A Unicamp está sediando pela primeira vez o XII Congresso Internacional de Estudos Japoneses no Brasil e o XXV Encontro Nacional de Professores Universitários de Língua, Literatura e Cultura Japonesa, de 28 a 30 de agosto. Trata-se de um evento bianual e itinerante, organizado por pesquisadores em estudos japoneses no Brasil, e que nesta edição congrega docentes, discentes e funcionários da USP, Unesp, Faculdades Integradas Rio Branco e da Unicamp, através do Centro de Ensino de Línguas (CEL), do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). Mais informações: http://www.unicamp.br/unicamp/eventos/2018/08/27/estudos-japoneses-singularidades-e-novos-rumos
“Estudos Japoneses – singularidades e novos rumos” será o tema dos dois eventos paralelos, contando com conferências, mesas-redondas, painéis, simpósios e apresentações de trabalhos acadêmico-científicos. “A globalização, como processo irreversível de integração dos diversos países, envolvendo aspectos econômicos, políticos, tecnológicos, sociais e culturais, não deve implicar a perda das peculiaridades de cada povo. Integrar-se sem perder as próprias raízes tornou-se um desafio, especialmente para as culturas mais tradicionais. A temática desse evento procura, assim, ressaltar as singularidades da cultura japonesa, notadamente em sua língua e literatura”, enfatizam os organizadores.
A professora Terezinha Maher, do Departamento de Linguística Aplicada da Unicamp, concedeu a conferência de abertura, abordando as “Diferentes singularidades da cultura japonesa na cultura brasileira contemporânea: línguas e identidades em interação”, na manhã desta terça-feira, no Centro de Convenções. “Vou falar sobre identidades culturais na pós-modernidade, começando pela noção de cultura no censo comum, depois sobre cultura na perspectiva antropológica, que é mutável e múltipla, e em seguida sobre a questão da identidade, que também é móvel e transitória”, adiantou a docente antes da palestra. “Identidade é uma construção discursiva, nós não temos uma ciência, nós nos construímos como sujeitos a depender do momento histórico, do ambiente social.”
Nesse sentido, afirma a docente do IEL, o termo identidade cultural, seja japonesa ou brasileira, deve vir entre aspas, para evitar a sua “coisificação”, como se fosse algo acabado. “A produção cultural japonesa está impactando muito a juventude brasileira, com a sua literatura, como os livros de [Haruki] Murakami, e o mangá. Temos o exemplo de Shinzo (Rafael Alves Bezerra, do Recife), que virou produtor de animê e escapou da pobreza devido a esse interesse pela cultura pop japonesa – mostrarei um vídeo dele [http://www.nicovideo.jp/watch/sm5822705] que ganhou vários prêmios internacionais”.
Terezinha Maher lembra que, antigamente, o japonês era ensinado como língua de herança, apenas para os descendentes, mas hoje está se destacando no campo de língua estrangeira. “O japonês adquiriu um status de língua estrangeira importante. A maioria dos alunos que fazem o curso no CEL da Unicamp, por exemplo, é de não descendentes, só tem ‘brasileirinho’. Isso se deve ao interesse pelo mangá, pela cultura pop. Quem, como eu, propõe uma política linguística de promoção do multilinguismo, acha ótimo, por quebrar a hegemonia do inglês, francês, alemão. Agora, o aluno tem a opção de aumentar seu repertório linguístico.”
Mereceu destaque na conferência da professora da Unicamp a importância da contribuição dos imigrantes japoneses e seus descendentes para o desenvolvimento do Brasil, notadamente na agricultura. “A mesa do brasileiro jamais seria a mesma não fosse a variedade de verduras, legumes e frutas que eles passaram a cultivar. Foram os japoneses que trouxeram o conceito de cooperativa, um sistema que permite ao pequeno agricultor organizar, distribuir e comercializar a produção, ajudando a girar a economia de muitos municípios. Tudo isso tem impacto na saúde do brasileiro, sem falar nos dois grandes hospitais em São Paulo, Beneficência Nipo-brasileira e Hospital Nipo-Brasileiro, ambos mantidos por comunidades nipônicas.”
Terezinha Maher ressaltou ainda a contribuição dos japoneses nos esportes (“as medalhas do judô e nas artes marciais em geral”), a introdução do budismo e do xintoísmo (“auxiliando brasileiros a encontrar paz espiritual”), o cinema de Tizuka Yamasaki (“Gaijin influenciou minha geração”) e exemplos na arquitetura e nas ciências. “Vou terminar apontando que 15% dos aprovados na Fuvest do ano passado eram descendentes de japoneses, embora representem apenas 0,7% da população. Este espaço que ocupam na USP reflete sua contribuição para o desenvolvimento científico do país.”
A polidez na língua japonesa
Wataru Kikuchi, docente da área de Língua e Literatura Japonesa da USP, coordenou a primeira mesa-redonda, sobre um tema inédito mesmo nestes encontros de estudos japoneses: a polidez na língua japonesa. “Ultimamente, no debate linguístico no Brasil, a polidez tem sido denominada cortesia verbal. Nessa conversa que estamos tendo, procuramos manter um equilíbrio, um respeito mútuo, seguindo regras que nós já compartilharmos por sermos da sociedade brasileira. Isso, no contexto japonês, possui suas peculiaridades, inclusive por se tratar de uma língua com muitos marcadores, diversas categorias de polidez utilizadas conforme a relação que se tem com o interlocutor.”
Segundo Kikuchi, além dos marcadores linguísticos, a polidez na língua envolve a expressão facial, os gestos e a postura corporal, sempre levando em consideração fatores sociais. “Os estudantes sentem dificuldades para entender as relações sociais no Japão e, consequentemente, a linguagem conveniente para cada situação. No curso de graduação, são dois eixos: horizontal, que define os atores ‘de dentro’ (do círculo familiar, pessoas mais íntimas ou, no contexto corporativo, os colegas de seção); e vertical, das hierarquias sociais (no caso de uma empresa, conforme a responsabilidade do cargo ou ordem de ingresso: senpai, veterano, e kohai, novato).”
Manter o equilíbrio na interlocução, acrescenta o professor da USP, exige escolhas e estratégias estabelecidas a cada momento. “No japonês, o respeito é relativo. Dentro da empresa, com um colega de mesmo nível hierárquico, posso conversar informalmente. Mas se nessa conversa vou mencionar o chefe, eu expresso a relação subalterna, tal como se me dirigisse diretamente a ele. E, quando interajo com alguém de fora da empresa, devo neutralizar essa hierarquia, como se rebaixasse o chefe colocando-o ao meu lado, para dizer que somos da mesma empresa. O respeito muda de acordo com quem estou falando.”
Questionado se a polidez na língua contribui para a fama de extremamente educados atribuída aos japoneses, Wataru Kikuchi lembra que, no fundo, está o peso do passado de imperialismo. “Pode-se dizer que o uso do japonês tornou-se mais flexível, havendo um tratamento mais democrático entre as pessoas, mas não podemos negar a existência do imperador e dos membros da família imperial, que continuam sendo mencionados com expressões de respeito – há um forte componente social e cultural nesse tratamento.”