As mulheres constituem hoje mais da metade da população brasileira e são as principais usuárias do sistema público de saúde. A despeito disso, nem sempre conseguem o apoio necessário para cuidar da própria saúde. As adolescentes grávidas fazem parte desse contingente que normalmente fica à margem do atendimento na rede pública, pelo fato de a gravidez acontecer precocemente, muitas vezes sem planejamento e também por não fazerem parte da população economicamente ativa no país, o que pode gerar ônus ao sistema. Mas um trabalho de atenção a esse público é ofertado com excelência na Unicamp e tem gerado ações para que esse quadro seja superado e auxilie no desenvolvimento das potencialidades dessas adolescentes.
O Hospital da Mulher - Caism faz um atendimento especializado a essas grávidas no Ambulatório de Pré-Natal de Adolescentes (PNA), em iniciativa pioneira no país, e um grupo de profissionais do PNA, ao prestar essa atenção, tem se envolvido em atividades que incluem a criação de um grupo aberto para orientar essas meninas sobre direitos humanos e reprodutivos, além de pesquisas para embasar o conhecimento sobre esse público.
A docente da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) Fernanda Surita conta que essa ação no cuidado com as adolescentes gestantes e puérperas (mulheres que acabaram de ter seus filhos) é um braço do grupo de pesquisa Saúde Reprodutiva e Hábitos Saudáveis (Sarhas), que ela coordena. Segundo a professora, o Sarhas nasceu pensando em cuidar da saúde da mulher e olhá-la para além do binômio saúde-doença. Com as adolescentes, ele visa abordar prevenção de outra gravidez, discutir relações familiares, saúde mental, nutrição, exercícios, bem como questões próprias do período.
As adolescentes grávidas em acompanhamento no Caism têm idade entre 10 e 18 anos, provenientes da Região Metropolitana de Campinas ou da sua área de cobertura. Essas jovens vêm drenadas pela rede pública de saúde, sendo referendadas e agendadas para atendimento no Pré-Natal de Adolescentes.
O grupo aberto está fazendo um trabalho social sem precedentes no serviço público nessa faixa etária. As adolescentes grávidas, assim que chegam ao ambulatório para consulta, têm um contato mais estreito com os profissionais da área da saúde. Não precisam ficar o tempo todo aguardando atendimento na sala de espera. Hoje, elas e seus acompanhantes são convidados a participar desse grupo, que conta com a atuação majoritária de profissionais do Caism e alunos de pós-graduação, que trabalham voluntariamente nas atividades do grupo.
As adolescentes participam de rodas de conversa, expondo seus dilemas e necessidades, e recebem orientações. A vantagem é que esses instantes não interferem na consulta agendada. “Se o médico as chamam para consulta ou se o ultrassonografista as chamam para exame, as adolescentes vão e voltam por livre demanda. A reunião prossegue e tem mais ou menos uma hora de duração”, relata a docente. “Às vezes, se prolongam, sobretudo durante intervenção do educador físico com exercícios e relaxamento”.
Nesse grupo, sempre tem um médico ou enfermeiro para cuidar dos aspectos fisiológicos ou patológicos da gravidez. Tem ainda a participação de psicólogas, assistentes sociais, educador físico e nutricionistas. Ali são discutidas questões como dor do parto, fatores psicológicos, direitos na escola e no trabalho, presença do acompanhante no parto, sexualidade, atividade física e igualdade, entre outros aspectos.
“As adolescentes trazem dúvidas sobre como lidar com alguns obstáculos na escola, com o companheiro, com vivências negativas no seu núcleo familiar”, relata a docente. “As situações mais conflituosas são anotadas, e a pessoa pode ser encaminhada para atendimento individual com profissionais das áreas de Psicologia, Serviço Social ou Psiquiatria.”
As adolescentes grávidas passam pelo Caism com maior frequência durante o pré-natal, entretanto, no puerpério (período pós-parto), as consultas diminuem, com o retorno somente 40 dias depois do parto. Por isso mesmo é preciso deixá-las bem-preparadas para novas situações. É o conceito de Educação Pré-Natal (Antenatal Education), afirma Fernanda Surita.
“Também ali são apresentadas noções de cuidado com os bebês, aleitamento materno e contracepção. Enfatizamos a importância de retornarem aos estudos e aos planos de vida, mesmo que tenham passado por experiências negativas”, lembra Fernanda. “Os profissionais reforçam o valor do estabelecimento de vínculos de amizade e de reciprocidade entre adolescentes, acompanhantes e profissionais de saúde.”
Os acompanhantes também acabam se aproximando da equipe do Caism, o que é muito produtivo, pois, estando mais próximos, essa é uma forma de trazerem para si essas adolescentes, de influenciá-las e de apoiá-las. “Trata-se, portanto, de um trabalho de educação em saúde, que é algo maior. Temos que apostar nas novas gerações, no futuro e nas potencialidades dessas meninas”, realça.
A expectativa é de que esse grupo aberto, com ações educativas no pré-natal e puerpério, se fortaleça com a chegada de novos profissionais. “Esperamos que, com nossa ajuda, essas meninas sejam empoderadas quanto aos seus direitos, às expectativas de vida e ao futuro. É um trabalho de construção no qual tentamos de alguma forma orientar adolescentes que já têm lidado com problemas de uma gravidez às vezes não planejada. Esperamos que elas sigam seus caminhos, desenvolvam seus potenciais e as melhores opções de vida”, pontua Fernanda.
