Quando o aluno ingressa na universidade, ele é rodeado de grandes expectativas. Mesmo que esse momento seja particularmente muito bom [afinal ele conseguiu vencer uma estreita seleção no vestibular], esse aluno sente muitas pressões e, se não tiver um encaminhamento adequado, o desfecho dessa situação nem sempre será positivo. É nessa hora que ter um apoio institucional é fundamental. A Unicamp oferece aos estudantes, desde 1987, o Serviço de Assistência Psicológica e Psiquiátrica (Sappe), órgão ligado à Pró-Reitoria de Graduação (PRG).
Esse trabalho vem, portanto, sendo oferecido há exatos 30 anos e, para comemorar a data, foi realizado, na manhã desta segunda-feira (13), o II Simpósio Saúde Mental do Estudante Universitário no Centro de Convenções da Universidade. Compareceram ao evento a equipe do Sappe, docentes, funcionários e alunos. O reitor da Unicamp participou da mesa de abertura.
A atual coordenadora do Sappe, a psiquiatra Tania Maron Vichi Freire de Mello, disse na cerimônia que é grande o impacto da intervenção desse serviço na vida acadêmica, visto que o aluno que chega à Unicamp realiza a escolha do seu curso sem ter muita clareza acerca dessa opção. Muitos alunos deixam as suas casas e o seu círculo de amizades para iniciar uma nova vida numa cidade às vezes desconhecida.
"Mudam seus hábitos de sono e de alimentação. Eles têm que gerir sua própria casa e a sua própria vida. Na graduação, eles podem enfrentar muitas dificuldades de adaptação, por conta dessas mudanças. Na pós-graduação, eles têm que lidar com suas pesquisas dentro de um prazo limitado de tempo, têm que estabelecer relação com o seu orientador e nem sempre essa relação alavanca o seu percurso. Outro grande obstáculo é escrever de modo autoral, atividade à qual não estavam habituados”, problematizou Tania.
Segundo ela, para lidar com essas questões, hoje o Sappe conta com uma equipe de dez psicólogas, dois psiquiatras e 24 "treinandos" de formação psicanalítica que realizam um curso de extensão de excelência desde 1991. “Temos a responsabilidade de lhes apresentar a saúde mental e zelar que o percurso deles seja o melhor possível”, ressaltou.
O pró-reitor de Pós-Graduação, André Tosi Furtado, afirmou que entende que a pós-graduação é um novo estágio na vida do aluno que exige autonomia dele e atenção da Universidade. “Nem sempre o aluno está preparado para isso e então ele necessita de ajuda. Esse investimento é essencial e inclusivo para o desenvolvimento do aluno", enfatizou. A pró-reitora de Graduação, Eliana Amaral, comentou que a Unicamp valoriza muito o Sappe, pela sua dimensão relevante perante a comunidade interna e como referência externa a outros serviços. Na sua opinião, esse atendimento sempre deve olhar para a prevenção. “A inter-relação dos profissionais com esse aluno pode amenizar muito as suas angústias. E nós, da PRG, buscamos que ele faça uma boa passagem pela Universidade e saia daqui feliz.”
O reitor parabenizou a equipe do Sappe pelas três décadas de existência. Disse que essa atividade é contínua e que tem se pautado em rediscutir como trabalhar com as diferentes questões emergentes no atendimento. “Esse é um excelente trabalho que vocês fazem pela Unicamp”, qualificou.
Ele lembrou que algumas experiências na vida acadêmica, como ter um baixo rendimento, por exemplo, desestruturam o aluno, uma vez que leva um certo tempo para que tenha uma completa adaptação na vida estudantil e na vida pessoal. Knobel recordou que cada vez mais esses jovens estão chegando precocemente à instituição. "Todos esses elementos podem levar a alguma disfunção e, neste caso, além dos professores, que podem ser um importante referencial, o Sappe pode auxiliar muito nessa nova trajetória", salientou.
Knobel ainda pontuou que muitas decisões são difíceis no âmbito acadêmico, muito por conta da pressão exercida socialmente. Citou também que o perfil de alunos não é homogêneo. "Mas hoje a Unicamp está implantando cotas étnico-raciais e acabamos de criar a Cátedra de Refugiados. Esses novos perfis exigirão de nós outros cuidados. Daí a importância de darmos uma importante sustentação às ações que o Sappe faz com tanta satisfação internamente. Desejamos que esse trabalho também seja difundido a outras universidades brasileiras", destacou.
Origem
Convidada a abordar a origem e a evolução desse serviço, Ruth Mattos de Cerqueira Leite, psicanalista e fundadora do Sappe, ressaltou que essa foi uma das suas experiências mais fecundas profissionalmente. Elogiou o engajamento e o entusiasmo do grupo. Revelou que, ao chegar à Unicamp, chegou com a ideia de uma universidade idealizada, fantasmática. Viu que a Universidade deveria ser um novo espaço de acolhimento dos alunos, que perdem parte de sua identidade ao deixarem suas famílias. "Os alunos mais sensíveis podem enfrentar problemas e isso pode atrapalhar o seu desempenho acadêmico", ressaltou.
Ruth acha muito prematuro para o estudante ter que escolher um curso para prestar o vestibular no momento em que está consolidando a sua identidade. Ela recorda de uma pesquisa em que os alunos diziam que não sabiam quem eles eram. Segundo ela, é por essa razão que o Sappe é um serviço essencial, por procurar dar resposta a inquietações.
O Sappe surgiu por uma sugestão do professor José Carlos Valadão, então pró-reitor de extensão da Unicamp, na gestão Paulo Renato. O serviço começou com três salas e com três psicólogos. O chefe do Departamento de Psiquiatria era o psiquiatra Maurício Knobel, já falecido e pai do reitor Marcelo Knobel. “Muitos alunos davam entrada na Psiquiatria, embora o que na verdade precisavam era de atendimento psicológico. Como não tínhamos um serviço de referência, nos embrenhamos nessa proposta", relatou.
No primeiro ano, o atendimento aumentou muito. O professor Maurício Knobel então trouxe à Unicamp a técnica de psicoterapia breve. Mas a lista de espera crescia, pois também os alunos não tinham muita disponibilidade, e a grade curricular de cada um era diferente. Então o atendimento se prolongava muito.
Um dos desafios impostos no período foi a criação de um curso de aprimoramento profissional com experiência em psicoterapia. "Esse programa foi e é bem-sucedido. Consolidamos a psicoterapia breve. Inicialmente, eram cinco alunos selecionados por ano para participar desse curso. Atualmente, são 24", recordou ela.
Outro desafio foi fazer valer a filosofia do Sappe, "dado que chegou um momento em que a Universidade passou a pedir um laudo dos alunos. Isso trouxe algum constrangimento, por se tratar de assuntos sigilosos. Como resultado, ficou um tempo sem teto e sem atendimento fixo. Depois, conseguiu o espaço no Ciclo Básico, onde até hoje funciona o Sappe", descreveu.
Hoje, o serviço continua crescendo e desenvolvendo outras modalidades de atendimento, como o 4S (que é o atendimento em quatro sessões) e o pronto socorro em atendimento emergencial. "As filas de espera prosseguem desafiadoras, contudo esse trabalho não pode parar", incentivou a fundadora do Sappe.