Na noite do primeiro debate de presidenciáveis na tv aberta, nesta quinta-feira, 9, a hashtag #existepesquisanobr continuava no Twitter. Associada a #DebateBand, a tag foi usada para cobrar dos candidatos suas posições sobre o financiamento à pesquisa no Brasil. Mais cedo ainda, vários tuítes trouxeram a hashtag em comentários sobre mais uma ameaça de cortes de bolsas, desta vez vinculados ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). (Leia a carta aberta do presidente do CNPq)
Há uma semana #existepesquisanobr surgiu nas redes sociais inspirando pesquisadores a contar sobre o trabalho que desenvolvem, como uma forma de divulgação científica em massa. Chegou a ficar em quarto lugar entre os assuntos mais comentados do Twitter no mundo e em segundo lugar no Brasil. No dia 2 de agosto, só perdeu nos "trending topics" do Brasil para #AbortoÉCrime. O que pouca gente sabe é que tudo começou com a indignação de um pesquisador da Unicamp.
Alexandre Fioravante Siqueira, pós-doutorando do Departamento de Raios Cósmicos e Cronologia (DRCC) do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp, ficou indignado com uma declaração do candidato à presidência da república Jair Bolsonaro (PSL) em entrevista ao programa Roda Viva (TV Cultura) no dia 30 de julho. Participante dos blogs de ciência da Unicamp, autor do blog "Programando Ciência" e de pesquisas que envolvem processamento de imagens para aplicação em geofísica, Siqueira não engoliu as palavras do candidato e tuitou uma espécie de desafio aos pesquisadores, endereçado a Bolsonaro:
Naquele mesmo dia veio à público o ofício da Capes, direcionado ao Ministério da Educação, sobre a possibilidade de interrupção do pagamento de bolsas de pós-graduação. A #existepesquisanobr, que já tinha alcançado alguma projeção, caiu como uma luva. “Conseguimos unir os pesquisadores em torno de um bem comum. Todos estavam desanimados mas ficaram felizes por poder divulgar suas pesquisas e perceber que ninguém estava isolado”, conta o pós-doutorando.
Hashtags são palavras que se juntam e que trazem o símbolo do “jogo da velha”. Nas redes sociais são usadas para agregar discussões e geralmente ficam em evidência por pouco tempo. Mas não nesse caso.
Das áreas de humanas, exatas, tecnológicas, biomédicas; de dentro e fora do Brasil, da iniciação científica ao pós-doc, ainda tem gente dando sua opinião e contando sobre sua pesquisa. Uma avalanche de ciência nas timelines.
E não é só em português. Muitos pesquisadores brasileiros explicaram em inglês do que se tratava e também conseguiram o engajamento de cientistas de vários países, que adotaram a hashtag. Segundo Alexandre a presença de pesquisadores no Twitter é muito forte, assim como Bolsonaro.
A mestranda Dayane Machado ajudou Alexandre a propagar a tag quando foi lançada, endereçando o tuíte para comunidades científicas. Pesquisadora no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp ela trabalha com a imagem da ciência e do cientista na divulgação científica online.
De acordo com Dayane, foi uma conjunção de fatores que fez com que a hashtag explodisse nas redes sociais. Houve a declaração de Bolsonaro e a notícia da Capes, mas antes ainda, divulgadores de ciência e cientistas do projeto Conhecer promoveram uma sabatina com alguns presidenciáveis sobre a importância estrutural da Ciência no desenvolvimento do país. De lá saíram também declarações que já haviam incomodado os pesquisadores. Em outra entrevista ainda, Geraldo Alckmin, candidato pelo PSDB, afirmou que a pós-graduação poderia ser paga.
Dayane acrescenta que os pesquisadores têm necessidade de falar sobre seus trabalhos e que alguns tuítes se posicionaram inclusive de maneira contrária ao financiamento público da ciência. “Vem à tona o debate sobre quem é o cientista. É o profissional contratado que está na universidade, dando aula, ou é o pós-graduando? Há uma discussão envolvendo a pós-graduação e que diz que nós não trabalhamos, só estudamos, que não temos profissão. E de fato a profissão do cientista não é regulamentada no Brasil”, destaca.
A #existepesquisanobr gerou inclusive “threads” que são sequencias de tweets que se complementam, escritas para explicar como funciona a pesquisa no Brasil, como são feitos, por exemplo, os pagamentos aos bolsistas.
Alexandre e Dayane concordam que a hashtag tem uma força, mas acreditam que a comunidade científica também precisa se engajar de outra forma, cobrando das sociedades que a representam uma atuação política junto aos governantes.
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