“Uma leitura histórica da Bíblia deve evitar certezas e não ocultar as dificuldades”, afirmou Frederico Lourenço, na manhã desta quarta-feira (2), no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp. Professor da Universidade de Coimbra, Frederico Lourenço, depois de traduzir obras clássicas como a Ilíada e a Odisseia, assumiu um novo desafio: traduzir a Bíblia. O primeiro volume foi lançado no Brasil no mês de julho e traz os evangelhos do Novo Testamento traduzidos do grego para o português. Segundo o estudioso, sua tradução não tem como objetivo arranjar soluções, mas enfrentar as dificuldades. “Não é uma tradução simplificada. É desafiante”, disse. Lourenço apresentou no anfiteatro do IEL a conferência “A importância das humanidades para a leitura da Bíblia no século XXI”, em evento organizado pelo professor Marcos Lopes.
As diferenças entre os livros, seus autores e a ordem em que foram escritos são algumas das questões investigadas pela abordagem histórica de Lourenço. Segundo o tradutor, seu livro traz uma fundamentação tão objetiva quanto possível para toda essa problemática. Diferente do que é encontrado na grande maioria das traduções, Lourenço ressalta que não há dados objetivos para afirmar que o autor do Evangelho de João conhecia os outros três Evangelhos. “Não há as coincidências verbais que existem nos outros três. A única frase que dizem ser exatamente igual não é, pois tem uma palavra a mais”, explicou o tradutor, “uma abordagem histórica tenta equacionar as consequências de um autor ter escrito isoladamente sem conhecer os outros textos”.
Outra preocupação do tradutor foi manter-se o mais próximo possível do original grego. Segundo ele, sua tradução mais literal busca dar menor margem de interpretações fantasiosas ou tendenciosas. “Ela não adapta nada para tornar a frase mais simpática do ponto de vista religioso ou teológico. Palavras que significam ódio são traduzidas por ódio. Quando Jesus se irrita, uma tradução católica diz que ele suspirou. Na minha tradução, está 'irritou-se'. Suspirar não é a mesma coisa. Ele pegou um chicote para afastar os vendilhões do templo. Essas coisas são consideradas problemáticas por levantarem talvez questões nos leitores e são passadas a ferro nas outras traduções. Aqui não”, enfatizou. Conforme conta o tradutor, um leitor em São Paulo lhe disse: "você deu a Jesus o direito de se irritar".