JOSÉ TADEU JORGE
A recente divulgação dos resultados do ranking de universidades elaborado pela Times Higher Education (THE), destacando a Unicamp como a melhor universidade da América Latina, pode ter surpreendido aqueles que não acompanham mais de perto avaliações dessa natureza. Pouco mais de um mês antes, outro ranking, construído pela consultoria Quacquarelli Symonds (QS), mostrava o expressivo crescimento qualitativo da Unicamp pelo quinto ano consecutivo, evoluindo da posição 228 (edição 2012/2013) para a posição 182 (edição 2017/2018) entre as melhores universidades do mundo, em um total de 959 instituições avaliadas.
Em que pesem as limitações e inadequações dos rankings mundiais de universidades, são inegáveis os resultados positivos apresentados pela Unicamp nos últimos anos, especialmente, considerando que são classificações relativizadas pela aplicação dos mesmos critérios à todas as universidades analisadas. Outro fato a ser considerado é que, de modo geral, as universidades mais antigas e tradicionais costumam ter melhor avaliação do que as mais jovens. O resultado apresentado pela THE, por exemplo, considera cinco indicadores de indiscutível importância para analisar o desempenho de uma universidade em qualquer parte do mundo. São eles: ensino, pesquisa, citações das suas publicações científicas em outros trabalhos, transferência de conhecioportunidade mentos para as empresas e internacionalização.
Os desempenhos da Unicamp em ensino e em pesquisa no ranking da Times Higher Education podem ser considerados excelentes, mesmo se forem considerados os padrões das melhores universidades do mundo. Vale lembrar que a Unicamp é a melhor universidade brasileira na avaliação do Ministério da Educação e a melhor média, há anos, nas avaliações da Capes/MEC dos programas de pós-graduação do país. Portanto, não estamos diante de fatos ocasionais e esporádicos, havendo consistência nos resultados.
Entretanto, os dois indicadores que levaram a Unicamp ao topo do ranking da THE foram: o número de citações dos artigos publicados e a transferência de conhecimentos. O primeiro deles demonstra a competência e o prestígio dos seus professores e pesquisadores, decorrentes de dedicação, seriedade e, especialmente, condições de trabalho. O segundo decorre do pioneirismo e da eficiência dos seus programas de propriedade intelectual, licenciamentos de patentes, estímulos à inovação e parcerias com empresas.
Muitos receberam com desconfiança a divulgação dos resultados que colocam a Unicamp em primeiro lugar na América Latina, o melhor resultado de toda a sua história. Afinal, durante os últimos 12 meses, as notícias são de crise financeira, dificuldades orçamentárias e cortes de despesas. De fato, a partir de 2014, a arrecadação de ICMS, origem dos recursos recebidos pelas universidades públicas paulistas, caiu significativamente, gerando em três anos uma perda real de 15% nos seus orçamentos. Uma redução tão brutal, gerou a necessidade de otimizar investimentos e economizar recursos em várias atividades. Reconhecidamente, vivenciamos a maior crise econômica da história do Brasil.
Ao assumirmos a Reitoria da Unicamp, em abril de 2013, o saldo financeiro da universidade era cerca de R$ 1 bilhão. Tais recursos foram acumulados em anos de bons resultados econômicos, constituindo uma reserva que permitisse enfrentar tempos difíceis, se e quando ocorressem. Destaco trecho de entrevista publicada pelo Correio Popular de 13/02/2017: "Guardamos recursos para enfrentar a crise, que agora chegou. Não há nenhuma medida inesperada em usar uma reserva que foi constituída durante anos para enfrentar o momento de dificuldade quando chega a dificuldade". Ao concluirmos a gestão, em abril de 2017, o saldo existente era cerca de R$ 720 milhões.
O principal eixo qualitativo do Programa de Gestão que desenvolvemos na Unicamp foi a recomposição do quadro, que tinha atingido no início de 2013 a marca de 1739 professores, elevando para 23,2 a relação aluno/professor, a mais alta da história. Essa situação colocava em risco todas as atividades da universidade e precisava ser revertida com urgência, motivo pelo qual o projeto começou a ser implantado logo nos primeiros meses da gestão. No início de 2017 a Unicamp contava com 1909 docentes e dezenas de processos de contratações em andamento.
Com o agravamento da crise, foi tomada uma decisão consciente: as reservas seriam utilizadas, mas seguiriamos com o projeto de recomposição do quadro docente. Escolhemos o que, em nossa opinião, a universidade mais precisava. Além disso, preservamos os recursos destinados à manutenção das condições de trabalho. Administrar, principalmente em épocas de crise e escassez de recursos, é fazer opções. Fizemos aquelas que nos pareceram fundamentais para preservar a qualidade da universidade. Os resultados demonstram que agimos corretamente. A recomposição do quadro docente proporcionará à Unicamp ao final da crise e ela vai acabar bases fundamentais para sustentar o título de melhor universidade da América Latina e uma das melhores do mundo. Desde, é claro, que o quadro docente seja preservado, assim como os mecanismos e as condições propícias para o desempenho qualificado dos nossos servidores em todas as áreas em que atuam.
■ ■ José Tadeu Jorge é professor titular da Faculdade de Engenharia Agrícola, reitor da Unicamp em dois mandatos (2005-2009 e 2013-abril de 2017)
(Artigo publicado no Correio Popular em 27 de julho de 2017)