Transplantes no HC aumentam quase 40% no último ano

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É de família para família, da sociedade para a própria sociedade. O “quase óbito” e a espera angustiante viram “vida nova” graças à doação e posterior transplante de órgãos em uma rede organizada nacionalmente, que coordena os processos e as listas de espera. Nesse programa, o Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp é referência em captação e cirurgias, com números em ascensão. Foram 490 transplantes de córnea, coração, medula óssea, rim e fígado efetuados em 2017, um aumento real de 39,6% em relação a 2016, com destaque para os de córnea, rins e fígado, segundo dados recentemente divulgados no Anuário Estatístico da Unicamp. A OPO (Organização de Procura de Órgãos) Unicamp, que trabalha há 25 anos com doadores falecidos, é a quarta equipe paulista com mais doadores efetivos: de 86, em 2012, passou para 132 no ano passado. Considerando os últimos cinco anos, é possível ver aumentos específicos em procedimentos como córnea – processo gerido pelo Banco de Olhos, que passou de 80 para 222, representando 45% de todos os transplantes do HC. Em transplantes de rim e fígado, o número foi de 87 para 149 e de 38 para 69, respectivamente - isso significa, nesses dois casos, reduzir a lista de espera de cinco anos para cerca de dois anos e meio. 

Luiz Antonio da Costa Sardinha, coordenador da OPO, atribui os números a diversos fatores. “Desde 2011, treinamos equipes de toda nossa área de cobertura – composta por 127 cidades do estado – para procedimentos de captação, preparação do doador e diagnóstico de morte encefálica. A logística também melhorou com as tecnologias de comunicação e transporte, incluindo uso de aviões da FAB (Força Aérea Brasileira). A redução da rejeição também é real, com medicamentos mais eficazes e aumento no tempo de sobrevida dos pacientes”, argumenta o médico. A única queda observada foi em transplante cardíaco, que caiu de 14 para sete, por conta do padrão do doador de hoje. “No caso de coração, a maioria vem de jovens que morrem por causas externas. Isso mudou um pouco, recebemos mais órgãos de idosos, com algumas morbidades, nem sempre em condições de doação”, analisa. 

O Sistema Nacional de Transplantes (SNT), integrado pelo Ministério da Saúde, secretarias de saúde dos estados e municípios e hospitais autorizados, controla e monitora o processo de doação de órgãos e tecidos e transplantes realizados no país, viabilizado 100% pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Tudo começa assim que a OPO é notificada do diagnóstico de morte encefálica. A família é acionada para autorização da retirada do órgão, ao mesmo tempo em que exames comprovam a viabilidade de doação. Em caso positivo, a Central de Transplantes entra em ação com as listas de espera – A Unicamp prioriza as Centrais de Ribeirão Preto e São Paulo, enquanto corpos clínicos – Nefrologia, Oftalmologia, Cirurgia Cardíaca, Gastrenterologia e Hematologia - disponíveis 24 horas, são acionados para preparação de análises de compatibilidade e cirurgias. Nem sempre os órgãos de um mesmo paciente são designados para a mesma OPO, podendo ir para vários locais, de acordo com a necessidade. “A retirada dos órgãos acontece, já com receptores estabelecidos e a caminho do centro cirúrgico. Em caso de incompatibilidade e, se houver tempo hábil – apenas horas, outras regiões do país são acionadas, pois as filas nunca estão zeradas”, explica Sardinha. Ele ainda destaca a ética do processo, que não prevê “cruzamento” de dados entre quem capta e quem recebe. “Quando a OPO disponibiliza um doador, não se sabe quem receberá os órgãos. São equipes diferentes e as listas de espera são seguidas à risca”, enfatiza. No caso de transplante de medula, procedimento adotado entre vivos compatíveis e também realizado pelo HC, o modelo de regulação é diferente e gerido pelo REDOME (Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea), com mais de quatro milhões de doadores cadastrados, vinculado ao Instituto Nacional do Câncer (Inca). No Brasil também há procedimentos para pele, tendão, ossos, pulmão, válvula cardíaca e útero, mas o hospital ainda não atua em transplantes nessas modalidades, embora atue na captação de algumas delas.  

De acordo com Manoel Barros Bertolo, diretor executivo da Área da Saúde (DEAS) da Unicamp, o programa de transplantes do HC também propicia a interação com o ensino e a pesquisa na Universidade, com participação de alunos de graduação, pós-graduação e médicos residentes. “Não só no processo de captação, mas no transplante em si, as equipes são multiprofissionais. Há médicos, enfermeiros, técnicos de laboratório, fisioterapia, nutrição, que atuam em plantão e passam por constantes aperfeiçoamentos”, explica. Análises de compatibilidade e acompanhamento pós-operatório de pacientes e famílias também integram o processo. Bertolo destaca ainda a contratação de profissionais qualificados para realização dos procedimentos nos últimos 10 anos e o fornecimento de medicamentos aos transplantados pelas Farmácias de Alto Custo, uma delas localizada na própria Unicamp. 

Luiz Antonio da Costa Sardinha, coordenador da OPO
Luiz Antonio da Costa Sardinha, coordenador da OPO

 

Manoel Barros Bertolo, diretor executivo da Área da Saúde (DEAS)
Manoel Barros Bertolo, diretor executivo da Área da Saúde (DEAS)


Recusa familiar ainda é o principal desafio
Apesar da expressiva atuação brasileira em transplantes – atualmente é o segundo país do mundo em procedimentos de rim e fígado, atrás dos Estados Unidos – o índice de negação da família de um possível doador é de 38% a 40%, segundo dados da ABTO (Associação Brasileira de Transplante de Órgãos). É o maior obstáculo ao avanço nas listas de espera em todo o país. Desde 2001, pela lei, nenhuma declaração em vida – mesmo em documentos de identidade - é válida ou necessária, não há possibilidade de deixar em testamento e não existe cadastro. A doação é consentida, isto é, quem deve e pode autorizar a doação em caso de morte encefálica, é a própria família. Para tomar essa decisão, ela precisa estar ciente de que o ente querido quer doar seus órgãos e/ou tecidos. “Comunique seus familiares sobre a intenção de doar seus órgãos. Uma simples conversa vai propiciar decisões rápidas e conscientes, caso a situação se apresente”, alerta Sardinha. 

Leia mais no Portal da ABTO

Transplantes é tema do documentário “Anjos da Vida”
O vídeo, que foi trabalho de conclusão de curso de jornalismo da PUC-Campinas em 2014, mostra o trabalho da OPO/HC Unicamp e foi exibido na grade da TV Unicamp em 2015. Veja mais sobre os profissionais que realizam esse trabalho, a abordagem de familiares de doadores, desafios e recompensas da profissão.

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Escritor e articulista, o sociólogo foi presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais no biênio 2003-2004