Além do ensino e da pesquisa, o relacionamento com a sociedade completa a tríade das atividades-fim da Unicamp, considerada a melhor escola superior da América Latina, segundo ranking divulgado recentemente pela publicação britânica Times Higher Education (THE). O vínculo com o cidadão, que ajuda a financiar a instituição através dos seus impostos, se dá de diversas maneiras, entre elas por meio da transferência do conhecimento e da prestação de serviços à população em diversas áreas, notadamente a da saúde. Ocorre, ainda, pela oferta de informação correta e responsável sobre decisões e ações da instituição, num exercício de transparência que contribui não somente para o fortalecimento do controle social sobre a administração pública, mas também para o avanço da democracia no Brasil.
A Unicamp já tem tradição em disponibilizar publicamente dados referentes à sua gestão. A medida ganhou corpo com o advento da internet. Atualmente, um conjunto enorme de dados sobre a Universidade pode ser encontrado nos sítios das suas unidades de ensino e pesquisa e órgãos. São informações sobre orçamento, salários, licitações, políticas acadêmicas e decisões administrativas, entre outras. Ocorre, porém, que esse conteúdo não está devidamente organizado e reunido em um único ambiente, de modo a facilitar a consulta por parte dos interessados.
Foi com o compromisso de facilitar o acesso aos dados da Unicamp que a Reitoria decidiu adotar uma série de ações, entre elas a elaboração do Portal da Transparência, que está em fase final de construção. “A ideia é disponibilizar à sociedade, de modo sistematizado e descomplicado, as informações relativas à vida da Universidade. Essa interlocução com os cidadãos é fundamental às práticas de uma instituição superior de ensino público”, entende o reitor Marcelo Knobel.
A construção do Portal da Transparência está sob a coordenação do professor Rodolfo Jardim de Azevedo, diretor do Instituto de Computação (IC). O dado interessante sobre o projeto é que ele nasceu da iniciativa de estudantes, que desejavam ampliar o volume de informações para consulta da sociedade, a partir de um coletivo denominado Transparência Unicamp. Como a medida também estava consignada no plano de gestão da Atual Administração Superior, a Universidade entendeu que deveria dar suporte institucional aos alunos e envolvê-los na formatação do Portal da Transparência.
A primeira medida nesse sentido foi a oferta de uma disciplina de graduação sobre Transparência de Dados, que contou com cerca de 50 inscritos, de diferentes cursos. Destes, pelo menos 90% concluíram as atividades. “Foi uma experiência muito enriquecedora, pois tivemos a oportunidade de estimular os estudantes, por meio de trabalhos individuais e coletivos, a buscarem soluções para essa ferramenta. Entre os desafios propostos estavam tanto o desenvolvimento de um software quanto a busca, análise e sistematização dos dados”, relata Azevedo.
Além disso, foi realizado um Hackathon, espécie de maratona de programação, também voltado ao tema Transparência de Dados. O propósito foi estimular os estudantes a criarem softwares que pudessem ser incorporados ao esforço de tornar as informações relativas à Unicamp mais acessíveis à população em geral. “Ao longo das atividades nós pudemos notar que, se a cultura da transparência ainda não está totalmente arraigada na Universidade, ela faz parte da rotina de várias unidades e órgãos. Muitos dados vinculados ao funcionamento da instituição estão disponíveis. O problema é que eles não estão sistematizados e nem armazenados em um ambiente único de consulta”, reconhece o docente.
Azevedo explica que o Portal da Transparência da Unicamp não funcionará como um repositório. Ou seja, ele não será um ambiente que vai hospedar as informações referentes à Universidade. O que ele fará é “levar” o interessado até o local onde os conteúdos se encontram disponíveis. Um aspecto fundamental em relação às buscas, pontua Azevedo, diz respeito ao vocabulário empregado pela instituição, que nem sempre é o mesmo utilizado pelo cidadão.
Como exemplo, o professor cita o fato de as informações acerca das disciplinas de um curso estarem contidas em um catálogo. “Muito provavelmente, uma pessoa fora do ambiente universitário não usaria a palavra ‘catálogo’ para buscar esse dado. Este é um desafio que teremos que superar. Uma ideia é registrar e analisar as consultas para adequar os termos às necessidades dos usuários”, considera o diretor do IC.
O modelo do futuro Portal da Transparência da Unicamp, que deverá entrar em operação nos próximos dias, está baseado no mesmo software utilizado pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. O repositório da instituição norte-americano reúne dados administrativos e acadêmicos. “No percurso que fizemos, nós também analisamos outras experiências muito interessantes, como o Portal da Transparência do Governo do Estado de São Paulo. Buscamos boas ideias que se mostraram adequadas às nossas necessidades”, diz Azevedo.
