Em entrevista ao Portal Unicamp, os professores da Faculdade de Engenharia de Alimentos Marise Rodrigues Pollonio e Sérgio Bertelli Pflanzer, especialistas da área de carnes e derivados, abordam o processamento de carnes como mortadela e salsicha, entre outros alimentos. Esse é um assunto do momento e que tem preocupado o consumidor tanto no Brasil como no exterior, após a Operação Carne Fraca, deflagrada pela Polícia Federal na sexta-feira, dia 17. Os docentes da Unicamp destacam os investimentos da indústria no setor alimentício para garantir a qualidade dos produtos brasileiros nos procedimentos de processamento, as técnicas usadas pela indústria e também os aditivos alimentares permitidos por lei. Falam também sobre os riscos do consumo de produtos que estejam inadequados e fora das normas, conforme exigem os órgãos federais, e orientam o que se deve levar em conta na hora da escolha de alimentos processados. Veja a entrevista.
Portal Unicamp - A população pode ficar tranquila quanto aos procedimentos adotados na produção de carnes processadas no Brasil?
Marise Rodrigues Pollonio e Sérgio Bertelli Pflanzer - Sim. As indústrias brasileiras, principalmente aquelas com Inspeção Federal (SIF), investiram milhões de reais em tecnologias para desenvolverem novos produtos e processos, e com isso garantir a qualidade de seus produtos. A população não deve se preocupar e pode continuar consumindo seus produtos de preferência. Cada produto processado e os cortes cárneos passam por rigoroso controle de qualidade e atendem a especificações determinadas pelos regulamentos técnicos, nos quais estão descritos quais aditivos, ingredientes e matérias-primas podem ser utilizadas e, além disso, todas as temperaturas de prazo de validade envolvidas na comercialização.
Portal Unicamp - As técnicas usadas em termos de processamento de carnes são seguras?
Marise e Sérgio - Os processos tecnológicos utilizados pelas indústrias para obtenção de produtos cárneos são os mais variados possíveis, mas um dos principais é o tratamento térmico, ou seja, a etapa de cozimento. Esse tratamento, além de auxiliar no desenvolvimento das características dos produtos cárneos, garante a segurança para o consumo. Entre as técnicas, aparece também a utilização de outras barreiras para garantir a segurança, como os agentes conservantes. Esses agentes são aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e são utilizados dentro de limites muito bem especificados na legislação. Além do mais, as condições de armazenamento incluem refrigeração ou congelamento, o que minimiza ou evita completamente a deterioração ou contaminação por microrganismos que representam perigos à saúde do consumidor. Todas essas especificações estão estabelecidas no padrão de identidade dos produtos. Ainda, o tipo de embalagem e o processo (a vácuo ou não) completa a relação de itens que garante a segurança do produto. Enfatizamos que é muito importante conhecer a procedência do processador que, de forma muito simples, tem sua garantia quando o Serviço de Inspeção Federal faz parte das informações do rótulo.
Portal Unicamp - Quais são os aditivos usados pela indústria de alimentos processados permitidos por lei?
Marise e Sérgio - A Anvisa é a entidade responsável pela aprovação de uso dos aditivos alimentares, inclusive para carnes e seus derivados. Os aditivos podem ser classificados de acordo com sua funcionalidade. Uma das principais categorias é a dos conservantes, dos quais podemos citar o nitrito de sódio que, além de ajudar na conservação, auxilia no desenvolvimento da cor e sabor de produtos curados, como salsichas e presuntos. Outro grupo é o dos estabilizantes, destacando-se o uso dos fosfatos, que ajudam na retenção de água e melhoram a textura dos produtos cárneos. Temos também os antioxidantes, dos quais o eritorbato e ascorbato são os mais utilizados. Eles auxiliam nas reações de cura, contribuindo para acelerar o processo e para reduzir a formação de compostos indesejáveis à saúde. Outro aditivo ainda amplamente utilizado é o lactato de sódio, um regulador de acidez que contribui para a conservação, particularmente em produtos embutidos cozidos emulsionados, do tipo mortadela, salsicha etc.
Portal Unicamp - Quais os riscos que o consumidor corre ao ingerir carnes processadas de forma inadequada?
Marise e Sérgio - Temos que entender primeiro que tipo de inconformidade foi realizado. Quando se trata de uma irregularidade econômica, ou seja, utilizar um ingrediente que não estava previsto no Padrão de Identidade e Qualidade (PIQ), para baratear custos ou por conta de falta de uma matéria prima no mercado para balancear produtos e atender a legislação, trocando uma matéria prima pela outra (porém em bom estado sanitário), não haverá riscos à saúde do consumidor, do ponto de vista de ocorrência de doenças de origem alimentar e somente prejuízo financeiro. Pode ocorrer, no entanto, uma redução do valor nutricional. No caso de irregularidades sanitárias, como uso de matérias primas contaminadas, em estado de deterioração e um processamento térmico insuficiente para garantir a segurança, como, por exemplo, o subprocessamento térmico, em que a temperatura não foi capaz de inativar as bactérias, o produto pode trazer riscos ao consumidor. Os principais problemas podem variar de simples toxi-infecções alimentares, com possiblidade de vômito e diarreia, a doenças mais graves como intoxicações.No entanto, devido às ações da Inspeção Federal , de controles nas empresas comprometidas com a qualidade e a segurança, raramente ocorrem esses eventos.
Portal Unicamp - O que o consumidor deve levar em conta na hora da escolha de alimentos processados como mortadela, presunto, salsicha, entre outros?
Marise e Sérgio - Deve levar em conta três itens primordiais: selo de inspeção (sempre que possível o federal), temperatura de armazenamento resfriado e o prazo de validade. Depois disso, devem ser considerados apenas os atributos sensoriais, como o aspecto e coloração, além do aroma. A cor e o aroma devem ser típicos daquele produto, o qual deve ser livre de muco, também chamado de limosidade. Esse é um sinal de deterioração, mesmo que não seja patogênico. O produto então não deve ser consumido.
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