Um lugar totalmente inóspito, um deserto branco, o risco de enfrentar nevascas e frio. Muito frio! Este será o cenário que o docente do Instituto de Geociências da Unicamp, Alessandro Batezelli, vai enfrentar em sua primeira expedição rumo à Antártida. No final de novembro ele vai embarcar junto a uma equipe de pesquisadores coordenada por Alexander Kellner, paleontólogo do Museu Nacional do Rio de Janeiro. A equipe tem paleontólogos e geólogos do Museu, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e da Universidade do Contestado (UnC).
A convite da equipe do Museu Nacional, o pesquisador da Unicamp integra um projeto do Programa Antártico Brasileiro (ProAntar), que tem como objetivo o resgate de fósseis (organismos extintos) do cretáceo superior, que engloba o período de 65 a 140 milhões de anos (a era dos dinossauros). Batezelli já tinha ido a campo com colegas dessa equipe para estudos geológicos em vários sítios paleontológicos em Minas Gerais e São Paulo, para sanear carências na área de sedimentologia e estratigrafia, já que esses animais são encontrados fossilizados em rochas sedimentares. Havia também a necessidade de um estudo mais detalhado dessas rochas para entender como era a paisagem e o clima.
Na expedição à Antártida, enquanto os paleontólogos coletarão os fósseis, o docente da Unicamp vai fazer a descrição das rochas onde esses seres foram encontrados. A intenção é fazer interpretações ambientais. “Quando a gente analisa um fóssil, a gente tem uma informação sobre sua anatomia que reflete seus hábitos e o ambiente onde eles viviam. De acordo com feições anatômicas das patas, o formato dos membros superiores, ou dentes, é possível identificar hábitos de locomoção e alimentação. Através de análise da rocha em que esse ser estava fossilizado, é possível identificar processos sedimentares que permitem fazer uma reconstrução da paisagem onde o animal vivia”, aponta Batezelli.
O grupo, que tem retorno previsto ao Brasil para fevereiro de 2019, vai ficar inicialmente na base provisória brasileira - Estação Comandante Ferraz, cuja sede foi destruída por um incêndio há alguns anos e deve ser reinaugurada em breve. O local das pesquisas é uma ilha chamada Vega, localizada a cerca de 200 Km da base brasileira. No local da pesquisa não há o menor sinal de comunicação a não ser um telefone via satélite para o caso de alguma emergência. Eles chegarão à ilha através do navio Ari Rongel, da Marinha brasileira, e permanecerão isolados por cerca de um mês. Nessa ilha, além de fósseis de dinossauros, há outros seres fossilizados como conchas, crocodilos e árvores. O grupo ficará literalmente acampado no meio do deserto antártico.
Para isso, foi necessário que o docente da Unicamp passasse por um treinamento especializado de sobrevivência na Antártica, seguindo normas rígidas de segurança. Como o clima é muito instável, no treinamento de sete dias realizado na Base da Marinha na Ilha de Marambaia, no estado do Rio de Janeiro, houve uma preocupação muito grande com o planejamento da viagem, incluindo métodos sobre a montagem do acampamento e deslocamento até os pontos de coleta e descrição dos fósseis e rochas. Procedimentos de segurança, tais como sempre andar acompanhado e seguir sempre as recomendações do líder do acampamento, serão prioridade.
No treinamento, fora simuladas situações que encontrarão no continente gelado, como a montagem do acampamento sob condições de tempestade, alimentação específica, situações de emergência em terra e água, e aulas de primeiros socorros. “Não podia deixar nada solto. O instrutor dizia: ‘se fosse na Antártida, o vento já teria levado embora a sua barraca’”, disse. Aprenderam então a ancorá-las bem, sempre ficando atentos para não deixar quaisquer frestas abertas, impedindo assim a entrada de água e gelo.
Ao desembarcar na Ilha Vega, as primeiras atividades consistirão na montagem das barracas individuais, que seguirão uma disposição preferencial de acordo com a direção dos ventos na área selecionada – a ideia é impedir que a turbulência possa desmontá-las ou arrancá-las do chão durante as fortes nevascas. Haverá também uma barraca maior que será a cozinha – com fogão, gás, gerador, caixas com alimentos, mesas, cadeiras –, tudo para tentar fazer com que o tempo em que estarão isolados seja o mais confortável possível. Há ainda uma barraca que será o banheiro. Os dejetos produzidos na Antártica serão trazidos ao Brasil, pois não podem deixar nada lá, seguindo normas do Tratado da Antártica no qual o Brasil é signatário desde 1982.
A líder da equipe será a alpinista da Associação Paulista de Alpinismo (APA), Yoshimi Nagatani, credenciada pela Marinha do Brasil, acostumada com expedições na Antártica e em outras partes do mundo. “Para quem não está acostumado, esse conhecimento especializado da líder é importantíssimo. Todo mundo tem que se ajudar, pois qualquer deslize compromete não só a si, mas aos demais colegas também”, afirmou Batezelli.
Ainda de acordo com o docente, não houve um preparo psicológico específico, apenas palestras sobre as condições extremas e situações estressantes. Haverá, porém, um médico e um enfermeiro da Marinha para atender as necessidades das equipes, bem como pesquisadores que trabalham na linha de psicologia e estresse. Ficar isolado do mundo por dias, num lugar inóspito e longe da família em pleno Natal não será tarefa fácil. Aliás, essa é uma das preocupações de Alessandro, que passará os feriados do final do ano longe da família.
Não foi necessário um treinamento físico, mas exames médicos foram solicitados para evitar, por exemplo, que alguém sofra um infarto por lá. Também fará parte da equipe um dentista para casos de emergência. A expedição ocorrerá durante o verão para atenuar situações mais adversas, com temperaturas amenas e dia claro por todo o tempo.
Demarcação de território
“Os estudos na Antártida são extremamente importantes, principalmente para nós brasileiros. O nosso clima é diretamente controlado por aquele continente. Todas as frentes frias que chegam ao país vêm das massas de ar de lá. É um local, do ponto de vista estratégico, muito importante para o mundo inteiro”, aponta o docente. A Rússia, por exemplo, tem nove estações de pesquisas, a China está construindo a quinta, o Chile tem cinco, a Argentina tem quatro e os Estados Unidos, a maior delas, com capacidade para 1300 pessoas. O Brasil tem uma. Pelo Tratado de Madri, não pode haver nenhum impacto ambiental, ou seja, nenhum tipo de exploração é autorizado pelo menos pelos próximos 30 anos. O território, porém, é rico em jazidas de metais, como ouro, prata, cobre, carvão, além de petróleo.
Resultados
Os resultados serão trabalhados em equipe, ou seja, toda a interpretação geológica e paleontológica será a base para a publicação de artigos científicos. A ideia é reconstruir um pedaço da história na Antártica, mais especificamente do período Cretáceo. “A minha intenção científica é fazer uma reconstrução geral da paisagem há 80 milhões de anos atrás, abrangendo todo o continente Sul-Americano e a Antártica”, informou.
Expectativa pessoal
Alessandro acredita que vai ser uma experiência única, a qual tentará compartilhar através do Diário de Bordo, no Jornal da Unicamp. “Ficar isolado, estar num lugar em que poucas pessoas tiveram ou terão chance de conhecer, será, no meu entendimento, uma oportunidade incrível. Além do crescimento profissional e científico, acredito que essa experiência me fará refletir sobre muitas coisas, tornando-me uma pessoa melhor”, finaliza.