Uma questão que ainda está sendo definida é qual órgão da Unicamp ficará responsável pela gestão do Portal. A despeito da escolha, afirma Azevedo, os técnicos não terão dificuldade para operá-lo, porque a ferramenta é bastante amigável. “Obviamente, os operadores passarão por um breve treinamento, mas nada que esteja fora do escopo dos profissionais da área de Tecnologia da Informação”. Outro ponto importante assinalado pelo docente diz respeito à classificação das informações.
Embora seja um ente público e deva prestar contas das suas atividades à opinião pública, a Unicamp detém informações que são consideradas sigilosas, isto é, que não podem ser divulgadas. “Esse é um aspecto que precisa ser esclarecido. Nem todos os dados podem ser tornados públicos, especialmente aqueles que podem colocar em risco a segurança das atividades da Universidade e os que estão relacionados à privacidade das pessoas”, adverte o docente.
Dados científicos
Além das informações administrativas e acadêmicas, há um forte clamor, particularmente por parte da comunidade científica, em favor também da abertura de dados relativos às pesquisas, como afirma o professor Azevedo. O tema tem sido discutido por universidades e centros de pesquisas, a Unicamp entre eles. “Normalmente, nós cientistas coletamos e registramos no computador os dados relacionados aos nossos estudos. Em nossos equipamentos ficam armazenados digitalmente cálculos, imagens, gráficos, simulações etc. Uma vez disponibilizados, esses conteúdos podem ter um grande valor tanto para pesquisadores da própria Unicamp quanto de outras instituições”, explica o professor Azevedo.
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) tem capitaneado um movimento entre as instituições de pesquisas geradoras e armazenadoras desses dados com o propósito de criar redes que proporcionem a troca de informações e, como consequência, o avanço mais célere da ciência. Um exemplo de como essa experiência pode ser valiosa vem da Petrobras. Por causa da grave crise financeira e institucional que vem enfrentando, a empresa cortou significativamente os investimentos em prospecção nos últimos tempos. Entretanto, com base nos dados de pesquisas acumulados, a estatal desenvolveu novos algoritmos que estão permitindo que ela identifique com maior precisão as áreas onde deve fazer novas perfurações.
Entre as questões que devem ser resolvidas para o estabelecimento dessa rede de compartilhamento de dados, observa o diretor do IC, está a definição de protocolos digitais, que permitam que as informações sejam fidedignas e compreensíveis. “Obviamente, os dados precisam permitir a reprodutibilidade da pesquisa. Um aspecto que considero particularmente importante é o registro também dos métodos e processos que não deram resultado durante o estudo. Isso pode poupar muito tempo de quem, eventualmente, pensava em trilhar o mesmo caminho”, pondera Azevedo.
Ouvidoria e SIC recebem milhares de manifestações ao ano
Enquanto o Portal da Transparência está sendo concluído, a Unicamp utiliza a estrutura de que dispõe para aprimorar o diálogo com a sociedade. Uma experiência nova nesse sentido ocorreu no contexto da recente greve dos servidores técnico-administrativos. Pela primeira vez, todas as reuniões de negociação em torno da pauta de reivindicação específica da categoria foram registradas jornalisticamente em textos, fotos e vídeos e divulgadas no Portal da Universidade. Paralelamente a isso, foram emitidas diversas notas de esclarecimento, e porta vozes da instituição concederam inúmeras entrevistas sobre o assunto a jornais, rádios, emissoras de televisão, sites e revistas. O objetivo foi manter a população corretamente informada sobre os rumos e as implicações do movimento.
Fora de situações específicas como uma greve, a Unicamp mantém dois importantes canais de comunicação tanto com a comunidade interna quanto com a externa, que são a Ouvidoria e o Serviço de Informações ao Cidadão (SIC), sendo que o segundo está subordinado à primeira. A atribuição da Ouvidoria é fazer a mediação de questões que envolvem a Universidade e servidores (docentes e não docentes), estudantes e também pessoas que não pertençam à comunidade universitária. Também cabe ao órgão propor processos de melhoria para evitar a recorrência de assuntos apresentados.
De acordo com a ouvidora Maria Augusta Pretti Ramalho, as demandas podem chegar ao órgão de forma presencial ou por meio de e-mail, telefonema, correspondência e preenchimento de formulário disponível no portal do Sistema das Ouvidorias do Estado de São Paulo. Cada manifestação gera um número de protocolo, que permite ao interessado acompanhar a tramitação do seu caso. “No nosso dia a dia, nós recebemos denúncias, elogios, reclamações, solicitações de informação e sugestões, entre outros casos”, relaciona Maria Augusta.
