“A valorização dos espaços abertos de uso coletivo permite que ações de cidadania se manifestem”, explica Flávia Brito Garboggini, quando questionada sobre a polêmica envolvendo o mural da Praça das Bandeiras da Unicamp e a Comissão da Verdade, que culminou com a instalação de uma placa-totem homenageando os membros da comunidade acadêmica punidos pela ditadura militar e repudiando golpes contra o Estado de direito democrático, em março do ano passado. A arquiteta e pesquisadora, responsável pelo projeto de requalificação da Praça das Bandeiras de 2011, do qual o mural fez parte, não encara o ocorrido como crítica negativa ao projeto, pelo contrário explica que o debate é a melhor comprovação da sua tese.
“Esse evento comprova e demonstra o papel social que a arquitetura dos espaços abertos pode assumir. Ao motivar a apropriação dos espaços de uso coletivo para ações de cidadania, qualificam a experiência universitária e tornam-se referência para outras ações urbanas”, afirma a pesquisadora, que é também funcionária da recém-criada Coordenadoria de Planejamento Físico Territorial da Unicamp (CPlan), vinculada à Coordenadoria Geral da Universidade (CGU). O episódio é assunto do livro Por uma Arquitetura dos Espaços Abertos – a reabilitação do campus da Unicamp no século XXI, lançado recentemente pela Editora Unicamp, como parte da coleção Unicamp ano 50. A publicação conta a história da ocupação do campus, ao longo das suas cinco décadas de existência, apresenta uma visão crítica da situação atual de problemas urbanos enfrentados pela Universidade e discute cenários urbanos possíveis para a Unicamp do século 21.
Segundo Flávia, a cultura de ocupação do território da Unicamp esteve, nas ultimas quatro décadas, focada nos edifícios, tendo sido os aspectos urbanísticos do campus relegados a planos secundários. “Muitos prédios ficaram prontos sem ter ao menos o projeto do acesso”, conta. Seu trabalho volta-se para o oposto, envolve tudo o que não é edificação: praças, calçadas, ruas, reservas ambientais, espaços residuais cercados por edifícios, por exemplo. Sua tese é a de que é possível reabilitar o campus tratando os espaços abertos como protagonistas.
Conforme explica a pesquisadora, a solução para alguns dos principais problemas urbanos do campus passa por essa mudança de paradigma. “O foco é a valorização do espaço público para o pedestre, não para o veículo”, pontua. Ela destaca que essa é uma tendência mundial das grandes metrópoles, que enfrentam problemas equivalentes aos vividos no campus, guardadas as proporções. “Não adianta simplesmente fazer mais e mais estacionamentos, nunca será suficiente. É preciso um replanejamento de conjunto, que pense sistemas de mobilidade, incluindo outros modais de transporte e novas possibilidades para o deslocamento das pessoas, assim como as questões relacionadas à acessibilidade”.
A segurança, que se insere dentro de um tema maior que é a sustentabilidade socioambiental, é outra questão diretamente abordada no projeto piloto de sua pesquisa – o Plano de Requalificação da Praça do Ciclo Básico, concebido em 2006. Esse plano que foi parcialmente executado pela Universidade, criou oportunidades para novos usos da praça, abriu caminhos e rotas acessíveis, iluminou e dotou a praça de equipamentos urbanos essenciais. “Os espaços em uso pelas pessoas propiciam segurança. O esvaziamento da cidade é seu maior mal”, assegura. “Na medida em que você possibilita e cria alternativas para que atividades aconteçam, você torna os locais mais seguros, pois as pessoas se sentem motivadas a ocupá-los efetivamente.”
Obedecendo à metodologia de pesquisa-ação, que pressupõe ciclos de produção teórica e ação prática, a autora revisita, três anos depois, sua tese de doutorado e as reformas realizadas no campus a partir dela para escrever o livro. “A universidade é dinâmica, como todo espaço urbano. No livro, eu faço uma leitura crítica dos projetos propostos e executados a partir da pesquisa e avalio seus desdobramentos”, explica Flávia. Na pesquisa inicial para o doutorado, o plano para a Praça do Ciclo Básico figurava como projeto piloto, que propunha conceitos e diretrizes urbanísticas a serem adotados neste e nos outros campi, visando criar uma identidade visual que fortalecesse a imagem da Universidade. “A ideia era que as diretrizes estabelecidas para essa praça, no que diz respeito aos espaços de uso público se tornassem protótipos, padrões urbanísticos, para serem aplicados em outras áreas do campus. E isso realmente aconteceu”, conta a arquiteta.
Por uma Arquitetura dos Espaços Abertos – a reabilitação do campus da Unicamp no século XXI. Flávia Brito Garboggini, Editora Unicamp, 2016, p.384, R$76,00. (veja no site da editora)