As pílulas orais para uso anticoncepcional surgiram nos Estados Unidos em meados da década de 1960. Este foi apenas o início de uma série de métodos que foram surgindo com vistas a evitar a gravidez. Novas vias de administração vêm sendo estudadas e utilizadas. No Ambulatório de Planejamento Familiar do Hospital da Mulher - Caism, da Unicamp, centro de referência para mulheres da macrorregião de Campinas, estão sendo ofertados os contraceptivos mais modernos do mercado. As pacientes podem inclusive contar hoje com os métodos de longa duração, como os DIUs (dispositivo intra-uterino) de cobre, principalmente com levonorgestrel, chamado mirena, com eficácia de cinco anos, além do implante subdérmico implanon, que inibe a ovulação da mulher por três anos.
Conforme Ilza Monteiro, ginecologista do Caism e docente do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), o foco deste ambulatório é oferecer tecnologia de ponta em anticoncepção baseada em pesquisas com grande evidência científica. Além disso, o serviço cumpre um importante papel de treinamento para médicos e residentes de Tocoginecologia e Saúde da Família. “Seguimos aqui o conceito de que os LARCs (Long-Acting Reversible Contraception) são os métodos mais eficazes para evitar uma gravidez não planejada, pois são contraceptivos reversíveis e de longa duração.”
A maioria das mulheres que chegam à Unicamp, afirma a docente, já vêm em geral com indicação de uso do DIU mirena, uma vez que este dispositivo ainda não é distribuído na rede básica. Muitas delas vêm com histórico de muitos filhos por falha da pílula, sangramento uterino abundante ou então porque não conseguiram o DIU. “O DIU de cobre é fornecido pelo SUS às pacientes, porém falta treinamento aos médicos neste procedimento e poucas unidades disponibilizam o método”, expõe.
O Ambulatório de Planejamento Familiar do Caism acaba de dar um reforço no treinamento aos médicos residentes para colocarem os DIUs, o que é feito regularmente. “A expectativa é aumentar também os treinamentos para a colocação dos implantes subdérmicos”, assinala a médica, que é a responsável pelo ambulatório.
Mundialmente, os métodos anticoncepcionais não cirúrgicos mais utilizados são os DIUs, implantes, as pílulas anticoncepcionais e o preservativo masculino. Na rede pública brasileira, a pílula é o método de maior aceitação. “Lamentavelmente, 53% das gestações no país acontecem por falha de método”, expõe a ginecologista. Os estudos, entretanto, mostram que os métodos de longa duração são mais eficazes e, muitas vezes, mais seguros.
No momento, há no mercado as injeções mensais, que têm estrogênio e progestogênio – cujos nomes comerciais são mesigyna, cyclofemina, depomês, entre outros. O hospital, no caso, recebe doações de empresas com regularidade mensal de acetato de medroxiprogesterona de depósito (a depo provera), cuja eficácia é trimestral, além da oferta dos métodos mais tradicionais. Atualmente, o serviço participa de um estudo destacado que visa diminuir a quantidade de hormônio da depo provera.
O diferencial na Unicamp é que as pacientes participam ativamente da escolha do método que melhor se adeque ao seu estilo de vida. Elas passam por aconselhamento de planejamento familiar, trabalho também preconizado por países europeus e norte-americanos. A intenção é fornecer-lhes informações para que haja uma decisão consciente, posto que os métodos anticoncepcionais produzem impactos às suas vidas, seja alterando o padrão de sangramento ou mesmo de conforto.
Uma boa notícia, revela Ilza, é que a taxa de continuidade de uso de métodos pelas mulheres atendidas no Caism é muito boa: está acima dos 80%. “Em média, na literatura, essa taxa se situa entre 50% e 60%. Acredita-se que esse número seja significativo devido à estratégia de oferecer LARCs sem custo. As mulheres bem orientadas sobre a gestação não planejada costumam escolher LARCs.”
O Caism coloca cerca de 15 DIUs por dia, exceto às quintas-feiras. Os implantes, mesmo sendo o único método viável para algumas mulheres, têm distribuição limitada, porque o ambulatório depende de doações. Por outro lado, em todas as consultas, todas as mulheres podem levar consigo camisinhas masculinas.
Avanço
Ilza lembra que a Unicamp sempre teve uma atuação pioneira no planejamento familiar e que o professor da FCM Aníbal Faúndes teve uma participação protagonista nos primeiros testes com o DIU mirena no Brasil, ao lado do pesquisador finlandês T. Luukkainen, na década de 1980.
Ela explica que a organização não-governamental (ONG) Population Council tinha interesse em conhecer as taxas de aceitação do método, já que busca, mediante parcerias, soluções que levem a políticas, programas e tecnologias mais eficazes na prevenção da gravidez não planejada, um dos maiores fatores relacionados à pobreza no mundo.
Esses testes mostraram boa aceitação, e o mirena se sobressaiu com vantagens: o dispositivo não interagia com outros medicamentos, visto que era introduzido no útero e não dependia da lembrança de tomada diária, como a pílula. Cabia à mulher apenas fazer revisão regular do dispositivo.
