O uso excessivo de medicamentos no tratamento de doenças psiquiátricas foi o eixo condutor do Simpósio “Loucura, Ódio e Medicamento”, realizado segunda-feira (13), no Centro de Convenções da Unicamp. O evento foi organizado pelo diretor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, João Ernesto de Carvalho, e pela psicanalista e doutoranda na Faculdade de Ciências Médicas (FCM), Cláudia Cristina Antonelli.
“Atualmente, o tratamento a quase todas as doenças psiquiátricas está baseado na medicação. Um tipo de medicamento que faz com que as atividades tanto físicas quanto intelectuais do paciente sejam deprimidas. Ele fica calmo, em um estado de quase imobilidade. Para quem está por perto, é muito bom, porque ele deixa de ter surtos. Mas será que esse medicamento está fazendo bem para o paciente?”, questionou João Ernesto de Carvalho. Para ele, os efeitos adversos provocados pelos medicamentos a curto e longo prazo são importantes e, muitas vezes, a toxicidade é maior do que os benefícios para o paciente.
Carvalho apontou ainda o papel da indústria farmacêutica na diminuição da tolerância e aumento da medicalização. “O diagnóstico na área de psiquiatria é difícil. Depende muito da experiência do médico e, hoje em dia, com a pressão da indústria farmacêutica tudo está muito medicalizado”, afirmou. “Antigamente, por exemplo, o tratamento da depressão reativa, que é a depressão que acompanha uma pessoa quando ela perde um ente querido, ou tem um problema sério, era no máximo uma psicoterapia. O entendimento era preciso passar por aquilo, pelo luto. Normalmente, depois de um ou dois meses passava. Hoje, se medica como se fosse a depressão não reativa, ou seja, que vem de algum distúrbio orgânico”, observou.
Na mesma direção, Cláudia Cristina Antonelli traçou um panorama histórico da loucura na palestra da “Fogueira a Indústria Farmacêutica”. “A loucura tem lugar e tempo. A forma como a gente entende a loucura vai determinar quais dispositivos construiremos para lidar com ela”, afirmou. A pesquisadora comparou os dispositivos da Idade Média, moderna e atualidade. Segundo ela, as práticas restritivas, como a camisa de força, vão sendo progressivamente substituídas no século XX pelos psicotrópicos e o fortalecimento da indústria farmacêutica vem acompanhado do aumento do número catalogado de doenças e da diminuição da tolerância. “Hoje, vejo certa indiferença à vida psíquica, subjetiva. Vale lembrar que o medicamento jamais vai trazer sentido à vida de alguém”, ressaltou.
Formas alternativas de assistência formam abordadas durante o evento, como os grupos de Ouvidores de vozes e de terapia ocupacional. A psicóloga Isabela Cardia, que atendeu por oito anos no Serviço de Assistência Psicológica e Psiquiátrica ao Estudante (SAPPE) da Unicamp, defendeu o modelo de psicoterapia breve e pronto atendimento psicológico e ressaltou a importância do cuidado com a saúde mental do jovem no período universitário. “O Sappe é um lugar de passagem num momento de necessidade em meio a uma caminhada solitária em busca de um sentido ou de um rumo para a própria vida”, pontuou.
O cuidado da saúde mental no Sistema Único de Saúde (SUS) foi o assunto da mesa composta pela farmacêutica Francielly Damas e o psicólogo Daniel Goulart Rigotti. Francielly defendeu uma farmacoterapia consciente, que respeite o paciente em sua integralidade. “Usar um medicamento envolve uma questão subjetiva muito grande. Envolve relação com o adoecimento, com a vida, com a família. Essa experiência vai dizer pra nós muito mais do que qualquer prontuário, registro ou histórico de medicamentos. É preciso estar disponível para ouvir”, enfatizou.
Da mesma forma, para Daniel Rigotti, vivemos hoje um cenário de pacientes supermedicados e ineficazmente consequente da falência nossa da compreensão do mundo do outro. “É necessário olhar para as relações de poder envolvidas na prescrição de medicamentos”, sugere.