A necessidade de refletir riscos que a educação vem sofrendo nos últimos anos, e os rumos que os educadores podem tomar para defender a escola pública, são o pano de fundo do congresso internacional Escola Pública: tempos difíceis, mas não impossíveis, que começou na segunda-feira dia 30 de outubro. O evento, organizado pela Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, reúne dezenas de educadores do Brasil e exterior, que estarão em mesas de debates e conferências no Centro de Convenções da Unicamp.
Segundo a professora Dirce Djanira Pacheco e Zan, diretora da Faculdade de Educação, o congresso começou a ser elaborado no final de 2016 quando já começavam a ser sinalizados alguns retrocessos na politica educacional e em outras áreas sociais. Segundo ela, a FE, que completa 45 anos de fundação, possui uma longa história de pesquisa e trabalho junto à escola pública. "A Faculdade de Educação tem que compartilhar o seu conhecimento e torná-lo mais acessível para a comunidade como um todo, como também estar junto à escola publica pensando a realidade difícil que a educação tem vivido nos últimos anos".
Um exemplo de atuação com a comunidade foi a iniciativa de alguns professores da faculdade quando a Câmara Municipal de Campinas tentou aprovar o projeto chamado “Escola Sem Partido”. "A FE teve uma posição atuante, com a construção de um documento de análise onde desmontamos os argumentos apresentados", lembra Dirce Zan.
A conferência de abertura do congresso, realiada na manhã desta terça-feira (31), contou com a presença de António Manuel Seixas Sampaio da Nóvoa, professor do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, Portugal. Reconhecido pelo seu extenso trabalho de pesquisa sobre a formação do educador, história e organização escolar, António Nóvoa foi reitor da universidade portuguesa e um dos responsáveis pela fusão em 2013 entre a Universidade Clássica de Lisboa com a Universidade Técnica de Lisboa, originando a atual instituição. Além disso, foi candidato a presidente da Republica de Portugal na eleição de janeiro de 2016, onde terminou em segundo lugar com 22,88% dos votos.
Em sua mesa, António Nóvoa expôs um diagnóstico sobre panorama de politicas educacionais, e propôs algumas ações que devem ser fundamentais para a formação docente em defesa de um projeto de educação pública. Segundo ele, existe uma tendência internacional de desgastar e destruir a escola pública, sendo que um deles é o uso de indicadores e testes internacionais que tendem a uniformizar a educação baseado em politicas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Outro risco para a educação publica é o incentivo para que parte da população coloque seus filhos fora do ambiente escolar para o ensino domiciliar, numa lógica onde a educação pode ser consumida como um bem privado.
António Nóvoa também vê risco que a iniciativa privada assuma a gestão de escolas públicas no lugar do Estado. “Já não se trata de criar um setor privado nas escolas e universidades. Trata-se agora de atribuir ao setor privado as escolas públicas, seja através de empresas, fundações ou outros sistemas. Com o uso de discursos de empresarialização, no fundo tem como mensagem que a educação é um grande negócio, e o público seria ineficiente para gerir”, declarou o professor Nóvoa. O sucateamento de programas universitários de licenciatura, e a desvalorização do trabalho de professor, são outros risco que pode causar grandes danos na educação pública a médio prazo.
Na avaliação de António Nóvoa, para defender a educação pública é necessário a rever modelos, valorizar a formação e o trabalho do educador, e entender a ciência como elemento central da formação dos jovens. "O conhecimento, a colaboração, a ciência e a criação são centrais para definir o que há de ser a escola do futuro. A escola do futuro não pode ficar fechada entre uma escola mínima, e uma escola transbordante. Precisamos de ambientes educativos que sejam diferentes do que os que foram construídos no século 19 nas escolas normais, que se destinavam a normatizar o ensino, o espaço, o tempo, os métodos e aprendizagens. Essa escola tem a estrutura e o ideário pedagógico que repetimos no século 20. E se nada se alterar nas nossas escolas, elas irão degradar-se e desintegrar-se, deixando de corresponder as necessidades que a sociedade tem para o século 21. E arriscamos perder as escolas públicas".
O congresso Escola Pública: tempos difíceis, mas não impossíveis continua nesta quarta-feira (1 de novembro). No período da manhã será realizada a conferência do professor David Berliner, da Universidade do Estado do Arizona, Estados Unidos, sobre a situação da educação norte-americana. E na parte da tarde o ex-ministro Renato Janine Ribeiro, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, falará sobre a educação pública brasileira. As atividades serão transmitidas nesse link.