O DIU de cobre é um método eficaz também disponível no Planejamento Familiar. Um dos seus problemas é que ele pode aumentar o sangramento menstrual, levando a uma maior taxa de anemia. O mirena tem efeito oposto: diminui o sangramento devido ao levonorgestrel, um fármaco capaz de suprimir a menstruação. Tem quase o mesmo tamanho do DIU de cobre, e o procedimento de inserção é rápido em aproximadamente 80% das mulheres, durando em média cinco minutos. “Mesmo trazendo um desconforto moderado às mulheres atendidas no nosso ambulatório, cerca de 85% delas não têm queixas de dor relevante e as restantes podem recorrer à anestesia”, relata a docente.
Como o mirena diminui o sangramento, é indicado a mulheres com cólicas menstruais e com endometriose. Além de obterem efeito anticoncepcional, melhoram a sua qualidade de vida, dado que diminuem as intercorrências menstruais. A taxa de falha é somente 0,3 em cada 1.000 mulheres.
A taxa esperada de expulsão do DIU é de duas a três em cada 100 mulheres no primeiro ano de uso. Para aquelas que sangram mais essas, a taxa de expulsão é um pouco maior: da ordem de oito em cada 100 mulheres, devendo ser seguidas mais frequentemente.
O DIU pode ser utilizado por qualquer mulher e, em especial, pelas adolescentes. A ideia é evitar a gravidez não planejada, que tira a adolescente da escola precocemente e cujas consequências podem se refletir socialmente. Quando empregam pílulas, essas mulheres podem apresentar maiores taxas de falha (3 em cada 1.000 mulheres), pois esquecem de ingeri-las, e esse esquecimento pode levar à gravidez não planejada.
Em alguns casos, não se consegue colocar o DIU, em outros a mulher não quer usar método intra-uterino e prefere empregar o implanon – um método muito bem-aceito e eficaz, até porque ele é implantado no braço e não sai do lugar.
O implanon é um tipo de reservatório cilíndrico de silicone – um tubete – que é aplicado embaixo da pele, na região do tríceps. É implantado ambulatorialmente sob anestesia local, liberando o tubete. Para retirá-lo, faz-se uma pequena incisão com anestesia local. Ele é tido como um dos métodos mais eficazes do momento.
O Colégio Americano de Pediatria e o Colégio Americano de Ginecologia recomendam que mulheres mais jovens usem os LARCs, com ênfase para os DIUs e implantes. Esta conduta já é indicada antes mesmo de ser prescrito o uso da pílula oral, que passou a ser uma segunda linha na abordagem da anticoncepção.
O DIU pode ser adotado por mulheres que não tiveram filhos. Mais ou menos 25% das pacientes do ambulatório não têm filhos. A sugestão então é que utilizem o DIU, pelo seu apelo da longa duração.
Logo, o aconselhamento em planejamento familiar é fundamental na escolha dos métodos. Ele surgiu como necessidade quando os métodos anticoncepcionais foram idealizados. Fazer com que a mulher tivesse menos medo e menos mitos era uma forma de garantir que continuasse o uso desses métodos, de acordo com Ilza.
“Temos um serviço público extremamente eficiente que traz aqui uma medicina de ponta. Esse ambulatório é fruto do trabalho do Departamento de Tocoginecologia, dos pesquisadores que nos antecederam (Aníbal Faúndes, José Aristodemo Pinotti, Juan Díaz, Carlos Petta) e do professor Luís Bahamondes, que com um trabalho incessante tem mantido um canal aberto com a OMS e o Population Council, dos quais somos parceiros no trabalho de oferecer segurança e eficácia contraceptiva para as mulheres”, ressalta a docente.
Acolhimento
O aconselhamento no Planejamento Familiar era inicialmente feito em grupo, onde as mulheres falavam de suas dúvidas e recebiam material educativo elaborado pelos próprios profissionais da área. Depois passou a ser individual e agora voltou a ser coletivo.
Faz-se um grupo com todas as mulheres que são atendidas pela primeira vez. Segundo a enfermeira Elaine Garcia, que trabalha nesse ambulatório, a grande maioria delas já vem com indicação de um método do posto de saúde. “Entretanto, não será necessariamente o de escolha”, informa.
Ela conta que o acolhimento às mulheres ocorre numa sala com vários colchões posicionados no chão, para que possam relaxar a pelve e conversarem sobre os métodos. Como boa parte delas vem buscando a colocação dos DIUs e dos implantes, a conversa em geral gira em torno dos dois métodos. “Explicamos como funcionam, como é o mecanismo de ação, os efeitos colaterais, os cuidados, o que muda no relacionamento do casal e o possível desconforto do procedimento.”
Nessa sala, são entregues cremes às mulheres à base de óleos essenciais com fragrâncias agradáveis para serem usados nas mãos, barriga ou sola do pé. “A aromaterapia ajuda muito. Quando a mulher está ansiosa, contrai mais a musculatura e prende a respiração. Com o creme, ela se sente mais confortável. É empregada ainda uma bolsa de água quente após a inserção do DIU, como método de analgesia não farmacológico, para aliviar a dor”, realça Elaine.
Em seguida, as pacientes passam por uma entrevista, na qual seus dados pessoais são coletados. Então recebem o DIU ou o implante, retornando ao ambulatório entre 45 e 60 dias após o procedimento, e prosseguem em acompanhamento na rede básica.