A escolha do curso que levará a uma provável carreira é crucial para o jovem, sobretudo para aquele que está em vias de prestar o vestibular em uma universidade. Além das expectativas quanto ao seu futuro profissional, ele precisa lidar com uma rede de relações que tem como epicentro a sua família. Esse tema, muitas vezes conturbado, gerou um livro que trata do difícil desafio do diálogo.
Visto sob as lentes de um professor que atua em cursinho pré-vestibular há cerca de 20 anos, o livro – intitulado Aos Pais, Com Carinho: Vestibular e Carreira, publicado pela Editora Akron – reúne relatos de alunos, pais, coordenadores de curso e diretores de cursinho. Seu autor é o historiador Marcus Vinícius de Morais, doutorando do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, que ainda teve como colaboradores os psicólogos Roberto e Fernanda Guimarães, nutricionistas e profissionais de educação física.
"Não se trata de um livro de dicas, de um manual ou de uma obra de autoajuda. É uma ferramenta de reflexão cujo título faz referência ao filme Ao mestre com carinho, de Sidney Poitier. Nós o parafraseamos para mostrar que o livro é sensível aos pais e não possui caráter provocativo”, esclarece o autor.
O livro será lançado no dia 5 de junho, às 20 horas, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, Avenida Paulista, em São Paulo. Já está sendo vendido a R$29,90 no site da Editora Pandora. O docente do IFCH Leandro Karnal escreveu a contracapa e o professor José Alves, coordenador da Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp (Comvest), escreveu a "orelha".
Segundo o professor José Alves, orientador de Marcus Vinícius no doutorado, o autor compartilha experiências e sugere uma maneira dos pais não ampliarem ainda mais as crises dos vestibulandos, mas que possam ter um diálogo aberto e franco em relação a esse preparo, em um mundo onde as escolhas profissionais são relevantes, mas não necessariamente determinantes para tudo o que as pessoas são. Ouça áudio do professor José Alves a seguir.
Queixas
Marcus comenta que ouve queixas dos filhos sobre pressões para que escolham o curso que os pais desejam e comparações infrutíferas com os irmãos, com os amigos e com os próprios pais. A comparação, salienta, vem em momento inoportuno, no calor dos estudos.
Essa pressão social tem aumentado desde o século 20, por causa de um contexto histórico de cobranças para que os jovens tenham sucesso, uma espécie de ditadura da felicidade. "É como se os filhos fossem um projeto e que o seu sucesso validasse as escolhas dos pais", sublinha.
Para tirar o peso das costas dos vestibulandos, o historiador procurou discutir no livro pontos que podem auxiliar pais e filhos a terem uma convivência pacífica no período de um ano letivo. Falou sobre o início das aulas, a escolha do curso e da carreira, os estudos, a preparação, o dia da prova, a felicidade e a frustração. Os capítulos foram escritos para serem lidos de forma autônoma, como as crônicas. Em muitos trechos citou autores como Zygmunt Bauman, Michel Foucault, Anthony Giddens, Friedrich Nietzsche, Charles Dickens para falar do vestibular e da vida social, do bullying na sala de aula, da alimentação e do sono, entre outros tópicos.
Ao destacar o bullying, Marcus revela que o racismo e a homofobia lideram esse ranking, vindo a seguir o bullying contra a obesidade e contra as mulheres. E esse comportamento pode ser entre jovens, de professores contra alunos e de alunos contra os professores. “Mas o bullying não é localizado. Está dentro de um contexto histórico, de família e de grupos. Do contrário, bastaria eliminar uma pessoa dessa relação, e o bullying estaria resolvido.”
Ele também explica que o vestibular não é uma etapa a ser naturalizada. É um ano atípico. Por isso mesmo o livro propõe que os pais pensem seriamente em seus filhos, mesmo que a reflexão seja dolorosa. "Pais se preocupam se os filhos vão passar no vestibular, se vão embora de casa, se vão ficar e recomeçar novo ciclo de estudos. Essas reflexões os desestabilizam", revela.
Mitos abaixo
O livro aponta alguns mitos sobre alimentação, comuns na década de 1970-1990, de que não dá para comer direito, toma-se café o tempo todo e consome-se muito energético. Na opinião de Marcus, esses mitos de fato são mitos, porque alunos que comem mal passam mal. "Muitos recomendam que os jovens comam chocolate. Mas qual? Chocolate ao leite tem gordura e então o aluno passa mal. Então o certo é dizer chocolate ou cacau?", caracteriza.
Marcus dá vários conselhos ao leitor. “O aluno precisa se alimentar bem e dormir bem pois no dia seguinte sempre terá outras atividades. Quando vê, está numa bola de neve: dorme mal, come mal, engorda. E, quando menos percebe, está ingerindo ansiolíticos (para diminuir a ansiedade e a tensão). A Organização Mundial da Saúde recomenda oito horas de sono por dia em média, por causa da sedimentação das informações obtidas. “Graças ao sono reparador, as informações são rearranjadas no cérebro para memorização.”
Driblando a crise
No que tange aos estudos, o autor realça que cada aluno deve ter autocrítica, conhecer seus pontos fortes e fazer uma análise do seu histórico na escola. “Não dá para comparar um aluno que estudou numa escola não tão boa, e ficou anos trabalhando, com aquele que está num processo mais sistemático de estudos. Ao saber quem ele é como aluno, saberá onde concentrar suas ações.”
Outra dica do professor para o estudante é ler os manuais do vestibular, porque alguns exames não cobram estudo sobre Egito e Antiguidade Oriental ou Pré-História. Cobram a partir da Grécia e Roma. O ideal é mapear o que será pedido, para não perder tempo.
O professor lembra que, não raro, cursos clássicos como o de Medicina ainda são a maior escolha, visto que se acredita que redundará em sucesso. Os jovens comentam que querem ser vitoriosos, não losers, fracassados. A média hoje para ingressar num curso de medicina é de quatro anos. “Tenho aluno que já está no sétimo ano de cursinho. Creio que já era hora de pensar em um plano B. Nem sempre a teima é saudável.”
Recordando as variáveis que podem interferir numa escolha que envolva competição, ele cita o livro O grande Massacre de Gatos, de Robert Darnton, que se passou na França no século 18. Funcionários de uma tipografia começaram a espancar gatos e a matá-los com pedaços de porretes. Por que espancavam os gatos e ainda por cima achavam graça? "Essa reflexão ainda é muito atual porque a sociedade ainda continua se entretendo com a desgraça alheia em programas televisivos como MasterChef e The Voice Aprendiz. Pessoas são humilhadas, há um só vencedor e um só prêmio para o melhor. Os outros ficam de fora. Quanto pior a pessoa cozinha, quanto pior canta e quanto pior é como profissional, mais as pessoas acham interessante. Então agora compreendo claramente por que os pais se preocupam tanto com o vestibular. Eles têm medo que os seus filhos sejam eliminados”, conclui.
A propósito do Vestibular da Unicamp, o leitor pode consultar o conteúdo para estudo das provas comentadas de todos os vestibulares e as novas formas de ingresso na Unicamp, a partir deste próximo vestibular. Assista ao vídeo abaixo.