Frente à proposta do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) e do MDIC (Ministério de Indústria e Comércio Exterior) de conceder, sem a realização de exame técnico, todas as patentes que atualmente aguardam análise de patenteabilidade do instituto, com exceção dos pedidos de patentes de fármacos, a Unicamp, por meio da Agência de Inovação Inova Unicamp, endereçou ao INPI na última sexta-feira sua manifestação à Consulta Pública nº 2, na qual apresenta ressalvas à proposta e alerta para as implicações que a ação terá na universidade, a partir da adoção do procedimento simplificado de deferimento de pedidos de patente.
A atenção da Unicamp – que é a segunda maior patenteadora do país e possui em seu portfólio 1.042 patentes ativas – recai sobre quatro eixos principais: judicialização do processo, segurança jurídica, custo de transação, e inviabilidade de aplicação e cumprimento da norma de forma democrática e igualitária entre os interessados.
Judicialização
Em relação ao primeiro item, a judicialização, uma vez feita a concessão das patentes sem a realização de exame técnico, há a possibilidade de concessão de patentes conflitantes, transferindo assim para o Judiciário uma carga de processos envolvendo propriedade industrial. Atualmente, a análise com base nos requisitos de patenteabilidade, considerando as tecnologias e anterioridades existentes, é feita na fase de exame técnico pelo INPI. Com isso, em caso de litígio, o processo se estenderia por anos, podendo inclusive ultrapassar o tempo de espera do backlog (acúmulo de patentes que aguardar análise do INPI) e o período pós-concessão da patente pelo instituto.
“O risco de concessão de patentes sem exame técnico impactará financeiramente os interessados (depositantes de patentes), considerando o custo de transação em função da transferência de responsabilidade do INPI para a judicialização. Diante da proposta apresentada, questiona-se o custo de transação e até mesmo a sobrecarga das instâncias jurídicas para casos de litígios, que poderiam ser surpreendidas com risco iminente de descumprimento de suas atribuições em tempo compatível com a necessidade de mercado”, analisa a instituição na manifestação da consulta pública.
Segurança jurídica
A segurança jurídica, por sua vez, está atrelada diretamente ao poder de barganha da instituição frente ao mercado no momento de negociação do licenciamento dessa tecnologia – permissão para uma empresa explorar comercialmente uma tecnologia da qual a universidade é detentora da patente. A Unicamp questiona qual valor terá essa patente – concedida sem exame técnico – diante de uma empresa, prevendo sair enfraquecida nas tratativas desse contrato e na negociação dos ganhos econômicos.
“A segurança jurídica conferida pela concessão de uma patente examinada tecnicamente em detrimento de uma patente concedida sem exame técnico impacta diretamente no risco de negócio, no valor do ativo intangível e consequentemente no poder de negociação para transferência de propriedade intelectual, como é o caso de Instituições Públicas que transferem tecnologias para o setor industrial, visando promover a inovação e ganhos para a sociedade”, destaca a universidade em um dos trechos do documento.
Custos de transação
Ainda que presente nos dois itens anteriores, a questão dos custos de transação foi citada pontualmente na carta aberta da Unicamp, diante da preocupação com a crise financeira que enfrenta a universidade. De acordo com a manifestação à consulta pública, no caso da universidade, se aprovada a norma, haverá uma sobrecarga de 428 pedidos de patente – ainda não examinados pelo INPI – passíveis de serem admitidos nesse processo simplificado – sem exame técnico. Dado o prazo de 30 dias, que foi apresentado na proposta de norma, será inviável para a Unicamp a admissão de todos os pedidos de patente no procedimento, impedindo assim a aplicação e o cumprimento da norma de forma democrática e igualitária entre os interessados.
“Com base na regra de finanças públicas, a norma inviabiliza a participação democrática e igualitária de Instituições Públicas que tenham um planejamento orçamentário anual otimizado e realista, com base nas despesas previstas e projeções anuais, frente à intempestividade da norma com eventual custeio de taxas extraordinárias de um grande montante de pedidos de patente que teriam carta de patente expedida sem exame, de imediato, de acordo com a ‘Consulta Pública No 2’ a respeito da norma”, pontua.
Democrático e igualitário
Nesse sentido, a universidade reclama algumas ações ao INPI para garantir que instituições públicas não sejam prejudicadas. “A Manifestação da Agência de Inovação Inova Unicamp submetida ao INPI solicita a isenção de pagamento de taxa para admissão do pedido de patente de instituição pública no procedimento simplificado (sem exame) e isenção de pagamento para expedição de carta patente (digital) de Instituição Pública de pedidos de patentes do backlog”, solicita a universidade, tendo em vista que o provisionamento de pagamento dessas taxas – que inclusive, inclui o pagamento de exame técnico – é feito a partir de um acompanhamento rigoroso dos prazos relacionados à patente com base em média praticada nos últimos anos. Dito de outro modo: a medida do INPI impactaria em custos adicionais para a universidade, que inviabilizariam o processo.
Entenda o problema
Para se ter uma ideia do montante que o backlog representa: em junho deste ano, chegou a 231.184 o número de pedidos de patentes pendentes de exames. O INPI detém hoje 326 servidores dedicados a essa função. O índice de produtividade é de 55 decisões em exame técnico por examinador por ano. Se mantido o ritmo, a projeção é de que em 2029 chegue 349.080 pedidos aguardando análise. A norma proposta pelo INPI, que está em consulta pública até o dia 31 de agosto, surgiria como uma alternativa para sanar o acúmulo de patentes. No entanto, a cada ano, entram no INPI 30 mil novos pedidos de patente. Ou seja: mesmo com a proposta de concessão das patentes acumuladas, um novo backlog – de cerca de 12 mil patentes sem considerar as patentes farmacêuticas – já surgiria no ano seguinte, tendo em vista que a capacidade da equipe técnica do INPI é de analisar aproximadamente 18 mil patentes.
Valorização e promoção de melhorias no INPI
Com base no cenário apresentado pelo próprio INPI, a aplicação da norma significaria uma solução instantânea para o backlog, mas não evitaria o acúmulo futuro de pedidos de patente. Diante disso, a Unicamp, através da Agência de Inovação, sugere: a recomposição orçamentária do INPI, a reestruturação do plano de carreira dos servidores e a entrada de novos servidores.
A Unicamp
De acordo com último ranking divulgado do INPI, relacionado ao ano de 2016, a Unicamp é a segunda maior patenteadora do país. Em seu portfólio hoje, constam 1.042 patentes ativas. Só em 2016, foram feitos 80 novos depósitos de patente. Do total do portfólio, 136 estão licenciadas ao mercado. O órgão responsável pela gestão da propriedade intelectual e de transferência de tecnologia da universidade é a Agência de Inovação Inova Unicamp.