Evento conjunto entre Embrapa e Unicamp expõe as várias faces da pós-verdade

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Primeiro painel do dia, mediado por Ricardo Muniz, teve as participações dos jornalistas Carlos Orsi, Carlos Zanotti e Roberto Romano
Primeiro painel do dia, mediado por Ricardo Muniz, teve as participações dos jornalistas Carlos Orsi e Carlos Zanotti, e do filósofo Roberto Romano

Reflexões sobre a verdade, a ciência, a objetividade e o papel do jornalista deram o tom do 4° Encontro Mídia e Pesquisa realizado nessa terça-feira (14), no Centro de Convenções da Unicamp. O evento reuniu especialistas em diversas áreas para debater o tema da ética na divulgação científica, em uma iniciativa conjunta entre a Embrapa e a Universidade.  

O filósofo Roberto Romano iniciou a discussão diferenciando os conceitos de mentira e má-fé. “Se um mentiroso mente ao seu interlocutor, o indivíduo de má-fé mente para si mesmo. Eis o paradoxo: aquele a quem se mente e aquele que mente são uma só, e a mesma, pessoa. O que significa que devo saber, como enganador, a verdade que é mascarada para mim enquanto for enganado. Devo saber essa verdade para escondê-la de mim”, explicou.

Segundo ele, “se não encararmos a questão da má-fé individual e coletiva, é melhor não falarmos sobre questões como pós-verdade e fake news”. Romano destacou ainda que fake news são tão antigas quanto a fala humana e apontou Platão como um grande combatente do “lugar da não-verdade”.

Carlos Zanotti, professor da Faculdade de Jornalismo da PUC-Campinas, enfatizou que a circulação de informações falsas não é uma novidade. Por outro lado, destacou o alcance atingido por elas com a internet e o poder que tem representado essa propagação. De acordo com ele, o alerta dado pelas eleições presidenciais norte-americanas é de que a produção e difusão de notícias falsas coloca em perigo a própria democracia.
 

No segundo painel, o secretário de comunicação da Unicamp Peter Schulz fala  de pós-verdade na ciência
Peter Schulz fala a público no Centro de Convenções da Unicamp

Zanotti citou o exemplo de uma empresa especializada na produção de notícias falsas na cidade de Poços de Caldas, no interior de São Paulo, que chega a faturar 100 mil reais por mês. “É mais lucrativo produzir notícias falsas do que verdadeiras”, lamentou. Para o jornalista, o principal responsável por esse cenário é a estrutura de algoritmos que direciona as publicidades conforme os cliques.

Como forma de combate às notícias falsas e à consequente descrença no conteúdo jornalístico em circulação na internet, Angela Pimenta, presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor), apresentou o Projeto Credibilidade. Segundo ela, o projeto visa diferenciar o conteúdo jornalístico de qualidade do que é “ruído”, como classificou as diversas formas de notícias falsas. Ela procurou refletir sobre a “fragmentação da narrativa noticiosa no ambiente digital” e sobre o “viés de confirmação”, segundo o qual tende-se a acreditar nas informações que confirmam as próprias crenças, o que torna o jornalista mais suscetível a inverdades.

O projeto, braço brasileiro do The Trust Project, desenvolvido pela Universidade de Santa Clara, nos EUA, e busca elaborar ferramentas de identificação e promoção do jornalismo digital confiável e de qualidade.

O jornalista Carlos Orsi, especializado em cobertura científica, sinalizou técnicas de combate às notícias falsas. Ressaltou, por exemplo, que os jornalistas não devem buscar controvérsias onde elas não existem. “Equilíbrio não é objetividade. Os jornalistas precisam abandonar o ideal platônico do ponto de vista de lugar nenhum. É preciso evitar tratar como controvérsia algo que não é. Você sabe que um dos lados está errado, mas finge que há controvérsia. Precisamos assumir a responsabilidade de contar a verdade.”

Mauricio Tuffani, também jornalista especializado na área, argumentou que muitas vezes as relações de poder e econômicas envolvidas na produção científica não são abordadas pelo jornalismo científico. “A comunidade científica não é uma instituição transparente”, sublinhou.

O físico Peter Schulz, secretário de comunicação da Unicamp, foi além, problematizando a pós-verdade dentro da ciência. Schulz citou o exemplo de artigos publicados em periódicos consagrados e posteriormente identificados como fraudes. Abordou ainda a supervalorização das referências sem o devido embasamento, que dão uma falsa credibilidade aos artigos científicos. Segundo ele, é importante que o ensino e o jornalismo transmitam uma ideia mais exata da complexidade da investigação científica. “Nós temos um educação pra ciência e um jornalismo cientifico muito voltado para apresentação de um produto. Estamos sempre dizendo ‘olha como a ciência é maravilhosa, está provado que a margarina faz mal a saúde’, ‘olha como a ciência é maravilhosa, temos uma sonda que saiu do sistema solar’. A ciência não é produto, a ciência é um processo”, enfatizou.
 

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Escritor e articulista, o sociólogo foi presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais no biênio 2003-2004