O Laboratório de Neuroproteômica do Instituto de Biologia (IB) é um dos órgãos na Unicamp que estuda de rotina a esquizofrenia. Mas não é a único. Nesta quinta-feira (24), um grupo de pesquisadores de diferentes áreas se reuniram na sala da congregação do instituto para deliberar a respeito do assunto, a convite deste laboratório.
A atividade fez parte do Dia Mundial da Esquizofrenia, que busca conscientizar a sociedade sobre o desafio de tratar a doença e de oferecer atenção aos seus portadores. "Este ano o lema da campanha é ‘O que eu posso fazer?’. Essa pergunta instiga reflexões, visto que a esquizofrenia atinge 1% da população mundial", realçou a pesquisadora Valéria de Almeida, do Laboratório de Neuroproteômica.
Segundo ela, a data visa ainda reduzir estigmas, criar oportunidades de superação para esses pacientes, pontuar questões que tratem da inserção delas no mercado de trabalho e aumentar o nível de esperança. Essas estratégias podem ajudar a melhorar a qualidade de vida dos portadores de esquizofrenia, acredita ela, apesar deste ser um dos transtornos mentais mais graves da psiquiatria.
No Laboratório de Neuroproteômica, liderado pelo professor Daniel Martins de Souza, o grupo de pesquisa tem se debruçado particularmente sobre a questão dos mecanismos da doença e dos avanços do tratamento. “Pretendemos levar essa conscientização para fora das nossas bancadas", salientou.
Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), a esquizofrenia é a terceira causa de perda de qualidade de vida em pessoas com idade entre 15 e 44 anos. “Sua fisiopatologia é extremamente complexa e é neste cenário que o Laboratório do IB tem atuado”, contou a pesquisadora.
Várias linhas de pesquisa no grupo fazem estudos sobre a esquizofrenia utilizando como ferramenta a proteômica. “Empregamos modelos pré-clínicos com diversos tipos de células, inclusive com células-tronco de pacientes, para tentar entender melhor a esquizofrenia. Também empregamos algumas linhagens como por exemplo de oligodendrócitos, responsáveis por produzir a mielina no sistema nervoso central. Essas células são manipuladas de diversas formas, através de tratamentos e por meio de manipulações moleculares e de biologia celular”, revelou.
Valéria informou que existem hoje pesquisas relacionadas à tentativa de buscar biomarcadores, ou seja, perfis de proteínas que possam ser modificados consoante a resposta ao tratamento. “Temos amostras obtidas de pacientes tratados com antipsicóticos e estamos procurando desvendar como se pode ter uma modulação dessas proteínas, que são capazes de predizer uma boa ou má resposta ao tratamento com antipsicótico. Estamos no começo, mas esperamos um dia contribuir com os psiquiatras em relação a esses testes.”
A pesquisadora descreveu que há várias outras abordagens, como os estudos post mortem, de regiões cerebrais de pacientes com esquizofrenia, e isso tem colaborado bastante para revelar algumas vias, processos que podem estar implicados na fisiopatologia da esquizofrenia. “Temos estudado a parte mais periférica. Algumas de nossas pesquisas vão tentar compreender como a clozapina, um antipsicótico, pode causar a agranulocitose (ausência de certos glóbulos brancos, os neutrófilos, que fazem parte do sistema de defesa do corpo contra doenças) e tentar no futuro melhorar o perfil dessa droga.”
Psiquiatria
O psiquiatra do HC da Unicamp Paulo Dalgalarrondo, presente no evento do IB, falou sobre “Fenomenologia de esquizofrenia e alterações psicopatológicas”. Ele trabalha com a questão da esquizofrenia há mais de 35 anos na Universidade.
