve sequer um caso de câncer diagnosticado.
Segundo o coloproctologista Cláudio Coy, idealizador da campanha, a expectativa é de que futuramente o teste integre a rotina de atendimento no Brasil, pois o câncer de intestino é o segundo responsável pelos óbitos, quando se trata de câncer. “Se tratado em fases iniciais, ele tem cura e pode prescindir da necessidade de quimio ou radioterapia. Ocorre que o câncer de cólon e o de reto, que constituem o intestino grosso, são frequentes e ainda hoje são desconhecidos da população. E, em geral, como são assintomáticos, são encontrados em fases muito avançadas”, lamenta ele.
Normalmente, o fator de risco para câncer de intestino está mais associado à idade acima dos 50 anos, e não tem relação com antecedente familiar. Se diagnosticado na fase assintomática, a sobrevida fica em torno de 90%. Se diagnosticado na fase sintomática, ao contrário, esse percentual cai para menos de 50%, requerendo tratamento quimio ou radioterápico, por isso da importância de realizar o diagnóstico precocemente.
Muito se divulga hoje o valor dos exames de próstata e de mama, mas dificilmente o de intestino. Na Unicamp, esse modelo é encorajado a partir dos 50 anos, pois o pico de incidência acontece após os 60 anos. Então o ideal é que a prevenção comece pelo menos dez anos antes, de acordo com Coy.
Histórico
A campanha na Unicamp começou com um projeto piloto em cinco unidades em 2011. A partir de 2012, ela se tornou permanente no campus de Barão Geraldo. Depois, foi levada ao Colégio Técnico de Campinas (Cotuca) para os campi de Limeira e de Piracicaba e para o escritório de São Paulo. Com esse formato, a campanha é inédita no Brasil porque faz acompanhamento da mesma população desde 2011. Iniciou com 4.168 testes e vem mantendo essa média.
“Quando o teste resulta positivo, com sangramento nas fezes, não se repete o exame, e o caso é encaminhado para colonoscopia”, revela o médico. Via de regra, os pólipos são extraídos, ressecados, e esse paciente pode ficar até cinco anos sem indicação de exame. No entanto, as pessoas devem continuar sendo seguidas, uma vez que os pólipos podem retornar. "Quando o teste dá negativo, deve ser repetido anualmente, para maior eficácia", aconselha ele.
Esse tipo de câncer origina-se de uma lesão benigna (o pólipo) e pode demorar até dez anos para se manifestar. Quando a pessoa recebe o diagnóstico, a patologia já avançou. Daí as manifestações mais comuns são alterações do hábito intestinal, sangramentos visíveis e anemia. Por isso é indicado investigação para qualquer tipo de sangramento.
O maior benefício da campanha é a conscientização, salienta a cardiologista Patrícia Asfora Falabella Leme, coordenadora do Cecom. "Nas primeiras intervenções nas unidades, havia muita resistência das pessoas quanto ao assunto e quanto ao exame. Hoje, a maioria compreende o que queremos destacar”, atesta.
Lila Cruvinel, assessora do Cecom para projetos e programas de prevenção, informa que no momento existe um cronograma anual em curso e que a equipe da campanha visita, com assiduidade, pelo menos 100 locais diferentes. Começou com 89. No cronograma, consta o mês e o dia em que a equipe vai levar e buscar o teste em cada unidade. As pessoas recebem um kit que inclui, além do teste, uma carta com instruções sobre a campanha.
O exame é simples e analisa sangue nas fezes que não é visto a olhos nus. Em caso de positividade, indica que o sangramento decorre de alguma inflamação, trauma ou pólipo. O paciente pode coletar as fezes em casa num recipiente e a amostra é avaliada em laboratório.
Coy comenta que o diagnóstico precoce melhora as chances de cura. Nos últimos anos, os tumores vêm sendo ressecados durante a colonoscopia, eliminando a necessidade de intervenções mais extensas.
Um dos objetivos da campanha era fazer uma avaliação após dez anos, observando a redução da mortalidade e da incidência de cânceres avançados malignos. Na campanha, fala-se em uma queda de mortalidade de até 30%, e mais pessoas continuam aderindo à iniciativa, conta o coloproctologista.
Benefícios
Os cânceres mais incidentes no país são os de próstata e mama (exceto pele não melanoma). Na Região Metropolitana de Campinas (RMC), o tumor de intestino é o segundo em mulheres e o de pulmão em homens. No Brasil, são 150 mil casos novos de câncer de intestino grosso por ano. “Pelo que verifiquei, tanto pacientes como profissionais da saúde desconheciam muito sobre essa patologia”, expõe Coy.
Em sua opinião, graças à campanha, são vários os ganhos, entre eles diminuição da mortalidade, da morbidade e do custo de tratamento. Não se rastreava esse câncer. Agora algumas pessoas da comunidade da Unicamp vão hoje para seus médicos fora da Universidade, onde esse rastreamento passou a ser feito de rotina.
Segundo Patrícia Leme, até já existia uma diretriz, entretanto não era tão divulgada ou cada profissional acabava se dedicando a estudar apenas a sua especialidade. "Com a campanha da Unicamp, mais médicos passaram a solicitar pesquisa de sangue oculto nas fezes para pacientes a partir de 50 anos. Isso se espalhou. A campanha começou na comunidade e teve um efeito multiplicador, educativo, preventivo e de conscientização."
A ideia é retirar o pólipo antes dele se tornar um câncer, "por isso nosso slogan é ‘Sem pólipo, sem câncer: faça o teste’. O ideal é que essa campanha seja eficaz, para a prevenção também ser eficaz”, frisa a coordenadora do Cecom. Fruto desse esforço coletivo, essa campanha foi premiada pelo Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva e pela Sociedade Brasileira de Coloproctologia. Na Unicamp, ganhou o primeiro lugar no Prêmio Paepe (Profissionais de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão) de 2014.
Ao discutir o futuro da campanha, Coy acredita que devem aumentar as adesões, que as pessoas devem ter mais consciência da doença e que devem valorizar esse trabalho que está sendo oferecido para elas e para a saúde. “Na Unicamp, as adesões estão em torno de 60%. Em países nórdicos, ela chega a 80%. É isso o que queremos.”
A campanha envolve uma parceria entre Cecom e Faculdade de Ciências Médicas (FCM). "A missão do Cecom não é só fazer assistência em saúde e sim também prevenção e promoção, cuidando da saúde integralmente. A Reitoria contribuiu muito ao direcionar recursos para os testes, agora incorporados ao orçamento do Centro de Saúde da Comunidade. Ela entendeu que essa campanha deveria ser perene e importante para as pessoas”, constata Patrícia Leme, que comemora os bons resultados nesses cinco anos.