"É preciso discutir as atuais políticas educacionais de emprego/trabalho de professores e pensar as formas de resistência face à precarização do trabalho, à flexibilização e às reformas em curso que atacam o ofício de ser professor." Com esse apelo, a professora Aparecida Neri de Souza, docente da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, falou a mais de 500 pessoas durante o IX Encontro Brasileiro da Redestrado (Rede Latino-Americana de Estudos sobre o Trabalho Docente). A iniciativa foi organizada conjuntamente pela FE, Instituto de Economia (IE) e Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Veja a programação.
Aparecida Neri, organizadora do encontro, comentou que, na década de 1970, os professores não tinham férias, os contratos de trabalho acabavam no mês de dezembro e eles só podiam voltar a trabalhar com novo contrato no começo do ano letivo. “Não tinham direito à integralidade do descanso semanal remunerado, não tinham direito a férias. No final da década de 1970, porém, os professores no Estado de São Paulo conquistaram uma série de direitos, que vieram com o processo de transição para a democracia, com os movimentos sindicais e os movimentos sociais."
Ocorre que, décadas depois, muitos professores no país passaram a não ter contrato de trabalho e alguns tinham contratos precários. Essa precarização, segundo ela, se acentuou a partir do ano 2000, quando se verificaram algumas perdas dos seus direitos. “Os contratos temporários, com duração determinada, foram construídos a partir de 2007", explicou.
O professor Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), frisou que é preciso buscar intervenção junto aos municípios e ao Estado para expressar o que a educação básica no país necessita. "As mudanças nas leis trabalhistas retrocedem à década de 1930", afirmou. Já Álvaro Hipolyto, coordenador da Redestrado, assinalou um aumento das forças conservadoras no Brasil, com a Escola Sem Partido. "São políticas retrógradas, com o governo legislando por medidas provisórias. Vamos ter que arcar com a escassez de recursos para a C&T e infelizmente não vislumbramos políticas mais comprometidas com a educação pública", pontuou.
A professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Dalila Andrade acrescentou que a Redestrado nasceu da constatação de que era necessário juntar forças para combater essa agenda conservadora. A professora Dirce Zan, diretora da FE, lembrou que a sua unidade tem investido esforços, há anos, nas políticas de formação de professores. Apesar disso, acredita que não será possível avançar muito na educação básica e superior, se não tiver melhores condições de trabalho. Em sua opinião, a perda de professores é um alerta e um caminho sem volta nas universidades, todavia a política de resistência pode ser um caminho.
O reitor da Unicamp Marcelo Knobel enfatizou que este não é um momento fácil para os gestores e que é um dilema buscar melhores condições de trabalho com os recursos atuais. "Às vezes, temos que realizar ações e buscar encontrar um ponto de equilíbrio para uma boa gestão. Mas não devemos deixar de mostrar para as pessoas que existe educação pública, que ela deve ser gratuita, de qualidade e comprometida com a sociedade", ressaltou. "Precisamos resistir, unir forças para demonstrar a importância da autonomia universitária e do trabalho docente. Isso tudo é fundamental para o país e é um dilema de todos nós.”
O evento prossegue até o dia 10 (sexta-feira) no Centro de Convenções da Unicamp e trata do “Trabalho docente no século XXI: conjuntura e construção de resistência”, com 12 painéis, 43 sessões de comunicação, 300 artigos a serem apresentados e 8 mesas-redondas.
Rede
A Rede Latino-Americana de Estudos sobre Trabalho Docente promove no Brasil a cada dois anos esse encontro entre sindicalistas, trabalhadores, professores da educação infantil até o ensino superior e pesquisadores. A finalidade é contribuir com as políticas na área de educação e fazer proposições de intervenção. Foi criada em 1999 no Rio de Janeiro, no seminário da Clacso. Pela primeira vez é sediada na Unicamp. No ano que vem, será realizada em Lima, no Peru. Está bem firmada no Canadá, em Portugal, na França, nos EUA e em cerca de 15 países da América Latina.
De acordo com a professora da FE Selma Venco, da organização do evento, esse encontro reflete a conjuntura da política nacional, as condições do trabalho docente e como isso resulta em alguns desdobramentos como o aumento da precariedade nas relações de trabalho, desdobramentos em sala de aula com os efeitos da Escola Sem Partido e o cerceamento das liberdades individuais. "Temos uma onda moralista invadindo as escolas", criticou.