O docente, que pertence à Faculdade de Ciências Médicas (FCM), elogiou a atuação do Laboratório de Neuroproteômica do IB. “O trabalho de vocês é de ponta e gostaríamos de nos aproximar mais para fazermos pesquisa colaborativa. Não temos contato com as bancadas, mas valorizamos muito e sabemos o quão importante é esse trabalho para elucidar melhor a esquizofrenia. Com certeza o conhecimento científico acerca do assunto permitirá um melhor cuidado e um tratamento mais eficaz para esses pacientes”, frisou.
Ele comentou que a Enfermaria de Psiquiatria do HC hoje atende sobretudo casos agudos de esquizofrenia e que o Ambulatório, que acontece às terças-feiras à tarde, atende em geral pacientes com quadro muito grave. “Como somos um hospital de nível terciário, os pacientes que drenam para a Unicamp são aqueles que não conseguem ser tratados na atenção primária, básica.”
Segundo o psiquiatra, o paciente com esquizofrenia continua enfrentando forte estigma social. “É conhecido popularmente por expressões pejorativas como louco, pessoa que fala e faz coisas sem nexo, doida, maluca. São termos que não cabem, por serem desrespeitosos a esse paciente, que sofre muito.”
Esquizofrenia é um transtorno mental grave, referiu ele, como os transtornos do espectro autista, que são os mais graves na psiquiatria e na medicina do comportamento. O indivíduo apresenta alterações comportamentais e do contato com a realidade. Os sintomas mais característicos são principalmente as alucinações auditivas. Estes pacientes ouvem vozes que comentam o que ele faz, que o depreciam, que o ameaçam, que os mandam fazer coisas.
Eles também sofrem delírios, que são ideias, julgamentos falsos. Acham que os vizinhos os querem matar, alguns pensam que os pais estão colocando veneno na comida deles, acham que os colegas de trabalho estão falando mal deles. Têm alterações de pensamento e de comportamento. Ficam desorganizados, confusos, e o discurso deles nem sempre dá para ser compreendido. O afeto também pode se alterar. Com isso, o indivíduo pode ter uma retração afetiva, se isolar.
O médico esclareceu que a esquizofrenia é um transtorno heterogêneo e que este termo foi cunhado pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler (1857-1939), predominando a perda das associações e da organização interna mental do comportamento. "É uma cisão dos vários aspectos do comportamento, uma perda da harmonia interna do psiquismo", assinalou.
Bleuler inclusive usava o termo esquizofrenias porque, em sua opinião, não se tratava de uma doença única. Tratava-se de um grupo de doenças cuja manifestação é a esquizofrenia. Envolvem vários tipos de acometimento cerebral precoce ou no período fetal, com comprometimento genético também.
De acordo com Paulo Dalgalarrondo, a doença evolui habitualmente para uma condição crônica. Os indivíduos têm um surto de esquizofrenia por volta dos 20 anos. A maioria não lida com possibilidade de cura, e os surtos se repetem. “Esta patologia pode ser incapacitante. Muitos pacientes não têm uma volta para a vida social e para o trabalho, tornando-se dependentes da família ou de organizações do Estado”, elencou.
O trabalho, o estudo, as relações pessoais e os autocuidados também podem estar gravemente prejudicados. Cerca de 2/3 dos pacientes evoluem com dificuldades psicossociais significativas: 1/3 evolui de forma muito grave, 1/3 evolui um pouco melhor e 1/3 de modo intermediário.
O médico destacou que a esquizofrenia é uma síndrome clínica que abala a percepção, o pensamento, a vontade, o humor e a personalidade, afetando profundamente o psiquismo. Surge via de regra na adolescência ou na juventude (63% antes dos 30 anos) e mais raramente na infância.
Ao ter surtos, o indivíduo fica bastante perturbado, alucinando e delirando. Melhora entre um e dois meses, porém fica com sintomas residuais como distanciamento afetivo e isolamento social. “A evolução é, com frequência, deteriorante. A distribuição entre sexos é equilibrada, mas tem uma evolução mais lenta para as mulheres e mais tarde”, sublinhou.
Leia mais sobre os avanços em esquizofrenia no Jornal da Unicamp.