Falência do modelo prisional requer urgência no debate sobre sistema penal, apontam especialistas

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O atual modelo prisional brasileiro está falido e não cumpre as funções básicas a que se propõe, como a de reintegrar na sociedade aqueles que cometem crimes. Para os especialistas reunidos nesta segunda-feira (17) no Fórum Prisão: Para quê? Para quem?, no Centro de Convenções da Unicamp, é urgente rediscutir o sistema penal, baseado na restrição de liberdade, e pensar estratégias para que a sociedade supere o paradigma da punição como a única saída para situações problemáticas ou conflituosas.

O conceito do abolicionismo penal, que prevê o fim do Direito Penal, não é uma ideia utópica e poderia ser implantado imediatamente sem estar condicionado ao fim do Estado ou a ideais anarquistas ou anticapitalistas, afirmou o cientista social Edson Passetti, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, na conferência de abertura. Para ele, o Direito Penal considera somente o prejuízo provocado na moralidade da sociedade, e não na vítima. Segundo Passetti, a reparação ou indenização financeira da vítima seria muito menos custosa para o Estado do que a manutenção do sistema prisional.

“O Direito Civil está baseado numa relação de conciliação. Transfira esse pequeno dispositivo para o Direito Penal que se cria um processo de horizontalização em que todo saber do juiz, do promotor, do psicólogo, do sociólogo, do economista ou do assistente social estará sobre a mesa, discutindo no mesmo nível uma resposta possível àquela situação”, explicou o docente da PUC-SP. “O infrator não estará lá como sujeito da vontade sequestrada para cumprir uma pena na prisão. Ele estará lá também para pensar a sua situação. O abolicionismo penal também é uma politização positiva.”

A cada nova rebelião carcerária ou crime de repercussão nacional emerge um grande volume de opiniões e velhas teorias que deixam o problema mais nebuloso por não abordarem o problema do sistema penal de uma maneira direta, defendeu o cientista social Acácio Augusto, professor da Universidade de Vila Velha (ES). Como exemplos, ele citou o debate sobre a redução da maioridade penal e a crise penitenciária do início do ano nas regiões Norte e Nordeste.

“A prisão não se reduz a um prédio, ela é uma política e, como tal, ela é um princípio moral. Há quase meio século os abolicionistas penais insistem em mostrar como o sistema penal é um circuito que se retroalimenta, assim como Michel Foucault [1926-1984] também mostrou, em Vigiar e Punir [1975], como a prisão é, desde o seu nascimento, usada como resposta ao seu próprio fracasso, para o deleite dos reformadores.”

Ana Cláudia Camuri, doutora em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), lembrou que a população carcerária brasileira – segundo dados oficiais já defasados, referentes a 2014 –, é de 622 mil pessoas, a quarta maior do mundo. O Brasil, no entanto, passa a Rússia e só fica atrás dos Estados Unidos e da China quando contabilizadas também as prisões domiciliares. “Até 2075, se continuarmos no atual ritmo, um em cada dez brasileiros estará preso”.

"Guerra às drogas"
Pensar a questão das drogas é essencial no debate prisional, pois é a principal causa de encarceramento no país. Segundo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), de 2014, 27% da população carcerária foi presa por tráfico de entorpecentes. Maria Lúcia Karam, juíza aposentada do Rio de Janeiro, defendeu durante o Fórum que a melhor maneira de lidar com esse assunto é a legalização de todas as drogas, "pois não se pode regular ou controlar aquilo que é ilegal".

A juíza destacou que a chamada "guerra às drogas" causa mais danos que as próprias substâncias. A proibição transforma o violador da lei penal em inimigo, "aquele que assume o perfil estranho à comunidade, a quem não são reconhecidos os mesmos direitos e que, desprovidos de dignidade, perdem a sua qualidade de pessoa". Além de não tratar o problema do abuso, aponta a juíza, as políticas fracassam em impedir a proliferação das drogas e ferem diversos princípios de direitos humanos. Para Karam, a "irracional" decisão do Estado de enfrentar um problema de saúde com a abordagem sistema penal só agrava seu próprio sistema de saúde.