Os últimos dados consolidados, referentes a 2017, comprovam a importância e a amplitude do trabalho realizado pela Ouvidoria. No segundo semestre do ano passado foram acolhidas 751 manifestações, sendo que o tópico reclamações (37,28%) liderou os contatos, seguido de denúncias (29,56%) e por solicitações de informação (22,77%). Entre os temas relacionados nesses itens estão questões como acesso, atendimento, conduta de servidor, fiscalização, infraestrutura etc. A maior parte daqueles que fazem contato, conforme a ouvidora, é integrante da comunidade universitária. No primeiro semestre de 2017, por exemplo, das 814 solicitações protocoladas, 539 partiram de estudantes, docentes, funcionários e aposentados da Unicamp.
Maria Augusta esclarece que o órgão trabalha com um prazo de até 20 dias para solucionar as questões apresentadas, embora na grande maioria dos casos isso ocorra bem antes, entre três e dez dias. “Obviamente, os casos mais complexos às vezes demandam bem mais tempo, como as demandas que envolvem a abertura de Comissão de Sindicância ou de Comissão Processante Permanente (CPP), que têm por finalidade, respectivamente, julgar processos administrativos disciplinares referentes a servidores docentes e não docentes e apurar irregularidades cometidas no âmbito da Administração Pública. De todo modo, a nossa taxa de solução dos casos é extremamente positiva, superior a 90%”, detalha a ouvidora.
Tal resultado, segundo ela, também está relacionado com o empenho das unidades e órgãos em resolver os eventuais problemas. Mais do que ter uma queixa ou denúncia acolhida, continua Maria Augusta, muitas pessoas que recorrem à Ouvidoria querem ser escutadas. “Às vezes, nós fazemos o papel de psicólogos. Recebemos a pessoa, sentamos com ela e a ouvimos. Há situações em que o cidadão já se sente contemplado com esse tipo de acolhimento”, relata.
Uma ação importante lançada em 2017, acrescenta ela, foi a “Ouvidoria vai até você”, iniciativa que levou o órgão para prestar atendimento inicialmente na Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) e posteriormente na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), localizada em Limeira. “A medida foi muito bem recebida pelas duas unidades. Na FOP, fizemos 39 atendimentos e na FCA, 22. Embora as pessoas tenham acesso online ao sistema, elas necessitam do atendimento presencial. A ideia, agora, é levarmos a experiência também aos colégios técnicos e à Faculdade de Tecnologia (FT, em Limeira)”, adianta Maria Augusta.
Uma medida que deverá trazer um impacto positivo ao trabalho executado pela Ouvidoria, diz a dirigente, é a implantação da Câmara de Mediação e Ações Colaborativas, proposta que fazia parte do plano de gestão da atual Reitoria e que está em fase final de elaboração. O objetivo dessa instância é minimizar as sindicâncias e as ações na Justiça. “A ideia é resolvermos internamente, por meio de negociação entre as partes, uma série de conflitos. A adesão à Câmara será voluntária, mas esperamos que ela sirva de estimulo à formulação de acordos e à superação de divergências”, antevê Maria Augusta.
Transparência ativa e passiva
Embora também cumpra a missão de esclarecer e recepcionar demandas por parte do público interno e externo à Unicamp, o SIC trabalha de forma distinta da Ouvidoria e recebe manifestações igualmente diferentes. O órgão atua com o que qualifica de transparência ativa e passiva. No primeiro caso, a própria Universidade toma a inciativa de disponibilizar uma série de informações de interesse público. No segundo, os dados são fornecidos mediante solicitação.
As manifestações ao SIC podem ser feitas presencialmente, pelo telefone, pela internet ou por correspondência. Em 2017, o órgão realizou 41.783 atendimentos, sendo que 34.444 deles foram feitos através do telefone. Os assuntos mais demandados estavam relacionados à Administração Geral (24.409), Assistência (8.324) e Manutenção e Instalação (3.150). “No SIC, muitas questões são resolvidas imediatamente, principalmente quando são relativas a pedidos de informação. Outras, porém, podem levar mais tempo para serem solucionadas, por causa da sua complexidade. O órgão trabalha com um prazo de resposta de 20 dias, prorrogáveis por mais dez. Caso o cidadão não se sinta satisfeito com a resposta, ele pode interpor recurso. Como o solicitante recebe um número de protocolo, ele pode acompanhar como está a tramitação do seu caso”, informa Maria Augusta.
A ouvidora assinala que a Unicamp deve publicar brevemente uma resolução na qual haverá a classificação dos documentos, que distinguirá os que podem e os que não podem ser tornados públicos. “Quando o cidadão aciona a Ouvidoria e o SIC, ele parte do princípio de que, por ser uma Universidade pública, a Unicamp tem que fornecer todo tipo de informação. Entretanto, não é bem assim. Dados pessoais e bancários ou aspectos envolvendo patentes e exames clínicos de pacientes, por exemplo, são sigilosos e devem ser protegidos pela instituição. É importante que as pessoas saibam que a recusa em fornecer certas informações está baseada numa imposição da legislação”, pontua Maria Augusta.