IVAN FELIZARDO CONTRERA TORO
Temos assistido, nos últimos dias, um embate no mínimo acalorado entre o ministro de Saúde, o engenheiro Ricardo Barros, e a médica Sílvia Brandalise, presidente do Centro Infantil Boldrini. Impossível não tomar parte dessa discussão, quando percebemos que, na tentativa de justificar as atitudes do Ministério da Saúde no que tange à compra de um remédio de fabricação chinesa para o tratamento da Leucemia Linfoide Aguda em crianças, o ministro sugere que a dra. Brandalise tenha interesses outros, escusos, na compra de uma versão alemã desse mesmo medicamento.
Fui aluno de graduação da professora Brandalise na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e acompanho a sua luta em prol das crianças com doenças hematológicas e neoplásicas, desde a década de 1970. E, hoje, na posição de diretor dessa escola médica, não posso conceber a possibilidade de que ela seja vítima desse tipo de agressão gratuita, feita por alguém que, no mínimo, desconhece a sua representatividade e importância, enquanto figura pública com grande impacto na saúde brasileira.
Ótima professora, nos últimos 40 anos a dra. Sílvia influenciou decisivamente na formação de milhares de médicos e residentes. Publicou centenas de artigos científicos, além de muitos livros e materiais didáticos e educativos sobre o câncer, e obteve pela sua trajetória o reconhecimento da academia e da sociedade pela sua expertise e militância nessa área.
Nas últimas décadas, desde que fundado o Centro Boldrini em 1978, ela não mediu esforços e batalhou em todas as esferas do poder público, instituições públicas e privadas, nacionais e internacionais, para a melhoria dos tratamentos, aumento da sobrevida e qualidade de vida de seus pacientes.
Na atualidade, mais de 7.000 pacientes que sobreviveram ao câncer durante a infância, graças ao tratamento que receberam no Boldrini, podem atestar que a dedicação da dra. Brandalise, há muito tempo, extrapolou qualquer interesse de cunho pessoal.
Está enganado quem pensa que a dra. Brandalise tenha enriquecido nesses anos tratando pacientes ricos e participando de negociatas para a compra de remédios e equipamentos. Quem já teve a oportunidade de conhecer o Centro Infantil Boldrini, sabe que lá todos são atendidos igualitariamente, ricos ou pobres, com ou sem cobertura de convênio médico.
Quem reside em Campinas e a conhece mais intimamente, sabe que ela se locomove com um carro de mais de 10 anos, e que sua residência, apesar de oferecer algum conforto, está muito longe da ostentação dos iates e jatos particulares tão comumente utilizados por deputados, senadores e ministros do Planalto Central. Atesto, sem sombra de dúvidas, que a sua maior riqueza é o prazer de poder participar daquilo que ela acredita ser o melhor para a saúde infantil.
Será que qualquer ministro à frente do Ministério da Saúde poderia apresentar um currículo mais favorável do que o da professora Brandalise, quando o assunto é câncer infantil? Será que qualquer ministro daria um remédio sem eficácia comprovada para seus filhos e netos, caso fosse necessário? Será que a causa de muitas mães “estarem apavoradas com a medicação chinesa" como afirmou o ministro da Saúde em entrevistas recentes é decorrente do alarde exagerado feito pela professora Brandalise, ou será que essa preocupação reside no instinto de pai e mãe, de que não se deve brincar de economia com a saúde de seus filhos?
Estou seguro de que a academia médica, os campineiros e todos aqueles que já passaram pelos cuidados do Centro Infantil Boldrini, sabem quem está com a razão nesse episódio.
■ ■ Ivan Felizardo Contrera Toro é diretor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas
Publicado em 17 de janeiro de 2018, Correio Popular, página 2, Opinião
O ministro e a professora
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Escritor e articulista, o sociólogo foi presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais no biênio 2003-2004