O matemático russo Serguei Popov, professor do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc) da Unicamp, é um dos criadores da Iota, criptomoeda lançada em 2015 com a proposta de introduzir inovações nesse segmento. Um dos diferenciais da moeda digital é que ela dispensa a cobrança de taxa para viabilizar as transações, além de ter sido desenhada para ser aplicada à Internet das Coisas (IoT). Na entrevista que segue, o docente fala da sua experiência no desenvolvimento do sistema, que classificou de “fascinante”, do conceito envolvido no projeto e da desconfiança das pessoas em relação ao uso das criptomoedas. “É natural a desconfiança. Mas é preciso considerar: o futuro sempre chega, e o que a gente pode fazer é participar um pouco dele. Aos poucos, a desconfiança será superada”, antevê.
Como surgiu a ideia de se criar a Iota?
Bem, a ideia do projeto não foi minha. Ela surgiu há três anos e meio com David Sonstebo, Sergey Ivancheglo e Dominik Schieer, que pensaram em criar uma criptomoeda que fosse aplica à Internet das Coisas e que fosse própria para as microtransações, ou seja, transações de valor muito baixo. Para viabilizar isso, ela não poderia cobrar taxas como fazem as outras moedas digitais. Algumas cobram atualmente entre US$ 3 e US$ 4 por transação, mas em dezembro de 2017 essa taxa chagava a US$ 30. Se você está comprando um helicóptero, tudo bem pagar essa taxa. Entretanto, se estiver pagando por um cafezinho, fica totalmente inviável. Como imaginávamos que, com a IoT, nós teríamos muitas transações de pequeno valor, buscamos uma forma de nos livrarmos da taxa de transação.
Como surgiu a oportunidade de trabalhar no projeto de criação da Iota?
Eu sou matemático. Comecei a me interessar pelas criptomoedas no final de 2013, como um hobby. Conversei com várias pessoas envolvidas com o tema. Depois, fiz uns cálculos sobre como é o processo de construção de blockchain [sistema de registro contábil usado pelo Bitcoin], qual a probabilidade de sucesso de um ataque contra esse sistema etc. Escrevi um texto com algumas fórmulas e coloquei na internet, num fórum de discussão sobre o tema. Os participantes do fórum gostaram muito e me estimularam a continuar produzindo. Quando David Sonstebo e Sergey Ivancheglo deram início à criação da Iota, eles me chamaram para ser o matemático do projeto, com base nesses trabalhos produzidos.
Qual foi sua contribuição ao projeto?
A minha tarefa foi especificamente escrever o whitepaper, ou seja, o documento que descreve conceitualmente a moeda. Então, o meu trabalho foi bem conceitual. Eu não participei dos trabalhos de programação.
Quanto tempo demandou a construção do projeto?
O projeto demandou mais ou menos nove meses de trabalho. O lançamento da Iota ocorreu em outubro 2015.
Qual foi o maior desafio enfrentado pelo senhor?
O maior desafio foi chegar a um modelo que dispensasse a cobrança de taxa e a presença dos mineradores. Nas moedas tradicionais, você tem os mineradores, que são aqueles que dispõem de mais recursos computacionais e que fazem os blocos que contêm as transações. Todo mundo pode emitir uma transação. Entretanto, para que a transação seja considerada válida, ela tem que ser incluída num bloco por um minerador. Esse minerador dispõe de um hardware muito potente. No começo, era possível minerar um Bitcoin com um computador doméstico. Hoje em dia, é preciso usar um hardware potente, feito para desempenhar essa tarefa especificamente. Para você ter uma ideia, uma mineradora de Bitcoin é um galpão enorme. Nele estão dispostas várias prateleiras, cada uma com vários hardwares que fazem contas próprias para minerar Bitcoim, com velocidade dezenas de milhares de vezes mais rápida que a de um computador doméstico. O consumo de energia por parte dessas mineradoras é muito elevado. Estima-se que o consumo atual de eletricidade da rede de Bitcoim seja o equivalente a duas vezes o consumo da Dinamarca.
Como são processadas as transações com a Iota?
Na Iota, você também precisa processar as transações, mas um computador normal consegue fazer isso em dez segundos. Entretanto, para poder chegar nisso foi preciso lidar com incentivos econômicos. No Bitcoim, os mineradores têm incentivo para minerar os blocos. Hoje em dia, a rede de Bitcoim paga a cada dez minutos US$ 100 mil para os mineradores. Se tirar esse incentivo, ninguém obviamente vai querer minerar. No caso do Iota, o incentivo é o seguinte: ajude os outros, que os outros vão ajudar você. Se você está se comportando bem no sentido de fazer suas transações de maneira a ajudar os outros, o sistema vai ajudar você. Se, por outro lado, você for um aproveitador, se só estiver interessado em levar vantagem, o sistema não vai colaborar com você. Foi preciso pensar bastante para fazer as regras de modo que as coisas funcionassem.
Qual a função da Iota Foundation?
A Iota Foundation é uma fundação sem fins lucrativos, registrada na Alemanha. Ela tem um certo capital que os usurários doaram para que pudesse funcionar, mas sua atribuição é fomentar a pesquisa e o desenvolvimento da rede Iota.
Por falar em pesquisa e desenvolvimento, os criptosistemas precisam ser constantemente aprimorados, não?
Todos os criptosistemas estão em constante aprimoramento. Há uma preocupação com a questão da segurança, mas também há a preocupação que as transações sejam feitas mais rapidamente, o que a gente chama de escalabilidade. O sistema tem que continuar a ser eficiente, mesmo quando ocorrem milhares de transações simultaneamente. Sempre tem um desafio novo surgindo no horizonte. Além disso, nenhum software é livre de erro. Um dos trabalhos da Fundação é monitorar o sistema e propor soluções para eventuais falhas. Isso se aplica não somente à Iota, mas a todas as criptomoedas.
Com o avanço da Internet das Coisas, diz-se que nossa geladeira será capaz de identificar um alimento em falta, comprar esse item e pagar por ele com uma criptomoeda. Estamos distantes desse cenário?
Isso já está às nossas portas. Já existe uma experiência na Holanda, por meio da qual o proprietário de um carro elétrico pluga o cabo do veículo num totem para abastecê-lo e paga pelo consumo da energia com Iota. A Iota Foundation tem cooperação com várias indústrias de grande porte com o objetivo de ampliar esse tipo de aplicação. Hoje você já pode pagar o seu cafezinho com Iota, usando o seu smartphone, desde que a cafeteria aceite a criptomoeda. Ainda são poucos os estabelecimentos que a usam, visto que é uma tecnologia nascente, mas acredito que haverá um crescimento exponencial da sua aceitação.
Já que o assunto é aceitação, muita gente desconfia das criptomoedas...
É natural a desconfiança. Eu até compartilho dela, pois não gosto muito da ideia da minha geladeira ter opinião própria (risos). Mas é preciso considerar: o futuro sempre chega, e o que a gente pode fazer é participar um pouco dele. Aos poucos, a desconfiança será superada.
O senhor utiliza o tema ‘criptomoeda’ em suas atividades em sala de aula?
Quando os alunos querem saber sobre isso, eu sempre falo. Atualmente, tenho um aluno de iniciação científica e dois de doutorado que trabalham especificamente com pesquisa aplicada ao tema criptomoeda. Eu não introduzo isso no dia a dia das aulas, mas quando os alunos me procuram, eu não me nego a tratar do assunto.
Como o senhor descreve a experiência de ter contribuído para a criação da Iota?
Foi fascinante trabalhar no projeto. Tem muita coisa bonita associada a esse trabalho.