Pesquisadores da obra de Egberto Gismonti desenvolveram um painel acadêmico sobre o trabalho do compositor na programação da manhã desta quinta-feira (22) do V Festival de Música Contemporânea Brasileira. Aspectos musicais e históricos de várias de suas composições foram esmiuçados ao longo de quatro comunicações orais apresentadas no auditório do Instituto de Artes (IA).
A programação foi iniciada com a apresentação oral de Maria Beatriz Cyrino Moreira, falando sobre A sonoridade de Egberto Gismonti no início de sua trajetória (1969-1977). Bia Cyrino detalha sua pesquisa na entrevista que concedeu ao Portal da Unicamp. Acompanhe aqui.
O Portal da Unicamp traz aqui trechos das outras palestras que ocorreram pela manhã.
Agua e Vinho, a velha mestra e o jovem poeta
Renato de Barros Pinto
Doutorando – Universidade Federal de Santa Catarina
“Minha dissertação foi sobre Egberto Gismonti. Nela procurei analisar três obras dele: Água e vinho (1972), Dança das cabeças (1976) e Cidade Coração de (1982/83). Vamos falar aqui sobre ‘Agua e vinho’. Minha motivação para a pesquisa foi a necessidade de partilhar o assombro que eu sinto diante da obra de Gismonti. Quando eu me debrucei sobre a obra dele a primeira coisa que me chamou a atenção foi que ali ocorre a convivência de códigos diversos, códigos que podemos remeter a uma tradição da música escrita ou a tradição oral.
Para mim era importante entender como ele pensava. Analisamos a obra de Gismonti como uma obra que aboli fronteiras. Eu penso que abolir fronteiras não é abolir distinções. Isso não quer dizer que a gente vá obedecer às hierarquias, a própria música de Gismonti me ensinou a colocar as hierarquias de lado.
Percebo que a escrita musical vai criando um percurso próprio que vai na direção de uma arte cada vez mais autônoma. A música de tradição oral também não é um resquício da música anterior a erudita, é uma música que também pode evoluir e se desenvolver em seus próprios termos a partir de suas possibilidades e a obra de Gismonti nesse sentido é exemplar.”
Renato Gilioli
Consultor legislativo, pianista erudito e pesquisador
“Pretendo falar sobre o 'Ensaio sobre a música brasileira de Mário de Andrade' e mostrar como isso aparece no Gismonti. Mario de Andrade buscava uma gramática musical para a música brasileira. Ele vivia numa época que o grande tema era a mestiçagem, de um ponto de vista racial e eugênico, seguindo ideais do final do século 19 e início do século 20 quando muitos intelectuais entendiam que o problema do Brasil era não ter uma identidade nacional. Mário de Andrade transita pelo campo cultural. Aí entram as proposições do Ensaio de que deve haver uma estética da mestiçagem, mas de uma mestiçagem cultural, que fundisse elementos das três raças para criar uma entidade nova que constituiria a música brasileira. Mário de Andrade queria nacionalizar a música brasileira, ele entendia que tinha de haver uma autentica expressão brasileira da música erudita sobretudo. Seu Ensaio é um esforço da construção da música mestiça brasileira. Ele desejava que os compositores brasileiros se utilizassem disso, porém ele ainda hierarquizava o erudito e o popular. Gismonti se debruçou sobre o material e estudou muito, de modo que isso aparece na obra dele. A inserção de elementos contemporâneos na obra de Gismonti condiz com o que o Mário de Andrade propunha e vislumbrava que iria acontecer, como de fato aconteceu.”
Notas sobre a trajetória de Egberto Gismonti na ECM entre 1976 e 1995: interações, transculturalidade e identidade artística
Fabiano Araújo Costa
Professor – Universidade Federal do Espírito Santo
"No meu trabalho de doutorado Egberto Gismonti estava dentro de uma problemática que eu me ocupei nessa época e que tem mais a ver com o subtítulo da palestra que com o título propriamente, que é o problema da interação musical, transculturalidade e identidade artística. O que me fez pensar em apresentar aqui uma comunicação oral sobre a trajetória do Gismonti na gravadora alemã ECM Records foi a ideia de uma entrevista que eu fiz com Naná Vasconcellos. A contribuição que eu gostaria de colocar é a perspectiva comparativa desse projeto que ele faz na ECM com as coisas que ele fazia no Brasil. A gente não pode dizer que ele tem uma “fase ECM” ele faz discos na ECM e no Brasil, tem essa produção simultânea, mas é possível verificar isso visualmente".