Os estudantes de Medicina da Unicamp que recorrem ao Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (Paais), implantado em 2005 pela Universidade, apresentam notas inferiores no Vestibular às obtidas por aqueles que não são contemplados pela iniciativa. Entretanto, ao longo da graduação essa diferença desaparece. No momento da realização do exame para ingresso na Residência Médica, a discrepância de desempenho entre os dois grupos inexiste. Os dados fazem parte de pesquisa desenvolvida para a tese de doutoramento da médica Gláucia de Oliveira Moreira, ainda a ser defendida. A orientadora do trabalho é a professora Eliana Amaral, pró-reitora de Graduação da Unicamp.
Gláucia apresentou parte dos resultados do seu estudo (ver texto relacionado) na manhã desta quinta-feira (24), durante o seminário “Ações afirmativas no Ensino Superior: para quê e para quantos?”, organizado pelo Laboratório de Estudos de Educação Superior (LEES). A pesquisadora explica que decidiu investigar a relação entre o Paais e o desempenho dos estudantes de Medicina porque o curso é o mais concorrido no Vestibular da Universidade, registrando em torno de 220 candidatos para cada uma das 110 vagas oferecidas.
Foram considerados os alunos que se matricularam entre os anos de 2005 a 2008 e que concluíram o curso até 2013. O intervalo de confiança das análises estatísticas, segundo a médica, é de 95%. “O que nós pudemos constatar foi que, no Vestibular, os alunos que recebem a bonificação do Paais obtêm notas inferiores às alcançadas por aqueles que não recorrem ao programa. Durante o curso, porém, o desempenho dos dois grupos se equipara. No momento do exame para ingresso na Residência Médica, não há qualquer diferença entre eles”, assegura.
A autora da pesquisa observa que o curso de Medicina tem características próprias. A diferença de preparo entre os 500 primeiros candidatos à carreira, diz, é muito pequena. “Mesmo o 400º colocado é muito bom. A diferença de pontuação entre um candidato e outro é de centésimos. Isso ajuda a explicar porque as discrepâncias registradas nas notas do Vestibular são eliminadas no transcurso da graduação”. No estudo, Gláucia também avaliou o impacto da concessão de bolsas no desempenho do graduando em Medicina.
Segundo ela, os bolsistas apresentam uma performance superior aos dos não bolsistas ao longo da graduação. As bolsas, nesse caso, parecem estimular os estudantes a ampliarem a sua dedicação às atividades acadêmicas. “Já em relação ao exame de Residência Médica, o desempenho entre os que receberam e os que não receberam bolsas foi equivalente. É importante salientar que os bolsistas apresentam uma renda familiar menor que a dos não bolsistas”, finaliza.
A pesquisadora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) da Unicamp, Cibele Yahn de Andrade, também participou do seminário. Em sua fala, ela destacou que os programas de ação afirmativa adotados pelas instituições de ensino superior brasileiras contribuíram para ampliar a presença de estudantes não brancos e de renda mais baixa nas universidades (ver texto relacionado). “Ainda assim, é uma proporção pequena, visto que esses grupos saíram de um déficit muito grande. Além disso, é preciso considerar que grande parte dessa população não é contemplada pelos programas de ação afirmativa porque sequer conclui os ensinos fundamental e médio”.
Um ponto importante a ser considerado, conforme Cibele, é a necessidade de maior diversidade no ensino superior, que ela considera que deveria ser tratado como “ensino pós-médio”. “Este tipo de ensino pode ter durações diferentes e desenvolver habilidades específicas para diferentes atividades, visto que o público a ser atendido é muito diverso. A universidade, como conhecemos no Brasil, não precisa ser o único caminho de continuidade de estudo e preparo para a vida profissional. Por isso é importante que a gente discuta essa diversidade na continuação dos estudos pós-médio”, defende.