Pesquisadora do CMU recupera história italiana de Sousas

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​Memórias de Adazil Bertazolli (no centro) no carnaval
Memórias de Adazil (ao centro) no carnaval de Sousas (Foto: Divulgação)

A historiadora e pesquisadora do Centro de Memória Unicamp (CMU) Ana Carolina de Moura Delfim Maciel está recuperando a história italiana do distrito de Sousas, em Campinas (SP). Esse trabalho já conta com vários relatos gravados em vídeo e devem ficar sob a guarda do órgão para consulta no novo site do CMU, que entrará em operação em breve. "Espero que esse material inspire pesquisas que possam redimensionar presença e legados italianos em terras paulistas”, afirmou Ana Carolina, que também é pesquisadora associada do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e presidente da Associação Brasileira de História Oral (2016-2018).

A notícia da recuperação da história dos italianos do distrito de Sousas coincide com a comemoração, neste 21 de fevereiro (terça-feira), do Dia Nacional do Imigrante Italiano. A data é uma homenagem à expedição de Pietro Tabacchi ao Espírito Santo, em 1874, evento que sinalizou o início da migração em massa dos italianos para o Brasil.

Ana Carolina disse que tem uma relação de grande afeto com a imigração italiana por causa dos bisavós que vieram da Itália e, quando ingressou no CMU, em 2015, juntamente com a professora Olga von Simson, coordenou um grupo de trabalho sobre Memória da Imigração, que ainda está em pleno funcionamento. “Pensei que seria uma excelente oportunidade para me dedicar ao tema. Mudei-me de SP para Campinas e fui morar em Sousas. Aos poucos, percebi uma presença italiana muito forte no distrito. Comecei a notar pelos nomes das ruas, pelo sotaque mais cantado, diferente do sotaque campineiro. Fui percebendo sutilezas que sugeriam ser dessa herança italiana.”
 

Ana Carolina obtém depoimentos de imigrantes
Ana Carolina obtém depoimentos sobre a imigração italiana (Foto: Antonio Scarpinetti)

Descobriu a sede da Societá Italiana Lavoro e Progresso, que há anos existe em Sousas, no lugar do antigo teatro da cidade. Foi recebida pelo atual coordenador da Societá, Vitório Palumbo, um italiano que veio para cá no pós-guerra para trabalhar na empresa Merck Sharp Dome. A Societá foi fundada em 1894 para auxílio à comunidade imigrante. Tal edificação, bem como suas atividades de fomento à memória e à cultura italianas, resistiu ao tempo e, ainda nos dias atuais, prossegue difundindo a cultura italiana. Nela, são ofertados cursos de italiano, realizam-se os festejos italianos e fomenta-se o encontro entre famílias italianas.

A ideia da historiadora era entender um pouco a presença italiana em Sousas. “Parti desse universo menor justamente por eu residir lá e por ser uma tarefa estimulante, o que não me impede de expandir a pesquisa para Campinas. Foi apenas um primeiro passo na investigação, mas uma grande descoberta para mim”, expôs. "Temos urgência nesse trabalho. Não podemos perder um tempo que as pessoas não têm”, salientou.

Sede da Societá Italiana Lavoro e Progresso em Sousas
Sede da Societá Italiana Lavoro e Progresso em Sousas (Foto: Divulgação)

Alteridade
Ana Carolina tem três depoimentos pré-editados até o momento, com a colaboração do mestrando do Instituto de Artes (IA) Felipe Parolin. O primeiro depoimento foi de Vittorio Palumbo, que aceitou gravar o relato sobre a sua trajetória biográfica, desde a sua vinda ao Brasil. Ele morou inicialmente em SP e depois mudou para Sousas, no final da década de 1950. Seu depoimento ganhou amplitude e outros entrevistados foram chegando. Vittorio apresentou Hélio Beltramelli, neto de italianos, e a dona Adazil Bertazolli, filha de italianos.

Os entrevistados descreveram um pouco da tradição italiana e como era essa convivência no distrito. Nos primeiros anos do século 20, o contingente populacional de dois mil moradores radicados no vilarejo era predominantemente italiano, sendo que a este se somavam 28 mil habitantes da zona rural. Apurou-se que as escolas em Sousas ensinavam em italiano e que os recém-chegados vinham para trabalhar nas fazendas de café, isso já no final do século 19 e início do 20. Veja a seguir trecho do depoimento do italiano Vittorio Palumbo.

A pesquisadora destacou que tinha muita vontade de fazer um trabalho de campo semelhante ao que viu em Óbidos, cidade amazônica para onde foram muitos imigrantes italianos. Eles colocavam placas em frente das suas casas com o nome de suas famílias e a região da Itália de onde partiram e quando partiram. “Muito bonito esse trabalho. Entretanto, eu precisaria de apoio financeiro para colocar as placas e as informações nas casas e nas fazendas. Já temos um bolsista mas precisamos de mais apoio ainda”, esclareceu. “Pretendo ampliar o escopo  de entrevistados e prosseguir captando as suas lembranças. Trata-se de uma geração que tem por volta de 80 anos. Muitos estão levando consigo essa história que, sem o devido registo, fatalmente se perderá."

O trabalho da pesquisadora tem sido o de conversar com os depoentes para saber fatos prosaicos. “Não pretendemos registrar 'grandes eventos'. Nosso enfoque são suas trajetórias de vida e o que eles lembram (ou preservam) dessa tradição”, informou. “Tenho registros de canções que as avós cantavam em dialeto italiano. Alguns me passaram receitas de pratos tradicionais, como a polenta na pedra, e que envolviam longos rituais de preparo.”

Nos relatos, falava-se da tradição matriarcal da família italiana cujas mulheres tinham a prestigiosa função de aconselhar a todos antes de tomarem suas decisões. Muitos imigrantes vieram para trabalhar nas lavouras mas muitos foram morar no vilarejo central de Sousas, que ainda mantém seu núcleo de comércio, onde se localiza a Igreja de Sant’ Ana.

A pesquisadora do CMU
A pesquisadora do CMU mostra vídeo com depoimento de Hélio Beltramelli (Foto: Antonio Scarpinetti)

Nessas imediações, o pai de Hélio Beltramelli tinha uma barbearia onde aconteciam grandes encontros. Os frequentadores falavam em italiano e discutiam política e futebol em italiano. Apesar de Hélio ser naquela época apenas um menino, ele circulava por ali e se lembra muito bem das prosas.

O avô da dona Adazil tinha um entreposto comercial na pracinha central. Ela se recorda que as pessoas vinham das fazendas no fim de semana para fazer compras. Levavam bolsas ou sacos nas costas com os produtos comprados. O transporte de Sousas para Campinas não era fácil. Então o vilarejo se projetou de modo a procurar resolver tudo ali. Para isso, havia mercado, farmácia, restaurantes, lojas de material para construção e outros pontos de comércio.

Ana Carolina convida os moradores de Sousas para, quem tiver essa tradição italiana, que entre em contato com ela por e-mail. A sua expectativa é conseguir mais depoimentos e mais voluntários para encampar esse projeto.

Imagem de capa
Adazil Bertazolli (no centro) durante carnaval

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Escritor e articulista, o sociólogo foi presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais no biênio 2003-2004