Aprofundamento
Enquanto um braço do grupo de pesquisa Sarhas trabalha no front do atendimento às adolescentes, as pesquisas têm o intuito de fortalecer as bases para melhor compreensão da gravidez na adolescência, um período de muitas implicações para essas jovens. Nesse sentido, a nutricionista Maira Pinho Pompeu, orientanda da professora Fernanda Surita, pesquisa no doutorado a avaliação nutricional (composição corporal e avaliação dietética) na gestação e puerpério dessas adolescentes. Os primeiros resultados do estudo assinalaram já um grande deficit na ingestão de cálcio. Foi então implementada a prescrição de cálcio para todas adolescentes no pré-natal, com importante impacto na assistência a essas jovens.
Outro trabalho dessa nutricionista está dimensionando as ações educativas para que o aleitamento materno seja mantido. Essa iniciativa foi uma parceria com professora Erika Tanaka, docente do Departamento de Enfermagem e colaboradora do PNA. O estudo está em andamento e compara o grupo de adolescentes que participou dos grupos educativos no pré-natal e o grupo que apenas fez o parto no Caism. Os dados preliminares mostraram que até o momento todos os desmames ocorreram em adolescentes que fizeram o pré-natal fora da Unicamp. “Essa é outra ação que impacta a assistência e que pode servir de modelo a outras instituições”, diz Fernanda. “Cada menina que recebe informações adequadas é uma potencial multiplicadora em sua comunidade.”
Outro projeto de doutorado é do enfermeiro Rodrigo de Almeida Bastos, orientando do professor Egberto Ribeiro Turato, da área de Psiquiatria da Unicamp, coorientado pela professora Fernanda Surita. Rodrigo avalia como os profissionais da saúde se sentem atendendo adolescentes, "visto que é preciso 'cuidar' dos cuidadores e conhecer as dificuldades dos profissionais dessa área, para instrumentalizar a equipe da melhor forma possível", assinala Fernanda.
Já Juliana Vasconcellos Freitas de Jesus, também orientanda de Fernanda e Egberto, realizou um trabalho em seu mestrado com os meninos adolescentes, parceiros das adolescentes grávidas. Eles não têm serviço especializado à sua disposição, sendo que também estão envolvidos na problemática da gravidez inesperada e no anseio de serem pais, afirma a docente.
Esses jovens que acompanham as gestantes são os melhores parceiros, conforme Fernanda, pois muitos outros não assumem a gravidez ou não acompanham a gestação. “Apesar de acompanhá-las ao Caism, para que houvesse um serviço específico para atendimento deles, seria necessário ter um médico de adolescentes atuando junto, um herbiatra, subespecialidade da Pediatria que cuida dos adolescentes”, explica.
Contracepção
Um trabalho do Caism sobre contracepção no puerpério, publicado com dados da revisão pós-parto de adolescentes, mostrava que o DIU (Dispositivo Intra-Uterino) era utilizado por 11% delas, percentual bem superior ao da população brasileira (em torno de 2% a 3%). Isso porque ainda há muito tabu no país em relação ao uso de DIU e uma preferência pelo uso de contraceptivo hormonal injetável ou oral.
Por essa razão, no ambulatório de adolescentes houve um trabalho mais intensivo estimulando o uso do DIU, discutindo suas vantagens e a falta de conhecimento como principal barreira para sua escolha. Depois foi medida novamente a taxa de uso desse dispositivo e verificou-se um aumento de mais de três vezes, chegando a 37%.
De acordo com Fernanda, foi um trabalho proveitoso e agora a ideia é também oferecer às pacientes outros métodos contraceptivos de longa duração, como o implante subdérmico com progesterona – batizado como implanon. Esse será o próximo passo no PNA. Esse é um projeto de doutorado da ginecologista Mariane Barbieri, sob orientação de Fernanda Surita e da médica Cássia Juliato.
O implanon será distribuído gratuitamente para as adolescentes no Alojamento Conjunto imediatamente após o parto. É uma espécie de “chip” que é implantado no braço. No retorno das adolescentes, avalia-se se elas estão satisfeitas com o método e, se continuarem seu uso, estarão protegidas de uma nova gestação por três anos.
As que não quiserem utilizar o implanon, serão encaminhadas para seguimento pós-parto de rotina. A elas, serão sugeridos outros métodos e terão seguimento no ambulatório por um ano após o parto. Espera-se que, quem não usar o implanon, posteriormente opte pelo uso do DIU, uma vez que a contracepção de longa duração é a mais efetiva para as adolescentes, opina a médica.
Segundo o Ministério da Saúde, está reduzindo o percentual de filhos de mães adolescentes, em especial na região Sudeste. A despeito disso, o Brasil é um dos países que ainda apresenta altas taxas de gravidez na adolescência no Norte e Nordeste do país. Por outro lado, lamentavelmente tem aumentado a gestação em adolescentes mais jovens, abaixo de 15 anos. “Recebemos aqui meninas de 12-13 anos grávidas, algumas fruto de violência sexual”, relata a docente. “Nesse caso, temos um serviço de combate à violência que atende 24 horas por dia.”