Ela argumenta que, com a proibição, o Estado entrega o mercado das "arbitrariamente chamadas" drogas ilícitas a agentes econômicos que atuam na clandestinidade e que não estão sujeitos a qualquer limitação reguladora. "É preciso promover uma profunda reforma das convenções e legislações internacionais e internas para se pôr fim a essa ilegítima, irracional, nociva e sanguinária política proibicionista de 'guerra às drogas', que, além de não funcionar na sua pretensão de salvar as pessoas de seus desejos, produz demasiada violência, mortes, prisões, doenças, corrupção, discriminação, opressão, violação a diretos humanos." Segundo Karam, legalização não significa permissividade ou liberação, ao contrário, significa regular e controlar, o que não acontece hoje.

Thiago Rodrigues, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), corrobora a ideia de Maria Lúcia Karam ao afirmar que a proibição das drogas serve para alimentar as prisões. "O proibicionismo não é um fracasso, mas um grande sucesso que se realiza sendo um retumbante fracasso. Cada vez que ele fracassa na sua meta de acabar com o uso de drogas, ele se renova novamente em outras práticas punitivas e ou reformistas." Para Rodrigues, a atual lei que distingue usuário de traficante, de 2006, oficializou a seletividade penal em relação às drogas ilícitas, já que é operada a partir de cortes de etnia, perfil socioeconômico e gênero.

O psicólogo Francisco Netto, coordenador executivo do Programa Institucional de Apoio a Pesquisas e Políticas Públicas sobre Álcool, Crack e outras Drogas (PACD), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), criticou a ideia popularmente disseminada da letalidade das drogas. "O que mata é o proibicionismo. O que mata é a violência, é a criminalização, a vulnerabilidade associada à criminalização." Netto atentou que, entre as drogas que mais causam mortes - a heroína e o álcool -, uma delas é liberada, demonstrando a arbitrariedade da definição. "Não há qualquer correlação entre a ilegalidade da substância e o mal que ela causa."

Para o pesquisador da Fiocruz, a prisão "não seve para nada", pois não cumpre o que deveria, não reinsere ninguém na sociedade. De acordo com ele, o proibicionismo gera sérios impactos à saúde dos consumidores no sistema público. Entre eles estão a ausência de controle das substâncias consumidas, o alto percentual de contágio pelo vírus HIV, por hepatites e outras doenças entre usuários em situação de vulnerabilidade, a dificuldade de aplicação de políticas de redução de danos, e o aumento no número de traumas físicos e mortes em decorrência das disputas e da repressão ao tráfico.

O Fórum Prisão: Para quê? Para quem? foi realizado pelo Fórum Pensamento Estratégico (Penses), Despatologiza e Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, em parceria com o Conselho Regional de Psicologia, Conselho Federal de Psicologia, Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo (SinPsi) e Sindicato dos Médicos de Campinas e Região (Sindimed Campinas). O Penses é um espaço acadêmico, vinculado ao Gabinete do Reitor, responsável por promover discussões que contribuam para a formulação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento da sociedade em todos seus aspectos.
 

Mesa de abertura do Fórum Prisão: Para quê? Para quem?
Adriana Nunes Ferreira, coordenadora do Fórum Penses
Julio Cesar Hadler Neto, secretário de Comunicação da Unicamp
A pediatra Maria Aparecida Moysés, uma das organizadoras do Fórum
Cecília Coimbra, membro do Grupo Tortura Nunca Mais-RJ
Edson Passetti, professor da PUC-SP
Público acompanha conferência de abertura do Fórum Penses
Acácio Augusto, professor da Universidade de Vila Velha (ES)
Imagem de capa
Mesa de abertura do Fórum Prisão: Para quê? Para quem?

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Escritor e articulista, o sociólogo foi presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais no biênio 2003-2004