A autonomia financeira obtida em 1989 por Unicamp, USP e Unesp imprimiu uma nova dinâmica às atividades das instituições, a ponto de colocá-las entre as mais destacadas escolas de ensino superior do mundo. Entretanto, tal condição segue sofrendo questionamentos e ameaças, visto que está baseada em decreto que pode ser alterado ou extinto a qualquer momento. Para que seja plenamente assegurado, o princípio da autonomia precisa constar do texto da Constituição do Estado de São Paulo. Com pequenas variações, a reflexão permeou as falas dos participantes do seminário “O IE e o Brasil”, promovido na tarde desta quarta-feira (11) pelo Instituto de Economia (IE) da Unicamp. O evento abriu uma série de seminários em comemoração aos 50 anos de criação do Departamento de Economia e Planejamento Econômico (DEPE), embrião do IE.
Participaram da mesa o reitor Marcelo Knobel; o ex-reitor Carlos Vogt, que ocupava o cargo de coordenador-geral da Universidade em 1989; e os professores aposentados do Instituto, Luiz Gonzaga Belluzzo e Frederico Mazzucchelli, que na ocasião respondiam pelas secretarias da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico e de Economia e Planejamento, respectivamente. O objetivo da série de seminários, explicou o diretor do IE, professor Paulo Sérgio Fracalanza, é resgatar a importância do Instituto e de seus docentes na formulação de políticas públicas e outras definições institucionais do país nas últimas décadas, bem como refletir sobre as mudanças e desafios atuais em cada um dos temas.
Apesar de ter participado ativamente das tratativas que culminaram com a publicação do decreto concedendo a autonomia financeira às universidades estaduais paulistas, Belluzzo preferiu tirar o protagonismo dos personagens envolvidos no episódio e destacar a importância do processo social e político que levou à decisão. Segundo ele, a proposta foi objeto de divergências tanto no âmbito do governo Quércia quanto entre os então reitores de Unicamp, USP e Unesp. “A autonomia revelou-se um projeto muito bem-sucedido. Ajudou a impulsionar o sistema de ciência e tecnologia do Estado. Infelizmente, a autonomia está fundada em um decreto, que pode sofrer mudanças ou ser extinto. Isso é muito arriscado. O ideal é que essa conquista seja garantida por meio de emenda à Constituição Estadual. Na época, eu até insisti para que a isso ocorresse, mas fui voto vencido”, relatou.
Na opinião de Belluzzo, as universidades públicas têm sido fundamentais para a promoção de estudos e a proposição de soluções para os problemas que afligem o Brasil, entre eles a enorme desigualdade socioeconômica. Mazzucchelli também relembrou alguns episódios envolvendo as negociações para a concessão da autonomia financeira às universidades estaduais paulistas. De acordo com ele, a primeira iniciativa nesse sentido partiu do então governador Orestes Quércia, após uma greve de 60 dias do funcionalismo público. “O governador nos pediu para que o ajudássemos a viabilizar a medida, o que sofreu resistências dentro do próprio governo. Ao final, porém, a proposta foi aprovada”, recordou.
Mazzucchelli afirmou que, quando se atua no governo, o trabalho rende 90% de aborrecimentos e 10% de alegrias. “Eu fico feliz em ter contribuído para que o princípio da autonomia vingasse”, declarou. Conforme Vogt, até 1989 a gestão das universidades estaduais paulistas era semelhante à dos órgãos da administração direta. “A cada necessidade, os reitores tinham que ir de pires na mão até as secretarias para pedir recursos necessários a investimentos e custeio das instituições”, disse.
Tal situação, acrescentou o ex-reitor, criava muitas dificuldades para o planejamento das atividades das universidades, inclusive as relacionadas à esfera acadêmica. “A autonomia foi um ato de discernimento do governador Quércia. Foi graças a essa nova situação jurídico-institucional que as universidades puderam, por exemplo, adotar programas de reconhecimento e valorização de seus recursos humanos, baseados no mérito”, pontuou. “Com o tempo, no entanto, surgiram situações que trouxeram desgastes a essa autonomia, que precisa continuar sendo defendida. Esse assunto não pode ser tratado como uma dádiva que necessita ser reafirmada ano a ano, principalmente porque os governos costumam ficar de olho nos recursos que são destinados às universidades”, acrescentou.
Patrimônio da sociedade
Último a falar, o reitor Marcelo Knobel reafirmou a importância da autonomia financeira, mas observou que as universidades estaduais paulistas lidam hoje com algumas questões que não foram previstas na ocasião da formulação da medida. “Os recursos repassados às universidades pelo Estado são provenientes do ICMS. O que pode acontecer, por exemplo, se o ICMS for substituído pelo imposto único?”, questionou. O dirigente assegurou que a atual gestão da Unicamp está empenhada em fazer constar da Constituição Estadual o princípio da autonomia universitária. “Esse é um tema recorrente nos meus encontros com o governador e com os deputados estaduais”.
Knobel assinalou que a atual situação financeira da Unicamp é crítica. Segundo ele, a crise econômica brasileira trouxe impactos negativos para a arrecadação do ICMS, reduzindo consequentemente os repasses para a Universidade, que estão fixados em 2,1958%. Afora esse problema, continuou o reitor, o orçamento da instituição sofre outros tipos de pressão, como o crescimento da folha de pagamento dos inativos e a cobertura de parte dos custos da área da saúde. “A tabela do SUS não é reajustada há cerca de nove anos. Além disso, nossa área de saúde, que atende a uma região com cinco milhões de habitantes, é subfinanciada”, relacionou.
Ademais, conforme Knobel, desde o advento da autonomia as universidades estaduais paulistas criaram inúmeros cursos de graduação e pós-graduação, construíram campi e ampliaram significativamente o número de alunos, sem que o financiamento por parte do Estado acompanhasse essa evolução. “No caso da Unicamp, quando da construção da Faculdade de Ciências Aplicadas, houve a promessa por parte do governo de que a Universidade receberia um aporte extra da ordem de 0,05% do ICMS, mas isso não foi cumprido”.
À parte de todas essas dificuldades, concluiu o reitor, as universidades públicas paulistas vêm cumprindo um papel fundamental para o desenvolvimento de São Paulo e do país ao formar recursos humanos altamente qualificados, ao gerar conhecimento novo, ao promover o progresso da ciência e da tecnologia e ao contribuir para a formulação de políticas públicas que concorrem para a ampliação da qualidade de vida e do bem-estar da população. “Precisamos comunicar adequadamente à sociedade que as universidades públicas são indispensáveis para assegurar o futuro do Brasil”.