“Eu fiz a pesquisa sobre a minha realidade, a partir das dificuldades que eu passo lá dentro. Estudei a Ocupação Vila Soma, como ela se construiu historicamente, se formou como um centro de resistência e se tornou referência no Brasil”. Antonio Douglas Campos da Silva (20), morador da Ocupação Vila Soma e aluno do curso de Eletroeletrônica noturno, do Colégio Técnico da Unicamp (Cotuca), apresentará seu trabalho na Argentina, na próxima semana, durante o Seminário Latino-americano de Teoria e Política de Assentamentos Populares, na Universidade Nacional de General Sarmiento, região metropolitana de Buenos Aires.
O artigo intitulado “A Ocupação Vila Soma (Sumaré/SP, Brasil), a luta pelo direito à cidade e a formação dos sujeitos políticos a partir do conflito” é o primeiro fruto de dois anos de pesquisa desenvolvida por Antonio no âmbito do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – Ensino Médio (Pibic-EM), da Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) da Unicamp, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
A Iniciação científica de Antônio fez parte da proposta de ensino de geografia baseado em pesquisa desenvolvida pelo professor André Pasti, que estimula os estudantes do Cotuca a desenvolverem projetos de pesquisa durante as aulas de geografia. “A proposta é dar instrumentos aos alunos para analisarem sua própria realidade”, explicou Pasti. Para o professor, ensinar conceitos e ferramentas de pesquisa para os alunos de ensino médio é o melhor caminho para mostrar a potência da geografia para explicar a realidade em que vivem. “O segundo ano da disciplina de geografia me interessou muito, pois eu me via inserido na maioria das questões que o professor levantava em sala de aula”, contou Antônio.
“Além de estimular a proximidade dos alunos com o tema de pesquisa, tentamos também refletir sobre a relevância da pesquisa para a sociedade e ensinar como uma pesquisa pode ser transformadora”, ressaltou Isadora Garcia, estudante de graduação da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC ) da Unicamp e monitora do projeto.
Desenvolvida desde 2013, a proposta de Pasti foi impulsionada em 2016, quando a PRP concedeu uma cota de bolsas do Pibic-EM para alunos dos colégios técnicos da Universidade. Destinadas a projetos de docentes da Universidade, o programa não era acessível para os projetos de professores do Cotil (Colégio Técnico de Limeira) e do Cotuca. “Mais do que o valor [R$100,00], o reconhecimento institucional da Unicamp foi muito importante. Este ano temos nove projetos aprovados, com entre 3 e 6 alunos cada”, relatou o professor.
Cada estudante escolhe o tema e escreve seu projeto de pesquisa. Alguns temas, como mobilidade urbana, são recorrentes, motivado pela dificuldade enfrentada pelos alunos para chegar à escola. Mas mesmo sendo pesquisas individuais, boa parte do trabalho é realizado coletivamente. "O mais legal do projeto é justamente esse trabalho em grupo. Cada aluno é responsável pela sua pesquisa, mas fazemos muitas discussões e os alunos trazem coisas para as pesquisas uns dos outros. Tem muita troca”, relatou Isadora.
Direito à moradia e função social da propriedade
Celebrando seis anos no próximo mês de julho, a Vila Soma é atualmente uma das maiores ocupações populares do Estado de São Paulo, com cerca de 10 mil habitantes. Localizada no centro da cidade de Sumaré, município da Região Metropolitana de Campinas, a comunidade luta pela regularização fundiária e pela urbanização da sua área.
Conforme relatou Antonio, a ocupação é totalmente excluída da infraestrutura básica da cidade. “Tudo é realizado por autogestão dos moradores. A água eles compram de caminhão pipa e pagam cinco vezes mais do que o preço da água encanada. Cada casa tem uma fossa, construída por seus moradores”.
O terreno de 990 mil metros quadrados, pertencente à massa falida da empresa Soma Equipamentos Industriais, ocupado pela Vila Soma está localizado no centro de Sumaré, próximo à prefeitura, à rodoviária e ao acesso às principais rodovias. “É um lugar bem estratégico", contou Pasti. "Exatamente onde devem estar as moradias populares, em espaços que tem acesso à cidade de fato. Ali é um lugar perfeito”. De acordo como professor, o terreno ficou 22 anos abandonado, sem pagar IPTU e com dividendos nas esferas municipal, estadual e federal. "Só depois da ocupação, sua função social foi questionada", relatou.
“A Constituição define que a propriedade só é garantida se cumpre uma função social. Um terreno no centro da cidade vazio por 22 anos enquanto a população precisa de moradia não está cumprindo a função social. A empresa deveria perder a propriedade, pois esses lotes precisam ser usados”, argumenta Isadora. Esta função social, de acordo com Pasti, está regulamentada no Estatuto da Cidade e pode ser garantida de diversas formas.
Desde a decisão de suspensão da reintegração de posse do terreno pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2016, pouco se avançou no processo de regularização da área. De acordo com Pasti, interesses econômico e políticos impedem a conclusão dos processos legais. “A conquista da Soma é simbólica para toda luta pelo direito à moradia. Por isso ela é tão preocupante”, afirmou. “É uma batalha de projetos de cidade mesmo. Sobre que cidade a gente quer pra todo mundo”, concluiu António.